Garantias explícitas

"Em relação a prerrogativas, advocacia brasileira está entre melhores do mundo"

Autor

22 de novembro de 2015, 7h33

Spacca
O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, é um homem calmo até quando rebate críticas. Mas a aceleração em sua fala normalmente pausada e um leve sorriso denunciam que alguns ataques recentes a ele e à entidade que comanda — como os do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes — o tiraram do sério.

A OAB — que fez 85 anos nesta semana — vem sofrendo investidas públicas com frequência. As de Cunha e Mendes foram as que ganharam mais destaque nos últimos tempos. Ambas motivadas pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, na qual a Ordem pediu a proibição do financiamento empresarial de campanhas eleitorais — algo que, posteriormente, foi acatado pelo STF, para desgosto do deputado e do ministro.

O peemedebista questionou a credibilidade da instituição e uma pesquisa por ela encomendada ao Datafolha que apontou que 79% da população achava que as doações eleitorais estimulam a corrupção: “A Ordem dos Advogados do Brasil é um cartel eleito por eleição indireta, que movimenta bilhões sem fiscalização”, vociferou Cunha. Além disso, o parlamentar já declarou que o Exame de Ordem é “um roubo” e tentou acabar com a prova.

Ao julgar a ADI 4.650, Mendes acusou a OAB de ter sido manipulada pelo PT para defender a proibição do financiamento empresarial de campanhas. Segundo ele, a entidade “se sai muito mal nesse papel [de defender os interesses do PT]”, e perdeu a relevância que tinha na época dos presidentes Raymundo Faoro e Caio Mário da Silva Pereira.  

Furtado Coêlho se recusou a entrar nesses confrontos públicos. A razão disso, conforme contou à revista Consultor Jurídico em entrevista, é que a “personalização” do debate não convém a um homem público, e não é uma forma democrática de luta política.

Mas mesmo aqueles que a OAB representa vêm expondo seu descontentamento com a instituição. Para alguns deles, a Ordem não tem sido firme ao condenar violações a prerrogativas da profissão, algo evidenciado em duas recentes medidas que visam esclarecer a origem de honorários: na convocação de Beatriz Catta Preta, que defendia acusados na operação “lava jato”, para depor na CPI da Petrobras, e na decisão do ministro Teori Zavascki que autorizou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de dois escritórios de advocacia.

O presidente da OAB se defendeu dessas críticas apontando que elas se devem à falta de informação. E ele logo elencou as razões que tornariam tais argumentos sem fundamento: No caso de Beatriz, a Ordem obteve decisão do STF que dispensou a advogada de comparecer à audiência no Congresso, disse. Já no da quebra de sigilo, a entidade ingressou no processo, e foi elogiada pelos donos dos escritórios atingidos pela decisão de Zavascki.

E a defesa das prerrogativas dos advogados, garante o presidente da OAB, foi uma das marcas de sua gestão – que termina em 31 de janeiro de 2016. Outros destaques do mandato listados por ele foram a criação do novo Código de Ética da categoria, a possibilidade de escritórios aderirem ao Simples e a inclusão de dispositivos favoráveis à classe no Novo Código de Processo Civil, como o que atribui natureza alimentar aos honorários e o que determina que os prazos processuais só sejam contados em dias úteis.

Apesar de considerar seu período no comando da OAB um sucesso e garantir que não há nada que faria diferente se voltasse no tempo, Furtado Coêlho deixou claro que seguirá a tradição do Conselho Federal e não concorrerá à reeleição do cargo.

Assim, ele declarou à ConJur que, a partir de fevereiro do ano que vem, voltará a direcionar suas energias para a sua banca, em Brasília, e para o magistério. “Deste modo, irei fazer o que eu mais gosto, que é cuidar da advocacia e da reflexão sobre a ciência jurídica.”

