Advocacia Pública

Política Nacional de Simetria Remuneratória deve ser adotada

Autor

  • Suzana Gastaldi

    é procuradora federal junto à Procuradoria Federal no Estado do Paraná. Membro da Advocacia-Geral da União. Delegada interina da UNAFE no Paraná. Pós-graduanda em Gestão Pública MBA pela FGV. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

19 de setembro de 2014, 7h38

O presente artigo versa sobre o descompasso remuneratório vivenciado pela magistratura, pelo Ministério Público, pela Advocacia Pública e pela Defensoria Pública, quando em comparação nos níveis estadual, distrital e federal, com sugestão para que se implemente, via emenda à Constituição, norma que reflita o que pode ser designado de Política Nacional de Simetria Remuneratória entre as instituições irmãs destacadas fora do Capítulo destinado à Administração Pública e a seus servidores (artigos 37 a 42), tudo para evitar a discriminação remuneratória entre instituições irmãs consideradas com a mesma importância pelo constituinte originário.

Apesar da intrigante situação remuneratória discriminatória vivenciada atualmente pela magistratura federal frente à magistratura estadual, essa última repleta de verbas indenizatórias não auferidas por aquela inicialmente citada, o enfoque do presente artigo será para a Advocacia Pública, nos níveis destacados pelo texto constitucional (artigos 131 e 132), representada pelas instituições irmãs Procuradorias dos Estados, da Procuradoria do Distrito Federal e Advocacia-Geral da União, de modo a se pugnar pela inequívoca e inegável equidade que deveria existir no plano dos fatos.

Em outras palavras, o enfoque desse artigo, a fim de não se alongar, será para a Advocacia Pública, no âmbito estadual, federal e distrital, níveis que a Constituição Federal destacou, conforme se nota dos seus artigos 131 e 132.

De se registrar que não se intenta por meio deste artigo atacar a remuneração e as vantagens das Procuradorias dos Estados e da Procuradoria do Distrito Federal, e sim defender a Advocacia-Geral da União, instituição destacada pela Constituição Federal (artigo 131; Capítulo das Funções Essenciais à Justiça), que sabidamente por hermenêutica não utiliza palavras vãs, para que seus membros sejam valorizados na devida simetria propugnada pelo constituinte originário.

Objetiva-se demonstrar, em linhas gerais e de fácil compreensão, que a Advocacia Pública, nos âmbitos estadual, distrital e federal, deve guardar simetria remuneratória, seja para respeitar os princípios e os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, seja para não escapar do propugnado e teleológico paralelismo simétrico que decorre da Seção II, Capítulo IV, Título IV, artigos 131 e 132, que trata da Função Essencial à Justiça Advocacia Pública.

O descompasso remuneratório entre PGE´s, PGDF e AGU. A necessidade de reforma da Constituição Federal para instituir a Política Nacional de Simetria Remuneratória na Advocacia Pública
Atualmente, reconhece-se, ao menos no plano normativo, a simetria nacional entre Magistratura e Ministério Público, havendo esse assunto sido objeto, inclusive, de recente decisão do Supremo Tribunal Federal[1], sendo responsabilidade das autoridades buscar instituir, via emenda constitucional, no tocante à Advocacia Pública, norma na Seção II, Capítulo IV, Título IV, da Constituição Federal, que implemente o que pode ser designado de Política Nacional de Simetria Remuneratória na Advocacia Pública.

O Título IV, Capítulo IV, Seção II, da Constituição Federal trata da Função Essencial à Justiça Advocacia Pública, sendo que se deu destaque à Advocacia-Geral da União (Procuradores Federais, Procuradores da Fazenda Nacional, Advogados da União e Procuradores do Banco Central), às Procuradorias dos Estados (Procuradores do Estado) e à Procuradoria Geral do Distrito Federal (Procuradores do Distrito Federal).

Convida-se o leitor a consultar os portais transparência da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados e da Procuradoria Geral do Distrito Federal, no tocante à remuneração dos respectivos advogados públicos. Inúmeras conclusões poderão surgir, entre elas, a que a remuneração dos membros da AGU está muito aquém daquela auferida por seus membros irmãos nos Estados e no Distrito Federal.

Ressalta-se que a consulta acima sugerida deve ser completa, não parar no vencimento básico ou subsídio, devem ser consultadas todas as demais verbas auferidas mensalmente, inclusive honorários de sucumbência, indenização de transporte, etc., além de todas outras verbas que podem ser recebidas de forma eventual, bem como a possibilidade em algumas PGEs, assim como na PGDF, de exercício de advocacia privada[2].

