Segunda Leitura

Congresso reúne tribunais de todo o mundo que buscam aperfeiçar seus serviços

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de setembro de 2014, 5h06

Spacca
Na cidade de Sydney, Austrália, de 24 a 26 deste mês de setembro, ocorreu a 7ª Conferência da “International Association for Court Adminisration – IACA”, com a presença de cerca de 200 pessoas de 22 diferentes países, todos envolvidos no propósito de aprimorar os serviços de seus órgãos judiciários.

A IACA é uma associação internacional, com sede em St. Louis, nos Estados Unidos, e com vice-presidências regionais em todos os continentes. Seus fundadores trouxeram a experiência obtida em seus tribunais e no “National Center for State Courts – NCSC”, com sede em Williamsburg, órgão de estudos de aprimoramento da Justiça dos 50 estados que compõem a Federação norte-americana. Congressos, revista eletrônica, novidades ao redor do mundo, networking entre pessoas de países tão diferentes como o Lesoto e o Canadá são as vias da IACA para que a Justiça seja cada vez mais acessível e eficiente em todo o mundo.

O congresso abriu oportunidade para interessados apresentarem trabalhos e, se aprovados, defenderem-nos. O Brasil teve dois palestrantes: Luciano Athayde Chaves, juiz do Trabalho (RN), e a servidora do TRF-4 Ivete Rossoni. Na ocasião, fui aclamado como “President Elect”, devendo nos próximos dois anos trabalhar com a presidente Cathy Huser (Canadá), envolvendo-me na administração e, nos dois anos seguintes (2016-2018), assumir a presidência da entidade.

O congresso permitiu ver que o Poder Judiciário é cada vez mais provocado no mundo inteiro, o que está obrigando-o a reformular-se. O exemplo típico é o dos negócios. Empresas multinacionais, ao escolher um país para investir, colocam entre as suas preocupações a existência de um sistema de Justiça eficiente e confiável.

Consequentemente, a maioria absoluta dos países vem se adaptando aos novos tempos, adotando técnicas modernas e muita tecnologia. Segundo o juiz Wayne Martin, presidente do NCSC, o tema terá cada vez mais uma perspectiva internacional.

Os estudos sobre administração da Justiça tiveram início nos Estados Unidos, nos anos 1950. Markus Zimmer, um dos fundadores do IACA, fez uma retrospectiva histórica da matéria, observando que nos Estados Unidos, o Judiciary Act, de 1789, foi a primeira norma a prever a existência de servidor administrativo (Clerk) no Judiciário e que, em 1939, criou-se uma seção administrativa  na Suprema Corte. Há décadas o NCSC promove estudos para o aprimoramento da Justiça dos 50 estados que compõem a Federação norte-americana. Por sua vez a Justiça Federal vale-se do “Federal Judicial Center – FJC”, para desenvolver técnicas de maior eficiência.

Durante o congresso, exceto nas conferências de abertura e de encerramento, o espaço era dividido em duas salas e os participantes  escolhiam o tema de sua preferência. Em vez de cadeiras enfileiradas, todos ocupavam mesas redondas, dessa forma facilitando a interação entre os presentes.

A tecnologia foi um dos temas mais debatidos, sendo apontada como o grande instrumento de mudança. O processo digital já é realidade na maioria dos países. Uma das empresas que deu apoio ao evento exibia aparelhos que permitiam a filmagem de audiências, com entrega de cópia às partes no ato. Todavia, o uso da tecnologia também  foi atacado, por retirar do juiz o exame mais detido dos casos, além de resultar em crescente perda da privacidade das partes envolvidas. 

A propósito de tecnologia, a palestra feita em parceria pelos juízes neozelandeses Jan-Marie Doogue e Colin Doherty promoveu uma estatística inusitada. Os palestrantes, ao fim, formularam seis perguntas básicas para avaliar como se encontra a administração de Justiça nos países dos participantes. Por exemplo, uma pergunta indagava se no país do assistente o planejamento estratégico era colocado de forma transparente no site do tribunal e se era possível constatar se era cumprido. Cada pergunta era exibida na tela, seguida por cinco opções de resposta. Os participantes tinham 10 segundos para responder, clicando em uma pequena calculadora que se achava à sua frente. Imediatamente a estatística geral era exibida na tela, dando o percentual de todos os países presentes sobre  cada item.