Leia a entrevista:

ConJur – A OAB tem sido atacada publicamente com frequência nos últimos tempos. Entre os ataques estão o do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que disse que a entidade é um “cartel sem credibilidade”, e o do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que afirmou que a OAB vem deixando ser manipulada pelo PT. Porque esse aumento nessas críticas? O senhor as considera justas?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Contra fatos não há argumentos. E qual fato que trago? Encomendamos uma pesquisa Datafolha, que foi divulgada em julho deste ano, sobre a opinião da sociedade brasileira acerca da atuação da OAB. Pois a pesquisa revelou que os brasileiros têm a OAB hoje como a instituição da sociedade civil de maior credibilidade – mais de 70% dos brasileiros entendem que a OAB é uma instituição de confiança. Somando todas as instituições, a Ordem fica apenas atrás das Forças Armadas, e muito acima dos sindicatos, do Judiciário, do Ministério Público… E com a credibilidade dez vezes maior do que a do Congresso Nacional. E o que mais me deixou feliz é que, na atual gestão, a credibilidade da OAB subiu 10%. Quanto às críticas, eu sempre digo que não é produtivo um debate fulanizado ou personalizado. As duas autoridades mencionadas na pergunta devem ter as suas razões para fazer a crítica que bem entenderem. E entendo que não é papel do presidente da Ordem trocar farpas públicas com estas personalidades, porque qualquer autoridade deve ter educação, postura republicana, respeito às instituições, então vou me portar deste modo. Se outras autoridades pensam e se portam diferentemente neste quadro, cabe à sociedade brasileira julgar qual é a posição mais adequada para um homem público – se uma postura concentrada no debate de ideias, ou uma postura que fulaniza, que personaliza, o debate.

ConJur – Como o senhor vê as críticas?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Eu prefiro dizer que as ideias devem brigar, e não as pessoas. Divergências de ideias existem. A OAB defendeu o fim do financiamento empresarial a candidatos de partidos políticos. A maioria do Supremo Tribunal Federal concordou com essa tese. O ministro Gilmar Mendes discordou dessa decisão e ele tem completo direto de discordar da tese. Eu jamais ficaria me sentido contrariado porque o ministro discordou da tese. Isso é próprio da democracia, da pluralidade. Da mesma forma, o presidente da Câmara não concordou com essa tese da OAB. Agora, a Ordem tem essa posição, e a maioria do STF e da sociedade tem a mesma visão. Por sinal, nessa mesma pesquisa Datafolha referida há pouco, quase 80% da população brasileira disse ser a favor do fim do investimento de empresas em candidatos e partidos. A Ordem atuou na causa entendendo que é inconstitucional uma empresa definir quem são os eleitos porque se o Brasil acabou com o voto censitário ou o voto de acordo com a renda no início da República, agora temos que acabar com a campanha censitária,ou com o eleito censitário, pois só é eleito no Brasil quem consegue milhões de reais em financiamento de campanha. Isso porque a Ordem entende que esse é um dos grandes causadores das corrupções eleitoral e administrativa no nosso país. Se é uma das causas de corrupção, nós temos que fazer algo. E uma dessas medidas é acabar com essas campanhas milionárias, hollywoodianas, que temos no Brasil. Nada justifica um marqueteiro receber 70 milhões de reais para trabalhar alguns meses numa campanha eleitoral. 

ConJur – Mas também há diversas críticas vindas de advogados. Segundo eles, a OAB está acovardada e deixando de fazer frente às críticas à entidade e violações às prerrogativas de advogados. O que o senhor pensa dessas críticas vindas de advogados?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Eu ouço as críticas. É um direito constitucional de todos de falarem o que bem entendem. Mas devo registrar que por onde eu tenho andado no Brasil, os advogados têm me abraçado e me aplaudido pelas iniciativas da Ordem nessa gestão no sentido de valorizar o advogado. Por exemplo, criamos no início dessa gestão da OAB a procuradoria nacional de defesa das prerrogativas dos advogados, que atendeu em menos de três anos mais de 18 mil casos de violações. Estamos no Congresso Nacional envidando esforços para aprovar projetos de lei tornam obrigatória a presença do advogado no inquérito e criminalizam a violação de prerrogativas. O que todos da sociedade precisam ter em mente, inclusive um ou outro colega advogado que pense diferente, é que a OAB não pode ser defensora dos clientes dos advogados. A Ordem tem que ser defensora das prerrogativas dos advogados. Então, não possui qualquer pertinência esse tipo de imputação.

