Crimes eletrônicos

Dispositivos móveis dão nova dimensão à intimidação de testemunhas

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4 de abril de 2015, 8h01

Os orelhões estão de volta em alguns tribunais os EUA. Os juízes americanos vêm proibindo o uso de qualquer dispositivo móvel (celulares, smartphones, tablets) nas salas de audiência. O motivo é que esses dispositivos são usados para fotografar ou filmar testemunhas — e muitas vezes, jurados, juízes e promotores — como recurso de intimidação. Membros da gangue ou da família do réu, presentes na sala de audiência, postam as imagens nas redes sociais, mais tarde, com uma mensagem ameaçadora.

Alguns juízes abrem exceção para advogados, promotores e jurados. Outros não abrem exceções nem mesmo para funcionários da corte, nas salas de audiência. Alguns mais radicais estão banindo dispositivos móveis em qualquer parte do tribunal. Nesse último caso, o tribunal está instalando orelhões, porque, afinal de contas, as pessoas precisam fazer telefonemas.

Outros tribunais montaram pequenos armários, na entrada do tribunal, para as pessoas guardarem seus dispositivos, por US$ 3 dólares. Em alguns tribunais, é possível retirar o telefone do armário, para fazer telefonemas em um lugar designado, e voltar a guardá-lo.

Antes de tomar essas medidas mais drásticas, a maioria dos tribunais colocou placas de aviso na entrada do prédio e nas portas das salas de audiência, informando que era preciso desligar o dispositivo móvel antes de entrar em uma sala de audiência. Mas a maioria das pessoas — especialmente aquelas que entravam na sala de audiência para obter imagens de testemunhas, jurados, juízes e promotores, não respeitavam o aviso.

No caso de desobediência, o dispositivo móvel é confiscado e a pessoa é multada. Quem usar o aparelho para intimidar pessoas que podem concorrer para a condenação do réu, será processada por crime de intimidação e por desacato ao tribunal, com penas de multa e prisão (normalmente, dois anos), de acordo com os sites dos tribunais que já adotaram a medida e o Jornal da ABA (American Bar Association).

O crime de intimidação de testemunhas é antigo. A novidade está nos recursos tecnológicos que os intimidadores estão usando. Pela Internet, o processo de intimidação é mais rápido, mais assustador e, portanto, mais eficiente.

Algumas postagens são mais explícitas, como uma que ocorreu na Filadélfia. Foram postadas imagens de testemunhas e jurados, com a mensagem: “Matem todos os ratos”. Outras vezes, mais sutis: “Essa são as pessoas que querem me derrubar”, escreveu uma ré acusada de tentativa de homicídio, que estava respondendo o processo em liberdade, depois de pagar fiança. Quando ela retornou à corte para uma audiência, a fiança foi cancelada e ela foi para a cadeia.

No bairro de Brooklyn, Nova York, quatro pessoas, todas judeus ortodoxos como o réu, foram expulsas do tribunal, quando elas fotografaram a acusadora de um estuprador de menor que estava no banco das testemunhas. Mais tarde, as fotos apareceram no Twitter e todos os “fotógrafos” foram presos e processados.

Em Cleveland, Ohio, os jurados que ouviam os debates em um caso de homicídio, perceberam que estavam sendo fotografados por uma pessoa na audiência. Assustados, eles avisaram o juiz, que mandou prender o “fotógrafo” sob a acusação de desacato ao tribunal. Mas o juiz teve também de declarar nulo o julgamento, porque os jurados, a essa altura, estavam amedrontados.

Há uma outra forma de intimidar, via Internet. No caso de uma mulher de descendência árabe que acusou o marido de violência doméstica, familiares do réu enviaram mensagens aos familiares da acusadora em seu país de origem, com mensagens do tipo: “Os homens, mulheres e crianças de sua família estão correndo risco de vida, porque a Fulana resolveu acusar o marido de violência doméstica aqui nos EUA”.

