Obtenção de documentos

O acesso às informações de empresas nas Ilhas Virgens Britânicas

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19 de setembro de 2014, 6h10

Além de praias paradisíacas banhadas pelo mar caribenho e marinas sofisticadas onde estão ancorados centenas de veleiros e iates, as Ilhas Virgens Britânicas, território ultramarinho do Reino Unido, representam também um dos maiores centros offshore do mundo.

Com a introdução de novas e dinâmicas leis[1] a partir de 1985, esse território inglês viu o registro de empresas offshore crescer de maneira considerável, e aproximadamente 900 mil empresas e fundos de investimentos estão registrados em sua Junta Comercial (Registry of Corporate Affairs), representando 25% de todas as empresas offshore. O registro de empresas passou junto com o turismo a representar os pilares da economia local. Ainda, o território adotou o dólar americano para facilitar as transações comerciais globais e não existem restrições de câmbio.

A abertura de uma empresa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas é um processo relativamente simples e pode ser operacionalizado a distância através de um agente de registro (registered agent) que mediante sua contratação fica encarregado do registro da empresa, alterações sociais e pagamento de taxas e selos governamentais.  

Uma das principais características dessas empresas é a confidencialidade de seus documentos e informações sobre sua propriedade, gestão e finanças. Pela legislação local, a empresa está obrigada a fazer poucos arquivamentos e apenas algumas informações e documentos são de acesso público. Uma busca no Registry of Corporate Affairs mostrará apenas o nome e endereço do agente de registro, local de seu estabelecimento, certificado de incorporação, contrato ou estatuto sociais padronizados e se foram pagas suas taxas de registro anuais. Assim, dificilmente saberemos quem são seus diretores, acionistas e/ou beneficiários finais e quais são seus ativos.

As informações e documentos da empresa em poder de terceiros, como o agente de registro, instituições financeiras ou corretores são confidenciais e não podem ser divulgadas sem seu consentimento. Entretanto, essas informações e documentos poderão ser acessados caso a empresa cometa algum ilícito mediante ajuizamento de medidas judiciais requerendo que o terceiro exiba os documentos e informações da empresa em seu poder, ou seja, o auxílio judicial é imprescindível.

O agente de registro em especial pode ser uma rica fonte de informações e documentos da empresa, pois é este quem deve manter cópias de documentos relacionados à empresa, incluindo detalhes de decisões e ata de reuniões de seus diretores e acionistas, bem como troca de e-mails, correspondências e instruções de seus clientes. Estas informações e documentos podem eventualmente revelar os beneficiários finais da empresa.

As Ilhas Virgens Britânicas adotam o sistema jurídico do Common Law[2], com modificações e regras locais específicas. Não existe regulamentação estatutária específica local sobre exibição de informações e documentos por terceiros, mas regras de processo civil inglesas e seus precedentes são frequentemente adotados. O território possui uma corte comercial altamente qualificada que decide disputas complexas e técnicas com elevado número de partes e documentos transnacionais e seus julgados estão se tornando cada vez mais substanciais, principalmente em casos relacionados a serviços financeiros e empresas offshore.

O precedente da Câmara dos Lordes atinente ao caso Norwich Pharmacal[3] é frequentemente invocado nas Ilhas Virgens Britânicas para obter informações e documentos de empresas em poder de terceiros.

O entendimento seria de que quando uma empresa está envolvida em algum ilícito, seu agente de registro pelos serviços de incorporação e manutenção da empresa de certa forma está envolvido e facilitando o cometimento do ilícito apesar de inocentemente e, portanto, tem o dever de exibir os documentos e informações em seu poder.

Cada caso possui suas peculiaridades, mas em termos gerais, o requerente da medida judicial para exibição de informações e documentos ajuizada contra o terceiro terá de demostrar: a) que um ilícito está sendo ou foi cometido pela empresa; b) que é necessária uma ordem judicial imediata contra o terceiro para permitir uma ação contra a empresa posteriormente; e c) que o terceiro está envolvido no ilícito e é capaz de providenciar as informações e documentos necessários para ajuizamento de uma ação contra a empresa infratora.

Ultrapassados os requisitos acima o autor deve demostrar que a exibição é necessária no interesse da justiça e proporcional frente às circunstâncias, ou seja, as informações e documentos buscados devem ser relevantes e necessários para tomada de medidas judiciais contra a empresa.

A ordem judicial de exibição é discricionária e pode ser concedida liminarmente sem oitiva da parte (ex parte). As medidas judiciais contra a empresa não precisam necessariamente ser ajuizadas nas Ilhas Virgens Britânicas, pois muitas informações e documentos são utilizados em conexão com processos de outros países.

Além disso, ordem judiciais[4] estão sendo concedidas em auxílio a processos estrangeiros contra agentes de registro para exibirem detalhes dos ativos das empresas e em certos casos adaptadas para casos de litígio matrimonial, onde uma das partes utilizou empresa offshore para desviar bens comuns e para obtenção de informações sobre gestores e beneficiários finais de estruturas corporativas sofisticadas.

Importante salientar que este tipo de ordem judicial não está disponível contra escritórios de advocacia, pois de acordo com a legislação local toda comunicação entre o advogado e seu cliente está protegida por segredo profissional.

Ainda, é possível obter ordem judicial contra instituições financeiras[5] para obter informações e documentos de contas bancárias de empresas e por onde recursos desviados tenham circulado, principalmente em casos de recuperação destes ativos. Para sua concessão é necessário que o requerente demonstre prima facie que os recursos são provenientes de fraude ou desvio e foram depositados ou circularam através da instituição financeira.

Essas ordens judiciais são concedidas combinadas com segredo judicial (seal and gags order) para que os requeridos não cientifiquem terceiros de sua existência, com exceção de seus advogados e impeçam o acesso do público em geral ao processo sem autorização da Corte. A inobservância do seal and gags resulta em atentado por descumprimento de ordem judicial o que a torna muito efetiva contra requeridos residentes, principalmente agentes de registro estabelecidos nas Ilhas Virgens Britânicas.

Ainda, existe a possibilidade de requerer ordens judiciais de busca e apreensão conhecidas como Anton Piller Orders[6] que permitem estender a busca a locais legalmente protegidos, como domicílios residenciais e estabelecimentos comerciais. Esta ordem judicial permite ao requerente vasculhar pessoalmente estes locais e apreender qualquer documento relevante ou requerer que lhe seja entregue objetos ou documentos específicos. Esta ordem judicial é concedida em casos extremos e onde não seja possível obtenção de informações e documentos por outras formas.

Assim, é possível o acesso de informações detalhadas e documentos de empresas registradas nas Ilhas Virgens Britânicas com o auxílio judicial e desde que estas estejam envolvidas na prática de atos ilícitos.


[1] Companies Act 1985, Banks and Trust Companies Act 1990 e Business Companies Act 2004.

[2] Common Law Act 1705.

[3] Norwich Pharmacal v. Customs and Excise Commissioners [1974] AC 13.

[4] Jeremy Outen et al v. Mukhtar Ablyazov, HCVAP 2011/30 e Injunctions and Disclosure Orders, CPR 17.

[5] Bankers Trust v. Shapira [1980] 1 WLR 1274 e Bankers Book (Evidence) Act, Section 7.

[6] Anton Piller KG v. Manufacturing Processes Ltda. e CPR Part 17.

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