ConJur – Uma das principais críticas desses advogados é que a OAB não teria agido com firmeza tanto na convocação da Beatriz Catta Preta para depoimento na CPI da Petrobras como na decisão do ministro Teori Zavascki de quebrar o sigilo de escritórios para apurar origem de honorários. A atuação da OAB foi insuficiente nesses casos?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Em relação à advogada Beatriz Catta Preta, a atuação não só foi incisiva, como foi vitoriosa. A advogada teve um habeas corpus concedido pelo STF transitado em julgado. Ela não teve que ir a CPI. Ao invés de ser um exemplo de crítica à atual gestão da OAB, esse caso deve ser visto como uma boa atuação da Ordem em favor das prerrogativas dos advogados. Fomos ao Supremo, levamos a questão e conseguimos a vitória, protegendo por completo o sigilo dos honorários dela. Esse é um caso de pleno sucesso. Então, a divulgação desse caso é algo que a atual gestão da OAB até agradece aos críticos, porque eles estão fazendo com que seja relembrada uma ação de pleno êxito da defesa das prerrogativas dos advogados. Em relação à outra quebra de sigilo, devo dizer aos colegas que ingressamos nos autos do processo, já estivemos com o ministro relator, já apresentamos as razões da advocacia. Os advogados que tiveram o sigilo quebrado estão muito satisfeitos com a atuação da OAB, me mandaram elogios. A Ordem tem que defender as prerrogativas dos advogados, mas não para fazer showmício ou para expor a imagem dos colegas publicamente. Nós temos que fazer a defesa das prerrogativas para proteger a classe e os colegas que estão tendo as prerrogativas violadas. Eu reputo parte dessa crítica, primeiro por desinformação, certamente, porque dentro de uma atuação com discrição talvez os colegas que fizeram a crítica não tenham essa informação. E talvez também por um conteúdo político eleitoral, estamos em um momento de eleições da OAB em todo o país. Um ou outro comentário desse tipo pode ser movido com aquela paixão dos debates políticos eleitorais. Nós temos trabalhado diuturnamente pela defesa das prerrogativas dos advogados. Se você perguntar aos ministros do STF, aos ministros do Superior Tribunal de Justiça, aos desembargadores, ao Ministério Público Federal, aos delegados de polícia, às associações dos delegados de polícia, qual o diálogo que tenho com eles, vão dizer que é quase um diálogo total.

ConJur – Alguns também te criticam pessoalmente, dizendo que o senhor se preocupou mais em ser nomeado ministro do STF ou do Executivo do que com a advocacia. É uma crítica justa?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Em um ofício que enviei a todos os conselheiros federais da Ordem 12 meses antes da nomeação do ministro Luiz Edson Fachin deixei muito claro que não renunciaria ao cargo de presidente da OAB. Além disso, fiz registrar em ata do Conselho Federal – também antes da indicação do ministro Fachin – que eu não renunciaria à presidência da Ordem. Alguém pode perguntar “e porque você não aceitaria o cargo”? Eu não poderia dizer que não aceitaria um cargo para o qual não fui convidado, isso é, no mínimo, falta de educação, ou falta de diplomacia. O que eu poderia dizer é o que eu disse, que eu não renunciaria o cargo de presidente da Ordem. Isso nunca esteve na minha cogitação pessoal. Agora, não vou dizer para vocês que não é um orgulho para a classe dos advogados ter o presidente da Ordem sendo sugerido para ocupar a vaga de ministro do STF pelo presidente da corte [ministro Ricardo Lewandowski], como foi o caso.Isso é absolutamente honroso para a classe dos advogados, e demonstra que se entende que o Conselho Federal da Ordem possui uma grande representatividade,e uma grande importância. Ocorre que não está no meu projeto pessoal ocupar cargo público algum. Meu objetivo é retornar à minha advocacia e ser advogado, a profissão que eu amei, que eu abracei. As pessoas precisam entender que eu abracei com a maior honra deste país ocupar a cadeira que já foi de Miguel Seabra Fagundes, Eduardo Seabra Fagundes, Márcio Thomaz Bastos, Caio Mário da Silva Pereira, Raymundo Faoro, para ficar apenas nos presidentes que não estão mais vivos. Para mim, não há honra maior do que esta. Não tenho mais um outro desejo pessoal do ponto de vista de representação pública. Não vou me filiar a partido político, não sou candidato a deputado, senador ou a governador, não sou candidato a absolutamente nada. Eu tenho até esse compromisso comigo mesmo e com a minha família, de após a presidência da Ordem, cuidar do meu escritório de advocacia, dos meus clientes e da minha família, além de ser membro honorário e vitalício da OAB nacional com a função de, sempre que convocado pelo presidente de então, prestar o auxílio, participar da gestão na medida que ele necessitar. Quero ser advogado, o que, para mim, é o maior título. Cada ser humano tem seu desejo, sua paixão, sua vocação. A minha é ser advogado. O que eu mais gosto de fazer, o que eu mais amo fazer na vida pública é advogar, interpretar o Direito, analisar a ciência jurídica, proferir palestras, dar aulas. Eu recebo essas críticas com o respeito de que todos têm que ter as suas opiniões, mas eu durmo com a consciência tranquila de que não sou nem nunca fui candidato a cargo nenhum.