Os painéis abordaram temas variados. Um deles tratou da violência doméstica. A palestra da juíza Honora Rudimch, da Court of Common Pleas, da pequena República de Palau, mostrou que os problemas daquele país asiático são os mesmos do Brasil. As mulheres continuam a sofrer agressões. As tentativas de soluções são semelhantes, como, por exemplo, a criação de Juizados ou Delegacias da Mulher. O lado bom é que, segundo a juíza Nerrie Eliakim, de Papua Nova Guiné, as estatísticas mostram que as vítimas vêm procurando mais a proteção do Estado. No entanto, cá como lá, enquanto as mulheres dependerem financeiramente de seus companheiros, a violência doméstica continuará, porque elas temem o abandono.

Na área do Direito de Família a Austrália adota posição incomum. Segundo a Ministra Diana Bryant, presidente da Corte de Família da Austrália, a competência é da Justiça Federal, para que o tema tenha tratamento uniforme em todo o país.

Especial atenção despertou a palestra simultânea dos administradores judiciais Janet Cornell e Peter Kiefer, sobre “Perspectiva das Cortes em 2025”. A começar pelo estilo dos expositores, totalmente diferente do tradicional fala/escuta. Eles se alternavam e expunham, andando no meio da assistência. Distribuíram previamente algumas perguntas a pessoas escolhidas, sentadas em diferentes lugares da sala. A interação estimulou outras pessoas a manifestar-se e a participação passou a ser quase absoluta. Assim foram desenvolvidos temas como o domínio da tecnologia, o papel dos juízes no futuro, quais matérias atrairiam a maioria das ações judiciais, qual o papel da mídia daqui a 10 anos, quais os valores dos líderes da área judiciária.

No painel sobre a eficiência do Judiciário no mundo globalizado, Reem Al Shihhe, diretora de Recursos Humanos da DIFC, que é o Tribunal Comercial de Dubai, expôs sobre os modernos instrumentos tecnológicos da corte e as permanentes pesquisas feitas para avaliar a satisfação do público. Instalado no centro comercial de Dubai, referido tribunal adota o sistema da “Common Law” e a maioria de seus juízes é de outros países, tudo para dar aos investidores confiança na instituição e facilitar os negócios internacionais.

Na outra ponta, o painel “Acesso à Justiça por grupos vulneráveis”, com expositores da Indonésia, procurou avaliar as dificuldades do uso do sistema judicial pelos menos favorecidos. 

O professor Philip Langbroek, que ensina Administração da Justiça na Universidade de Utrecht, Holanda, chamou a atenção para a importância das pesquisas, dando como exemplo a que discutiu o tema “A percepção do Poder Judiciário pelos juízes e pela sociedade”. O professor argentino Luis Maria Palma apontou a necessidade da administração da Justiça na América Latina adotar métodos mais modernos.

Ao fim e ao cabo, constatou-se no Congresso de Sydney a existência de uma preocupação internacional com a imparcialidade e eficiência da Justiça, impondo-se sua adaptação ao mundo contemporâneo. Para que isso se torne realidade, é preciso mais profissionalismo e planejamento, com pessoas especializadas em áreas interdisciplinares e não somente no Direito, como é comum nos tribunais do Brasil.

Viu-se, também, que há um ponto sensível e de limites ainda pouco definidos entre as atribuições do juiz e do administrador judicial. Na verdade, ao primeiro (presidente de tribunal) devem corresponder as tarefas de condução da política judiciária, os temas prioritários, as metas a serem atingidas. Ao segundo (administrador judicial), a gestão administrativa, a execução dos objetivos.

Resumindo todo o exposto, é possível concluir que o mais importante de tudo é que o acesso e a eficiência da Justiça sejam estudados e tratados com profissionalismo, a fim de que  as metas traçadas em planos estratégicos tornem-se realidade.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

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