Suporte a litígios

A prova como uma informação estratégica

Autor

  • Marcelo Stopanovski

    é diretor de produção da i-luminas – suporte a litígios especializada em análise de quebras judiciais de sigilos. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília mestre em Inteligência Aplicada na Engenharia de Produção e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

15 de abril de 2015, 8h05

Spacca
Nesta coluna "Suporte a litígios" estamos acostumados a conversar sobre tecnologia da informação aplicada aos grandes volumes de informação e isso é realmente uma tendência. Nem é preciso pensar no termo Big Data, pense apenas na sua caixa de e-mails e seus grupos no WhatsApp.

Mas isso é uma tendência perceptível na sociedade há mais de 100 anos, quando não desde sempre. No final do século XIX, início do XX, Sigmund Freud escreveu sobre a angústia gerada na sociedade vienense pelo impacto do acesso a um volume gigante de informação advindo da nova tecnologia chamada telégrafo!

Em nosso campo, a tecnologia pode ser entendida como o conjunto de ferramentas para tratar a informação. E quando não havia o computador para que isso fosse feito?

Durante a segunda guerra mundial, pouco antes do advento do computador digital, o esforço de processamento de informação era descomunal. Interessante descrição daquele momento pode ser encontrada no livro “O Serviço Secreto” escrito pelo general nazista Reinhard Gehlen, chefe da inteligência militar do Reich no final do conflito.

Conta o autor que todos os dias os soldados nas trincheiras da frente leste do exército alemão, o lado do combate contra os soviéticos, anotavam pequenas informações e enviavam para seus superiores. Tanques foram avistados passando em determinada estrada, sacos de areia estavam sendo transportados em um barco, aviões sobrevoaram tal cidade e literalmente milhares outros informes deste estilo. Os superiores agrupavam as informações com as colhidas pelo monitoramento das comunicações da área e passavam para seus superiores em uma cadeia hierárquica típica das forças militares. Gehlen estimou que 400 mil pessoas participavam desta coleta de dados todos os dias, para que na reunião da noite no gabinete do Füher em Berlim o serviço de inteligência pudesse indicar que ‘o exército vermelho está indo para o norte’, por exemplo. Um esforço gigante de coligação de informações para gerar uma frase com o peso da síntese dos milhões de dados colhidos.

Como nota de rodapé, destaca-se que este general alemão da foto aí ao lado retirada da Wikipedia, tinha perfeita ciência do valor da informação que ele produzia. Quando a guerra acabou ele é sua equipe esconderam toneladas de documentos secretos nas montanhas da Baviera e se renderam para os estadunidenses. Mesmo sendo um general nazista de alta importância, chefe da Abwehr, inteligência do exército, não passou pelo tribunal de Nuremberg. Sua tarefa foi ajudar a montar a divisão soviética da recém formada CIA e após esta consultoria tornou-se o primeiro líder do novo BND, inteligência da Alemanha Ocidental.

As metodologias utilizadas por serviços como os do Gal. Gehlen também tentavam equacionar o problema que nos assola, o grande volume de informação disponível para ser processado e transformado em uma informação estratégica.

No campo jurídico uma informação estratégica importante a ser produzida é a prova processual. Pode-se dividir didaticamente o processo de produção de uma informação estratégica em três fases gerais: coleta, análise e difusão.

Se nos aprofundarmos nas nuances de cada uma destas fases podemos criar dezenas de subdivisões, como a coleta ser chamada de reunião e compreender o planejamento, busca, coleta, armazenamento, entre outros. Mas a questão aqui é uma visão geral deste ciclo.