ConJur – Como o senhor avalia a sua gestão na OAB? Do que mais se orgulha e do que se arrepende de não ter conseguido realizar?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Nós nos ocupamos de duas missões da Ordem. A primeira é defesa da valorização do advogado, com o lema “advogado valorizado, cidadão respeitado”, que segue aquela lógica de que, se de um lado você tem o Estado-acusador, Estado-fiscalizador, Estado-cobrador-de-impostos, Estado-juiz, de outro lado você tem o cidadão, a pessoa física e a pessoa jurídica, e, em seu favor, o advogado. Diminuir a importância do advogado é diminuir a importância do cidadão. Por isso, uma das mais belas normas do Direito Brasileiro é o artigo 6º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que diz que o Estado não é superior ao cidadão. Então, para fazer jus a isto, criamos a Procuradoria Nacional de Prerrogativas, a ouvidoria dos honorários advocatícios, atuando como assistentes dos advogados para os casos de aviltamento de honorários. Aprovamos o novo Código de Processo Civil, que estabelece que os honorários pertencem ao advogado, que possuem natureza alimentar, que o advogado recebe os honorários proporcionais à parte que ele vence na demanda, não podendo haver a compensação de vencido com o vencedor para fim de honorários, dizendo também que o advogado pode receber tanto pela pessoa física quanto pela pessoa jurídica.

O novo código também impede que os honorários sejam fixados em valores irrisórios, como acontece hoje, garante o tratamento igualitário do advogado da Fazenda Pública e do particular em termos de honorários, e determina que os prazos só corram em dias úteis. Além disso, obtivemos a Súmula Vinculante 47 do STF, que diz que os honorários têm natureza alimentar e que o advogado pode recebe-los em separado. Aprovamos nessa gestão a lei que inclui os advogados no Super Simples. O que isso significa: que os advogados brasileiros, que recebem até um determinado patamar [R$ 180 mil por ano], o que significa 80% da categoria, vão pagar apenas 4,5% de tributos. É a menor carga tributária de todo o mundo. Além disso, tivemos a aprovação do novo Código de Ética da advocacia, que atende a necessidades dos nossos tempos. E também a defesa da qualidade do ensino jurídico. O convênio da OAB com o MEC firmado início da nossa gestão parou com o balcão de criação de cursos de direito, e batalhamos pelo fechamento de cursos sem qualidade. Ainda, fizemos a defesa do Exame de Ordem, para que seja rigoroso no sentido de exigir o mínimo de conhecimento jurídico para aquele que defenda o cidadão possa fazê-lo de modo a não gerar prejuízos irreparáveis a ele. 