É realidade em muitas procuradorias, ainda, a simetria em subsídio com aquele auferido pelas demais funções essenciais à justiça e para com a magistratura — , a carga horária reduzida, a distribuição de honorários advocatícios, o reconhecimento do direito ao exercício da advocacia privada, o direito a adicional por tempo de serviço e o adicional de substituição e até auxílio-moradia e férias de 60 dias.

Alguns pleitos dos Advogados Públicos Federais, entretanto, estão parados no Congresso Nacional, como a PEC 443/2009, a PEC 82/2007, lei que regulamente a distribuição de honorários de sucumbência, não obstante o artigo 23 do Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994) prever esse direito e o novo projeto do novo CPC[3] conter dispositivo também nesse sentido. Esses pleitos, entretanto, são realidade em muitas PGEs e na PGDF, seja por maior consciência constitucional dos governadores e parlamentares, seja pelo trâmite mais facilitado nas respectivas Assembleias Legislativas.

Existe ainda na Advocacia Pública Federal a reivindicação para obter maior atuação do chefe da Advocacia-Geral da União, o Advogado-Geral da União, que é nomeado pela Presidência da República (artigo 84, inciso VII, combinado com artigo 131, parágrafo 1°, CF), para que assuma a postura de maior representante das carreiras e lute junto à Presidência da República e ao Congresso Nacional para conter o sucateamento remuneratório dos membros da instituição.

A Advocacia Pública Federal[4] também conclama ao STF para que paute e aprove a necessária PSV 18 e a aprecie a ADI 4.297, de modo a coibir a partidarização política de uma função de Estado essencial à justiça. Urge tornar inequívoca a proibição de exercício de função ou atribuição exclusiva de advogado público que, para ingresso na carreira, necessita da aprovação em concurso público de provas e títulos (artigos 131 e 132 da CF).

O senador Pedro Taques, em discurso[5] feito no ano passado durante ato do Movimento Nacional pela Advocacia Pública, afirmou que o Constituinte “disse menos do que deveria” a respeito da Advocacia Pública. Sua Excelência, que no passado exerceu o cargo de Advogado Público e de Procurador da República, disse, ao se referir à Advocacia Pública, verbis:

“aquelas funções não são essenciais somente à Justiça, elas são essenciais à própria existência do Estado, no sentido técnico-jurídico do termo. O Estado, como todos nós sabemos, ele é espacial, os governos são temporais. O advogado público defende o Estado, como sociedade politicamente organizada.”

A ausência de autonomia administrativa, orçamentária e financeira da AGU não é fundamento para que os gestores e os parlamentares permitam diferenças remuneratórias a ponto de ofender princípio fundamental (artigo 1°, inciso III, da CF) e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF), verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
 III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (g.n.)

As autoridades têm o dever ético-constitucional, compromissados com princípios e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de manter a Advocacia Pública Federal valorizada a ponto de garantir a ordem jurídica, tentar conter a enorme evasão de seus membros, inclusive em sob a perspectiva de paralelismo constitucional.

Por isso, é questão de responsabilidade dos parlamentares evitar a continuidade no tempo da atual situação discriminatória em termos de remuneração, vantagens e até de prerrogativas entre PGEs, PGDF e AGU, e atuar como contrapeso para que não se permita que a questão fique restrita a ato temporal da Presidência da República, pois se está diante de dilema de Estado, de valorização dos membros que exercem função considerada e destacada pela Constituição, que não utiliza palavras vãs, como essencial à justiça.

Como consequência da situação narrada, o quadro de evasão das carreiras na AGU se eleva anualmente, de forma alarmante, e tem como consequência imediata o excesso de trabalho gerado com as inúmeras vagas não preenchidas (conforme www.agu.gov.br/page/download/index/id/19346428). Os reflexos são para a sociedade, tendo em vista a capacidade de economia e de arrecadação da AGU[6].

Quando se investiga sob o ponto de bom pagador, nota-se que os Estados mal conseguem quitar seus devidos precatórios, enquanto a União aponta ser a melhor pagadora, não bastasse efetuar os constitucionais repasses àquelas entidades federativas.

Então, surge o questionamento sobre como Estados supostamente endividados, que mal conseguem pagar seus devidos precatórios[7], remuneram seus agentes públicos de forma muito superior aos federais.

