Votação definitiva

Novo CPC deve ser mais um passo rumo à efetividade do processo

Autor

  • Marina França Santos

    é procuradora do município de Belo Horizonte diretora-secretária da Escola Superior APROM-BH (Associação dos Procuradores Municipais de Belo Horizonte) professora de Direito Constitucional e Processo Civil.

28 de setembro de 2014, 8h05

Após quase cinco anos de discussões no Congresso Nacional, o novo Código de Processo Civil terá sua votação definitiva pelo Senado Federal que irá substituir o diploma legal vigente, editado pela ditadura militar há quatro décadas. A nova legislação altera inúmeros institutos e regras, com mudanças que tiveram por objetivo a harmonização do texto legal com a Constituição da República, a adequação dos processos à realidade fática subjacente à causa, a simplificação e a eficiência dos procedimentos, além da maior organicidade e coesão do sistema processual.

O novo paradigma legal inclui o aperfeiçoamento do texto normativo e de procedimentos atualmente vigentes, apresenta alterações em institutos conhecidos, como as tutelas de urgência e os recursos ordinários e extraordinários, bem como promove a apresentação de novidades, como a cláusula aberta de negócio processual, a contagem de prazos em dias úteis, a utilização do sistema de precedentes, a maior interface do processo com outros métodos de solução de controvérsia (mediação, conciliação e arbitragem), entre outras novidades.  São mudanças que merecem o estudo detido e o empenho de todos para se concretizar, na melhor medida possível, a almejada efetividade do processo civil brasileiro.

A noção de efetividade do processo, embora abrangente e dotada de “dose inevitável de fluidez, conforme alerta Barbosa Moreira[1] pode ser compreendida como uma série de exigências que convergem, em síntese, para a concretização de um processo adaptável ao caso concreto, aproximado da verdade dos fatos, breve e voltado à realização da tutela jurisdicional requerida.

Nesse contexto, um processo efetivo deve garantir, necessária e primordialmente, a observância de três fatores fundamentais: o tempo razoável, o contraditório e a realização do direito (“o processo deve dar o quanto é possível praticamente a quem tem um direito tudo aquilo e propriamente aquilo que ele tem direito de conseguir”)[2].

O projeto de Novo Código de Processo Civil reconhece essa realidade ao reforçar, em seu texto, o direito de todos os sujeitos de obterem “em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”[3]. Para tanto, obriga à observância de uma ordem cronológica de julgamento[4], estimula o julgamento conjunto de ações repetitivas[5], amplia as hipóteses de concessão liminar de tutelas de evidência[6], entre outras propostas que convergem para a concretização de um processo efetivo ao reduzir o tempo de julgamento dos processos e de concretização da tutela jurisdicional.

Um processo efetivo depende, igualmente, de uma postura ativa do juiz na condução de seu andamento. Um juiz que, além de guardião do direito material, preocupa-se em ser também guardião do procedimento, atento à simplificação das formas e à clareza de suas determinações, evitando, assim, idas e vindas desnecessárias dos autos à secretária e às partes, e até mesmo recursos impertinentes.

O Novo Código de Processo Civil confere a esse juiz o poder (e a responsabilidade) de flexibilizar o procedimento, passando a lhe ser possível dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, sempre que necessário às necessidades do conflito[7]. A novidade propulsiona o alcance da efetividade à tutela do direito por meio da concretização do princípio da adequação, que impõe ao processo a sua compatibilidade com os direitos por ele tutelados, os sujeitos envolvidos e os seus fins.

Outra questão central para a realização da justiça, o contraditório, definido por Aroldo Plínio Gonçalves como a “participação dos destinatários da sentença em sua própria formação”[8], também foi reforçada neste novo momento, com a positivação do que já se sabe — mas que na prática nem sempre se verifica: a participação no processo decisório não é concebida como mero direito de afirmar um direito material em juízo, mas, sim, traz consigo o direito das partes de influírem, substancialmente, sobre o convencimento do juiz.

A efetividade, por estar diretamente vinculada à adequação do provimento, depende, para seu alcance, da garantia de igualdade de oportunidades na apresentação das versões dos fatos, isto é, da abertura para que os sujeitos do processo realizem o contraditório tornando-o (o processo) permeável aos fatos da vida e às suas contingências.

Efetivo será o processo que parta dos dados da realidade e, ao retornar a ela, conduza os litigantes ao direito material necessário ao restabelecimento da paz social. Por conseguinte, faz-se indispensável que o processo seja capaz de refletir, de forma fidedigna, os reais anseios e os legítimos interesses colocados em jogo na vida. Aí residem seus imperativos máximos e irrecusáveis.

Nesse contexto, imprescindível a garantia de uma informação acessível, já que somente a partir dela será possível o adequado exercício de qualquer defesa ou manifestação. O juiz tem o dever de informar e de garantir que a informação seja dada, para que a parte, querendo, possa intervir[9]. É o que explicitarão os artigos 9º e 10º do NCPC[10].

O dever de informar também está expresso no artigo 499 do NCPC, que cuida da impossibilidade de o juiz limitar-se, ao fundamentar a sua decisão, à mera indicação de dispositivos normativos sem explicitar sua relação com a questão decidida; ao emprego de conceitos jurídicos indeterminados sem justificar o motivo concreto de sua incidência no caso; à utilização de motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; à invocação ou afastamento de precedente ou enunciado de súmula sem identificação de seus fundamentos determinantes ou demonstração da existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. A efetividade processual impõe, por fim, o enfrentamento de todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, isto é, impõe que se explicite a plenitude do exercício do contraditório[11].

O que deve ficar assentado, portanto, é que o direito fundamental à efetividade do processo compreende não apenas o direito de provocar a atuação do Estado e dele receber o provimento, mas, principalmente, o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa.

É essa a expectativa criada pelo Novo Código, de que se aperfeiçoe o manejo consciente deste instrumento privilegiado capaz de aproximar ou distanciar indivíduos, democratizar ou tornar inacessível a construção do direito pelos seus destinatários.

Referências
CHIOVENDA, Giuseppe. Sagli di Diritto Processuale Civile. Roma: Foro Italiano, 1930, vol. I, p. 110
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2001.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997.

[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. Temas de direito processual. Sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p.17
[2] CHIOVENDA, Giuseppe. Sagli di Diritto Processuale Civile. Roma: Foro Italiano, 1930, vol. I, p. 110.
[3] Art. 4º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (Redação Final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-B de 2010 do Senado Federal).
[4] Art. 12. Os órgãos jurisdicionais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. (Redação Final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-B de 2010 do Senado Federal).
[5] Art. 988. É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito.
[6] Art. 306. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo da demora da prestação da tutela jurisdicional, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa (Redação Final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-B de 2010 do Senado Federal).
[7] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…) VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito. (Redação Final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-B de 2010 do Senado Federal).
[8] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2001, p.174.
[9] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2001, p. 126.
[10] Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida.
Art. 10. Em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício. (Redação Final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-B de 2010 do Senado Federal).
[11] Art. 499. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Redação Final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 8.046-B de 2010 do Senado Federal).

Autores

  • é procuradora do município de Belo Horizonte, diretora-secretária da Escola Superior APROM-BH (Associação dos Procuradores Municipais de Belo Horizonte), professora de Direito Constitucional e Processo Civil.

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