Quanto à segunda missão da OAB, que é a de ser porta-voz constitucional do cidadão brasileiro, em primeiro lugar, tivemos a declaração de inconstitucionalidade da “PEC do calote dos precatórios” [PEC 74/2015]. E essa vitória é importante porque o Congresso Nacional tinha aprovado uma PEC parcelando em cinco anos os precatórios. Depois, aprovou outra PEC parcelando em dez anos. Veio uma terceira PEC parcelando em 15 anos. A tendência estava sendo o Congresso, a cada arrocho dos municípios e estados, parcelar em prazo maior o pagamento dos precatórios. Então, a decisão do STF foi uma vitória preventiva. O Congresso não pode mais aprovar parcelamentos de 20 anos, que teria sido a tendência. Sem falar na prioridade que os idosos passaram a ter no recebimento e no fato de as dívidas de precatórios passarem a ser corrigidas pela inflação, e não mais pela Taxa Referencial. A segunda vitória foi a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Após as manifestações de junho de 2013, nós vimos na OAB a necessidade de dar vazão institucional às reivindicações da população. Então fomos ao Congresso e exigimos a promulgação da Lei Anticorrupção, tanto que a OAB é mencionada nos discursos dos senadores quando aprovaram a norma. Depois, o fim do voto secreto para cassação de deputado e senador, que, também foi uma luta da Ordem. Logo após, o fim do financiamento empresarial de partidos e candidatos em uma ação movida pela OAB. Houve diversas vitórias em favor da cidadania tributária, como a possibilidade de impetrar habeas data para a revelação de informações do contribuintes. Recentemente, o fim das doações ocultas eleitorais, conseguido no STF. E veja que os ministros [Edson] Fachin, [Dias] Toffoli e [Ricardo] Lewandowski fizeram questão de, em seus votos, elogiar o protagonismo da OAB. Fomos ao Supremo defender o direito ao sigilo da fonte do jornalista e o direito dos biógrafos escreverem obras sem a autorização dos biografados. Todas essas são medidas que a OAB move em favor da sociedade, e isso explica a credibilidade que nós temos. Talvez essa minha metodologia de gerir a OAB, sem crítica a quem quer que seja, é que talvez tenha é chamado a atenção da diferença. Mas eu me recuso a ser um comentarista de casos, porque isso viola o Código de Ética da advocacia. Além disso, não poderia ficar dando palpites sobre casos cujos autos eu não li.

ConJur – Mas tem alguma coisa que o senhor se arrepende de não ter conseguido fazer?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
 Todas as lutas foram travadas tendo em vista o cumprimento da Constituição da República, o respeito ao Estatuto da Advocacia, de tal modo que se pudesse realizar uma nova gestão, a realizaria tal qual esta.

ConJur – Como o senhor avalia o estado da advocacia no Brasil hoje?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
A advocacia brasileira está, do ponto de vista das prerrogativas, por incrível que pareça, entre as melhores do mundo, embora muitos pensem de forma contrária. Por exemplo, a norma que torna inviolável o escritório de advocacia, que diz que o juiz não pode determinar busca e apreensão em escritório de advocacia, só pode determinar se o advogado for investigado, existe praticamente só no Brasil. Mas do ponto de vista do mercado, nós temos uma dificuldade principalmente em termos de aviltamento dos honorários contratuais. Advogados, principalmente os jovens, são contratados a valores ínfimos de remuneração, e a OAB tem lutado contra isso. Nós temos agido para que o piso salarial do jovem advogado seja cumprido. Criamos um novo Código de Ética da advocacia com a obrigação do respeito à tabela de honorários das seccionais, para valorizar os jovens advogados, e instituímos um plano nacional de valorização do jovem advogado. Entendemos que esta deve ser uma preocupação central da OAB, mas a Ordem tem 85 anos, e só neste ano foi aprovado o Plano Nacional do Jovem Advogado. Agora, é uma dificuldade muito grande, temos que atuar muito fortemente, dia após dia, para combater os contatos que aviltam os honorários dos advogados. Essa é uma luta constante da Ordem. Eu compreendo que o grande desafio de todos nós é concentrarmos esforços sobre a melhoria das condições dos jovens advogados no Brasil.

ConJur – Nos recentes escândalos de corrupção, como o mensalão e a operação “lava jato”, a imprensa e a população dão muito valor a procuradores, membros da Polícia Federal e juízes, como Joaquim Barbosa e agora Sergio Moro, mas não a advogados. O senhor acha que a advocacia está sendo mal vista pela sociedade? Como o direito de defesa e a importância dele podem ser melhor compreendidos pela sociedade?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que a defesa é tão ou mais importante que a acusação para um processo justo. Ao mesmo tempo em que devemos ter respeito à independência do juízes, do Ministério Público e da polícia, temos que ter respeito também à independência profissional dos advogados, explicando sempre que eles existem para fazer o contraponto, evitar injustiças, impedir abusos. Deste modo, esclarecendo a sociedade haverá melhor compreensão sobre o papel do advogado, que o advogado jamais pode ser confundido com seu cliente, que ele apenas exerce a defesa das prerrogativas legais do seu cliente. Portanto, o advogado não pode ser diminuído ou considerado menos importante do que a acusação ou que os demais atores do processo. Essa é uma luta constante deve ser uma preocupação permanente de todos nós que fazemos parte da OAB.