A reforma da Constituição Federal para se estabelecer uma política remuneratória equânime entre as carreiras irmãs essenciais à justiça é medida urgente e a sociedade necessita tal providência inclusive para coibir verbas que podem ser apontadas textualmente como indenizatórias e que, no entanto, podem representar burla ao teto constitucional e ao sistema de subsídio.

Por fim, outra medida que se vê necessária no âmbito da Advocacia Pública Federal é reforma do artigo 131 para a criação da carreira única de Procurador da União, que deve abarcar as quatro atuais carreiras da AGU, quais sejam, de Procuradores Federais, de Procuradores da Fazenda Nacional, de Advogados da União e de Procuradores do Banco Central.

Espera-se, com a unificação, gerar economia com estruturas físicas, servidores, terceirizados, aluguéis, veículos, estagiários, etc., independente de haver ou não concordância pelas associações de membros da instituição, pois se trata de assunto que envolve interesse público que se sobrepõe, como sabido, ao particular. Tal medida ainda pode garantir aos que ingressaram por concurso público nas atuais carreiras da AGU a preferência para trabalhar nas atuais matérias que lhe incumbem.

A unificação de carreiras na Advocacia Pública Federal envolve, ainda, gestão e marketing estratégicos, na medida que viabiliza à sociedade a melhor identificação dos membros da Advocacia Pública Federal, em designação semelhante a dos Procuradores do Estado e dos Procuradores do Distrito Federal. Esse é um assunto que não pode mais ser ignorado, pois a instituição precisa avançar.

Em conclusão, a responsabilidade das autoridades em evitar atos discriminatórios entre membros de uma mesma instituição, qual seja, a Advocacia Pública, existe desde a promulgação da Constituição Federal, entretanto, vê-se necessário instituir a Política Nacional de Simetria Remuneratória entre Carreiras Irmãs Essenciais à Justiça para evitar que a morosidade de trâmites legislativos no Congresso Nacional e que questões de arranjo orçamentário atinjam a dignidade e o direito de igualdade entre membros irmãos, isto é, Procuradores dos Estados, Procuradores do Distrito Federal e o que se pretende que sejam unicamente designados em um futuro breve por Procuradores da União (Procuradores Federais, Procuradores da Fazenda Nacional, Advogados da União e Procuradores do Banco Central).


[1] Cf. http://www.conjur.com.br/2014-set-15/fux-manda-uniao-pagar-auxilio-juizes-federais-moram-aluguel. Extrai-se da notícia: “O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antonio Cesar Bochenek, evitou comentar a decisão, da qual mal tinha informações quando procurado pela reportagem da ConJur. No entanto, afirmou que a base do pedido é uma equiparação entre a magistratura federal e as carreiras de juiz estadual. Ele informa que 20 estados já pagam auxílio-moradia aos seus juízes, e a decisão do ministro Fux foi uma forma de equilíbrio entre a magistratura federal e as carreiras estaduais.” Acesso em: 16/09/2014.

[2] Conferir Nota de Desagravo da ANAPE à PEC 26/2014. Disponível em: http://anape.org.br/site/nota-repudio-pec-262014/. Acesso em: 16/09/2014.

[5] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=a5-GiF1LqTs.  Conferir também: http://www.pedrotaquesmt.com.br/noticias/noticia.asp?id=3605. Acesso em 16/09/2014. Em seu valoroso discurso, o Senador Pedro Taques hipotecou seu apoio à Advocacia Pública, no que diz respeito à aprovação da PEC 82/2007, e afirmou que não se trata de uma causa corporativa, e sim uma causa de Estado[5]. Essa é a visão que se espera de uma autoridade.

[6] Cf. http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx?idConteudo=266193&id_site=3. AGU economiza e arrecada R$ 151,5 bilhões aos cofres públicos e garante segurança jurídica de políticas públicas. Acesso em: 16/09/2014.

[7] Cf. http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/11/df-e-9-estados-tem-maior-dificuldade-para-pagar-precatorio-aponta-tesouro.html. Relatório do Tesouro Nacional elaborado a pedido da Advocacia Geral da União (AGU) classifica o Distrito Federal e mais nove estados (Alagoas, Bahia, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e São Paulo) como as unidades da federação com mais alto nível de endividamento com precatórios e, portanto, as que têm mais dificuldades para quitar esse tipo de dívida judicial. Acesso em 16/09/2014.

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    é procuradora federal junto à Procuradoria Federal no Estado do Paraná. Membro da Advocacia-Geral da União. Delegada interina da UNAFE no Paraná. Pós-graduanda em Gestão Pública MBA pela FGV. Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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