Comandos legais

Impeachment deve estar em sintonia com aparato jurídico exigível

Autor

  • Walter de Almeida Guilherme

    é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo atuou como ministro convocado no Superior Tribunal de Justiça e foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

14 de abril de 2015, 9h50

No sistema de governo parlamentarista, o processo para determinar sua queda, isto é, para afastar o chefe, que é o primeiro-ministro e, consequentemente, o gabinete, é eminentemente político, ficando na dependência da manifestação do Parlamento mediante voto desconfiança, ou outra votação que implique desaprovação às medidas políticas ou administrativas tomadas.

No sistema presidencialista, o processo de afastamento do presidente da república é politico e jurídico.

A manifestação do poder legislativo traduz ato político — de escolha de um determinado caminho — que se consubstancia no voto de seus integrantes. Não basta, porém, o intuito de apear o mandatário máximo. No Brasil, é preciso que os atos deste estejam descritos na lei como infrações. Não é suficiente, assim, o mero desejo de o Congresso Nacional afastar o presidente da República, sendo necessário que a ele se agregue esse elemento jurídico de haver sua ação infringido a lei.

Qual lei? Primeiro e fundamentalmente a Constituição Federal.

O tema é tratado sob a rubrica “Da Responsabilidade do Presidente da República”, relacionando o artigo 85 da Lei Maior  os atos do presidente da República que configuram crime de responsabilidade, que são aqueles os atos que atentam contra a Constituição Federal, especialmente, contra a existência  da União, o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do País, a probidade na administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Mas não basta essa conceituação e enumeração, pois no próprio dizer da Constituição, há que lei especial venha definir esses crimes e estabelecer as normas de processo e julgamento.

Esse diploma legislativo especial é a Lei Federal 1.079/50 — recepcionada pela Constituição de 1988 —, que realmente tipifica, um a um, explicitando o texto constitucional, os crimes de responsabilidade do presidente da República e de outros grados detentores de cargo público.

No processo de crime de responsabilidade contra o presidente da República, cada qual em seu momento, atuam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

O procedimento tem início com o oferecimento à Câmara dos Deputados, por todo e qualquer cidadão (detentor, pois, de direitos políticos), de denúncia, que somente poderá ser recebida enquanto o Presidente da República não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

Recebida a denúncia, constituída comissão especial, oferecido e discutido seu parecer, não sendo a mesma arquivada, concedido prazo ao denunciado para contestá-la e indicar os meios de prova que pretenda, a Câmara dos Deputados decidirá, por votação nominal, proferindo juízo de admissibilidade ou não da acusação. A autorização para a instauração do processo é de competência privativa da Câmara dos Deputados e somente se dará pelo voto de dois terços de seus membros (a Câmara é composta por 513 deputados).

Autorizada a instauração do processo, este tramitará no Senado (nos crimes de responsabilidade), sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal, ficando o presidente da República suspenso de suas funções por até 180 dias. Promovido o contraditório e encerrado os debates, o Senado o julgará, sendo necessário o voto de dois terços de seus integrantes para a condenação (o Senado é integrado por 81 senadores), que consistirá na perda do cargo público, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Tem-se, portanto, que, para o impeachment do presidente da República, a par da manifestação política do Congresso Nacional, que, em uma democracia, deve estar em sintonia com responsável e consistente voz das ruas, todo um aparato jurídico é exigível. É de suma importância que a sociedade saia às ruas, postulando que uma ou outra posição seja adotada e que o Congresso Nacional emita juízo de valor condizente, mas o processo de impeachment do presidente da República somente se aperfeiçoa juridicamente, com obediência estrita a todos os comandos legais, sem o que aberta estará e via judicial de contestação.

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  • é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, atuou como ministro convocado no Superior Tribunal de Justiça e foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

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