ConJur – No começo dessa gestão, o senhor afirmou à ConJur que discutiria a questão da eleição direta para o Conselho Federal. Como está essa proposta? O senhor acredita que seria desejável que houvesse eleições diretas para o Conselho Federal?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Discutimos essa matéria, e, como prometi, coloquei em pauta e me posicionei no Plenário do Conselho Federal da OAB a favor da aprovação de plebiscito para as eleições diretas. Mas a maioria dos conselheiros federais da entidade entendeu que não era o momento de fazer esse tipo de inovação no sistema eleitoral da Ordem. Alguns argumentos foram fundamentais para essa decisão da maioria. Primeiro, o valor da campanha. Seria uma campanha com valor elevado, e isso apenas para circular o Brasil inteiro, para mandar correspondências. O segundo aspecto foi o fato de considerar que a atual eleição da OAB não é indireta. Eleição indireta é quando os representantes de um poder elegem o chefe de outro poder. No Brasil, havia eleição indireta quando o Legislativo elegia o chefe do Executivo. A eleição do presidente da OAB é uma eleição congressual, ou seja, o presidente do Conselho Federal é eleito pelos conselheiros federais da OAB, assim como o presidente da Câmara é eleito pelos deputados, assim como presidente do Senado é eleito pelos senadores, assim como o presidente da ONU é eleito pelos presidentes dos países que estão na ONU.

ConJur – E como o senhor vê as eleições do Conselho Federal? Quais serão os maiores desafios para o próximo presidente da OAB?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Uma certeza é que eu não sou candidato a reeleição. Embora o estatuto me permita, vou manter a tradição da OAB de não reeleição do presidente nacional. Desde a década de 50, não houve nenhuma reeleição, e vou manter essa tradição saudável. Agora, falar quem será o candidato à presidente neste momento poderia ser interpretado como uma propaganda fora de época para um candidato A ou um candidato B, e, como presidente da Ordem, tenho o dever e o compromisso de respeitar as regras da instituição e não fazer nenhuma declaração que venha a, de algum modo, interferir no resultado das eleições.

ConJur – Como o senhor enxerga o futuro da OAB?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
A Ordem tem tudo para continuar sendo a instituição mais confiável da sociedade civil brasileira, a voz constitucional do cidadão, e a entidade que luta para a valorização as prerrogativas da classe. Penso que o futuro da Ordem é manter o atual direcionamento de não ser comentaristas de casos, mas protagonistas de causas, de continuar com o equilíbrio de não se deixar ser usado pelos partidos políticos, nem pelo governo, nem pela oposição. A credibilidade da nossa instituição surge deste equilíbrio, desta posição da Ordem sempre em defesa do Estado de Direito. E penso que a Ordem deverá continuar neste caminho, de não ser uma entidade que surfa na palavra oportunista fácil, que não busca a manchete fácil do jornal, mas que visa dar a opinião que seja a opinião juridicamente correta, constitucionalmente adequada. Assim fazendo, a OAB continuará trilhando o caminho de maturidade e credibilidade que ela possui hoje.

ConJur – E o seu futuro? O que o senhor vai fazer depois do dia 31 de janeiro de 2016, quando deixa o comando da OAB?
Marcus Vinicius Furtado Coêlho –
Vou retornar plenamente ao meu escritório de advocacia em Brasília, que já está estabelecido na capital há oito anos. Nestes três últimos anos, tive que me dedicar bem menos ao escritório e ter dedicação quase exclusiva à OAB. A partir de fevereiro do próximo ano, também retorno para as atividades acadêmicas. Gosto de lecionar, dar palestras, estudar o Direito. Pretendo fazer nova pós-graduação em Direito e, deste modo, fazer o que eu mais gosto, que é profissionalmente cuidar da advocacia e da reflexão sobre a ciência jurídica. Esse é o objetivo que eu tracei para mim e para a minha família.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!