A primeira fase é a que se preocupa com juntar informações (gathering). Quando autos são disponibilizados na vara e a equipe de advogados vai até lá tirar cópias, está nesta fase inicial da produção da informação estratégica. Os autos na sociedade da informação podem conter dezenas de milhares de áudios de interceptações telefônicas, milhões de e-mails, anos de extratos bancários de empresas, bancos de dados com a contabilidade de corporações, vídeos de câmeras de segurança, planilhas, desenhos, imagens, etc, etc, etc. Somente pensando no papel em si e sua migração para o processo eletrônico, já nos deparamos com a digitalização de originais de documentos, a colocação da camada de OCR (reconhecimento ótico de caracteres) para permitir localizar, copiar e colar o texto, o tamanho e o formato do arquivo para upload no sistema do tribunal, etc, etc, etc. As questões de coleta impactam decisivamente na qualidade da análise e na possibilidade de sínteses a serem difundidas. Se os e-mails que formarem a prova estiverem disponíveis em um PDF sem OCR a única maneira de analisá-las será a leitura paciente de todas as páginas, por exemplo. Um bom planejamento de coleta envolve a escolha e solicitação ao juízo de formatos, segurança das fontes e mídia próprias para cada tipo de informação a ser acessada.

Chega-se ao momento da análise da informação coletada, imagine uma operação moderna da Polícia Federal que colheu dez HDs de 500 GB para serem escrutinados pelos peritos. Ou a análise utilizas ferramentas avancadas ou o tempo a vencerá sem esforço, pense na defesa olhando para esses mesmos HDs sem a experiência e as ferramentas necessárias. Os desafios da análise na sociedade da informação passam pela compressão do conteúdo das informações disponíveis, indicando que nesta fase os humanos e as máquinas inteligentes apresentam seus limites. Aqui a organização da informação é crucial, e isso é anterior à computação. Classificar, catalogar, encontrar padrões são algumas das tarefas para a análise. Diz-se que uma boa pergunta possui metade da resposta e esta máxima vale para a iteração entre o analista e o especialista jurídico, que vão construir em conjunto o entendimento da informação que será considerada relevante dos Mega, Giga, Terabytes colhidos.

O resultado de uma boa análise é uma grande síntese. Nesse momento o usuário da informação se torna o tema central. Já estamos calejados com nossa discussão aqui na coluna do papel dos desenhos, gráficos e infográficos na argumentação jurídica, e esta divisão didática do processo de produção da informação estratégica é mais um argumento para a sua utilização. A análise gera material que precisa ser preparado para ter seu efeito potencializado junto ao usuário foco de sua utilidade. Em outras palavras se um contrato considerado relevante foi escrito em chinês, nada mais natural que traduzi-lo para a utilização no processo. Mas quando a relevância é descoberta em uma operação de derivativos descrita em planilhas bancárias e lançamentos contábeis, também é útil a sua tradução para a compreensão dos não versados nesta linguagem, como um desembargador ou um ministro de tribunal superior acostumado a outras acepções do Direito.

Importante destacar que a produção da informação estratégica, que pode ser a prova ou a desqualificação desta, cumprirá seu ciclo em tempo hábil para sua utilidade. Ou seja, existem prazos máximos para cada fase listada. O termo ciclo é utilizado devido à difusão poder gerar novas demandas de coleta, e geralmente o faz. Descobre-se muitas vezes apenas ao final, na síntese para difusão, que certas informações estão faltando na origem. Cada fase pode chamar sua seguinte ou anterior.

Em resumo, a mensagem do artigo de hoje é que o ciclo da produção da informação estratégica continua bastante semelhante nos dias atuais ao utilizado na segunda guerra mundial, e compreendê-lo um pouco pode ajudar na produção da informação estratégia jurídica por excelência, a prova.

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GEHLEN, Reinhard. O Serviço Secreto. Rio de Janeiro, tradução de Luiz Carlos Luchetti e Luiz Corção, Biblioteca do Exército, 1972.

Autores

  • Brave

    é bacharel em Direito, especialista em Gestão de Sistemas de Informações e, atualmente, mestrando em Mídia e Conhecimento pela Engenharia de Produção da UFSC. Orientado pelo Professor Hugo Hoeschl, Dr..

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