A promotora Saleh Awadallah perdeu sua melhor testemunha, quando tentava condenar um membro de uma quadrilha de tráfico de drogas. A foto da testemunha foi publicada no Facebook, com uma mensagem intimidadora.

“Na maioria dos casos de nosso sistema de justiça criminal, a testemunha é a espinha dorsal do processo. Já é difícil conseguir boas testemunhas, por causa da cultura prevalecente no país contra a delação. Tudo ficou mais complicado agora, que você está perdendo testemunhas por causa de intimidação digital”, ela disse ao Jornal da ABA.

A promotora Angela Downes, copresidente do Comitê de Vítimas da Seção de Justiça Criminal da ABA, declarou: “É uma nova fronteira, com a qual ainda estamos aprendendo a lidar. Hoje há muito mais casos de ameaças pelo Facebook, Twitter e outras mídias sociais, do que pessoalmente ou por carta. A mídia social atinge um número muito maior de pessoas, em menor tempo. E as pessoas podem abrir contas falsas para fazer isso”.

Com essas facilidades, os intimidadores têm um senso de impunidade. Mas muitos acabam descobertos. Os promotores têm, por exemplo, de enviar uma intimação às operadoras de comunicações móveis, para obter informações do assinante, endereços de IP e dados da conta, além de conseguir informações sobre suas contas na mídia social. “Depois é preciso ligar essas informações às mensagens de intimidação — isto é, provar que as mensagens foram realmente enviadas por uma pessoa específica. Isso pode ser bem difícil”, ela disse.

O chefe da unidade de crimes “high-tech” da Procuradoria Geral de Illinois, o ex-promotor Keith Chval, que também dirige uma firma de consultoria especializada em ciência forense de computação e provas digitais, confirma: “Uma das maiores dificuldades é ligar o intimidador digital à mensagem publicada na mídia social. Mas quando você consegue fazer isso, os jurados ficam satisfeitos. Eles confiam em registros oficiais”.

Há algum tempo, telefones celulares tocando em uma sala de audiência eram visto apenas como uma importunação — tal como um celular que toca no cinema ou no teatro. “Mas eles se tornaram ferramentas de multimídia, dizem os juízes. Com recursos de foto e vídeo e também de links às redes sociais e à Internet, se tornaram uma ameaça instantânea à segurança”.

Nem todos concordam. A defensora pública Marijane Placek, de Chicago, acredita que os juízes estão fazendo uma tempestade em copo d’água. “Banir dispositivos móveis das salas de audiência e até mesmo de todo o tribunal é uma solução para um problema que não existe. Você não pode me dizer que o intimidador não vai encontrar uma maneira de intimidar, se ele realmente quiser fazer isso”, ela disse ao Jornal da ABA.

Soluções alternativas
Existe tecnologia de interferência eletrônica em um determinado espaço, que possibilita bloquear o serviço telefônico na área. Mas, para implantar essa solução nos EUA, será preciso mudar a lei. A legislação atual proíbe o uso de interferência eletrônica para bloquear a recepção de telefones celulares, porque as companhias telefônicas compraram os direitos de espectro nessas áreas e fazer o bloqueio equivaleria a roubar sua propriedade.

Também poderia ser adotado um sistema de bloqueamento passivo. Isso é feito com a colocação de certos papéis de parede ou com o uso de material de construção com fragmentos de metal embutidos, para impedir a passagem do sinal. Paredes de concreto também poderiam exercer o mesmo efeito. Talvez isso seja mais útil para prisões do que para salas de audiência nos tribunais, que são muito grandes e numerosas.

Outra solução é a colocação de detectores de telefone celular na entrada do tribunal. Eles podem detectar a presença de telefones celulares e até mesmo localizar a fonte. Essa solução já é usada em hospitais, onde o uso de celulares é proibido, porque podem interferir em equipamentos médicos sensíveis. O único problema é que essa tecnologia só detecta chamadas ativas e é reativa, em vez de preventiva.

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