Jurisprudência Fiscal

Carf, a requalificação de negócios e outras questões fiscais

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

25 de setembro de 2014, 8h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]Tem sido comum nos últimos tempos o fisco federal apontar indícios de irregularidades em operações de contribuintes para justificar a descaracterização de contratos, documentos etc. Mas já se encontram no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decisões com uma posição intermediária, segundo a qual os contratos e operações podem ser requalificados, mas para tanto deve o fisco provar a existência de uma ilicitude, como simulação, fraude etc.

Serve de exemplo o caso abaixo, em que discutida a autuação de um contribuinte pessoa física que, para justificar sua movimentação bancária, declarou que fazia a intermediação financeira entre produtores rurais e frigorífico, comprovando com notas fiscais desses terceiros. Frente à situação, o fisco equiparou o contribuinte a uma pessoa jurídica que exploraria informalmente a atividade de compra e venda, o que gerou a tributação decorrente de uma PJ. Todavia, Turma do Carf cancelou a autuação porque, se a fiscalização não provou que as notas fiscais eram inidôneas, então a receita pertence só aos terceiros; assim ementado:

Acórdão 1803-002.311 (publicado em 10.09.2014)
OMISSÃO DE RECEITAS. COMPRA E VENDA DE PRODUTOS RURAIS. NOTAS FISCAIS DE TERCEIROS. DESCABIMENTO.

Para se afirmar que se trata de omissão de receita, decorrente da compra e da venda de produtos rurais, ou seja, comercialização de suínos, não poderia a fiscalização fazer uso de notas fiscais de terceiros emitidas para terceiros (do frigorífico para os produtores rurais), a não ser que provasse a conduta dolosa do sujeito passivo de fazer uso indevido do nome destes (produtores rurais), ou que estes seriam “fantasmas” ou “laranjas”, o que não ficou provado nos autos, nem mesmo insinuado.


Lançamento modelar
Ante a gravidade de um lançamento tributário, com implicações constitucionais no devido processo legal, alguns Acórdãos do Carf servem de modelo doutrinário quando elencam as exigências a serem cumpridas no procedimento; o que não ocorreu no caso julgado abaixo, em que aos tropeços da autuação seguiram-se inovações da DRJ, o que levou a Turma do Carf a cancelar a autuação com considerações impregnadas de noções conceituais; assim ementado:

Acórdão 2803-003.566 (publicado em 15.09.2014)
INOBSERVÂNCIA DA REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NOVO LANÇAMENTO. NULIDADE.

Não há regularidade na exigência tributária sobre a qual a regra matriz de incidência não tenha sido aplicada em sua inteireza. Ou seja, para que o lançamento seja tido como regular, portanto sem vícios, deverá ele está em conformação com a norma jurídica tributária, a qual traz necessariamente o sentido deôntico completo, de sorte que ali contém uma previsão e prescrição da relação jurídica, consistente na obrigação de pagar o tributo.

O procedimento fiscal não pode ser transformado em um cenário Kafkiano, no qual o agente é processado e condenado sem saber o motivo. A mera intimação do contribuinte, certamente, não pode ser considerada como exercício do contraditório, pois ele deve saber, em termos claros, o motivo da autuação, para que possa exercer o seu direito de defesa.

A autoridade julgadora de primeira instância não pode efetuar novo lançamento, pois consistiria em usurpação de competência, o que, no direito administrativo levaria à nulidade do ato, por incompetência do agente. Destarte, considera-se nulo o ato derivado de autoridade incompetente, porquanto a capacidade para realização é a condição primeira de validade do ato administrativo, vinculado ou discricionário.

Recurso Voluntário Provido.


Critérios para creditamento
O Carf vem criando uma doutrina do creditamento de PIS/COFINS, tendo que se debruçar caso a caso, ante os conceitos abertos da legislação. Foi o que ocorreu no processo abaixo, no qual foram elencados pressupostos para um insumo gerar creditamento, o que pode ser aferível em outras situações; assim ementado:

Acórdão 3302-002.683 (publicado em 16.09.2014)
INCIDÊNCIA NÃOCUMULATIVA. BASE DE CÁLCULO. CRÉDITOS. INSUMOS. CONCEITO.

O conceito de insumo passível de crédito no sistema não cumulativo não é equiparável a nenhum outro conceito, trata-se de definição própria. Para gerar crédito de PIS e COFINS não cumulativo o insumo deve: ser UTILIZADO direta ou indiretamente pelo contribuinte na sua atividade (produção ou prestação de serviços); ser INDISPENSÁVEL para a formação daquele produto/serviço final; e estar RELACIONADO ao objeto social do contribuinte.


Revisão judicial
Os autos de infração da esfera federal são confirmados, ou não, pelo Carf, que é o órgão colegiado incumbido legalmente de apreciar os recursos dos contribuintes. Quando o Carf afasta uma autuação, a previsão legal é que essa decisão resta definitiva (artigo 42 do Decreto 70.235/72). Porém, às vezes a decisão do CARF, mesmo favorável a um contribuinte, é questionada judicialmente via ação popular, o que é um tema polêmico entre os tributaristas.

Foi o que aconteceu com o caso abaixo, em que prolatada sentença anulando julgamento do Carf que reconheceu a isenção de uma fundação de ensino. No caso, o Carf se baseou em documento novo, qual seja, uma decisão do Ministro da Justiça decretando a nulidade de anteriores Portarias ministeriais que retiravam o status de utilidade pública da fundação. Afastado o óbice, a Turma do Carf julgou superado o obstáculo para haver a isenção. Todavia, a sentença considerou, entre outros elementos, que o Ministério de Justiça não poderia mais rever ato anterior, e anulou a revisão ministerial e consequentemente a decisão do Carf; assim fundamentada:

Ação Popular 0004840-32.2010.4.02.5102 (publicada em 24.09.2014)       
“X”, pessoa física qualificada e representada nos autos, cidadão brasileiro em dia com suas obrigações eleitorais, ajuíza ação popular, com pedido de antecipação de tutela, em face da FUNDAÇÃO “Y” e da UNIÃO FEDERAL (…) pretendendo a anulação da decisão do Ministério da Justiça (Despacho nº 392/2007) que declarou a nulidade das Portarias SNDJ nºs 37/92 e 39/93, que negaram o Título de Utilidade Pública Federal (TUPF) à primeira ré. Consequentemente, em razão da repristinação das aludidas portarias, o autor pede a nulidade do Acórdão nº 2401-00.674 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), o qual restaurara a condição de entidade beneficente de assistência social da primeira ré e, com isso, sua imunidade tributária. (…)

Dada nova vista ao MPF (fl. 653), este opinou pelo reconhecimento da procedência do pedido, uma vez que somente após a publicação da Portaria MJ nº 1.090, de 07.12.2000, é que a “Y” passou a fazer jus à imunidade tributária da cota patronal. Vislumbrou dano passível de correção através de ação popular, pois “anular os créditos tributários em questão, relativos a fatos geradores anteriores a agosto/2000, é causar dano patrimonial enorme ao erário, pois, apesar de devidos, as contribuições em questão estão alcançadas pela decadência. Vale dizer, uma vez anulados, não há como refazer os lançamentos” (…).

Com efeito, as Portarias SNDJ nº 37/92 e 39/93 não “cassaram” o TUPF da “Y”, pois a entidade nunca antes o possuíra. O que fez as portarias foi indeferir e manter o indeferimento do requerimento de TUPF. Somente em 2000 foi conferido o primeiro TUPF à “Y”, pela Portaria nº 1.090/00.

Muito embora a revogação do indeferimento não seja suficiente para que se equivalha ao deferimento do TUPF, certo é que o Ministro da Fazenda não poderia ter revolvido a coisa julgada material que se formara após o quinquênio posterior à edição das Portarias 37/92 e 39/93. (…)

ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido para ANULAR o Despacho nº 392/07 do Ministro da Justiça (que anulara as Portarias SNDJ nºs 37/92 e 39/93), bem como ANULAR Acórdão nº 2401-00.674 do CARF, 2ª Seção de Julgamento, 4ª Câmara/1ª Turma Ordinária, de 25.09.2009, RESTABELECENDO a validade e eficácia jurídica do Ato Cancelatório nº 8/98 do fisco (…), que revogou a isenção da cota patronal da “Y”, a partir de 1º.11.1993.


Decisões variadas
No Acórdão 1301-001.637 (publicado em 18 de setembro de 2014), Turma do Carf manteve glosa de dedução de ágio adquirido em operação societária porque, em que pese ter sido negócio entre partes independentes, o laudo foi confeccionado após o registro da operação; assim ementado: “a demonstração do fundamento econômico da mais valia paga deve ser contemporânea ao reconhecimento do ágio na escrita contábil do contribuinte. Embora a legislação não estabeleça a forma dessa demonstração, o corolário é que esta deva existir ao menos na data do registro da aquisição da participação societária, com vistas ao seu desdobramento contábil. Trata-se de requisito legal indispensável, à cargo do sujeito passivo para fruição do benefício fiscal estabelecido”.

No Acórdão 1302-001.421 (publicado em 9 de setembro de 2014), Turma do Carf reitera posição firme da jurisprudência, e que serve de alerta para que cada contribuinte faça sua defesa de forma independente da pessoa jurídica; assim ementado: “a pessoa jurídica, apontada no lançamento na qualidade de contribuinte, não possui interesse de agir nem legitimidade de parte para questionar a responsabilidade tributária solidária atribuída pelo Fisco a pessoas físicas, as quais não interpuseram recurso voluntário. (…) E, por não ter direitos ou interesses passíveis de serem afetados pela decisão a ser adotada quanto a esse ponto, não se qualifica como parte legítima, não podendo pleitear direito alheio em nome próprio. Não se há, portanto, de conhecer desse pedido”.

No Acórdão 3401-002.709 (publicado em 10 de setembro de 2014), Turma do Carf manteve autuação de PIS sobre redução de débito em moeda estrangeira de uma empresa, em função da oscilação do real, não aceitando o argumento de que a variação cambial passiva é despesa e não receita; assim ementado: “os registros contábeis credores lançados nas contas que abrigam direitos de crédito e obrigações do contribuinte sujeitos às variações monetárias em função da taxa de câmbio aplicáveis por disposição legal ou contratual serão consideradas receitas financeiras, para efeitos da legislação atinente à contribuição para o PIS/PASEP e a COFINS, ainda que tais lançamentos se verifiquem em rubricas contábeis de natureza passiva, ex vi do art. 9º da Lei nº 9.718/98”.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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