Hotel fantasma

Entenda a briga judicial que levou à reintegração de posse em São Paulo

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16 de setembro de 2014, 19h21

A reintegração de posse que gerou confrontos, levou a prisões e afetou o trânsito no centro de São Paulo nesta terça-feira (16/9) teve origem em uma decisão judicial de março deste ano, mas só cumprida depois de dois mandados frustrados. Uma liminar da 25ª Vara Cível de SP já havia determinado há quase seis meses que a polícia retirasse ocupantes do imóvel número 601 na avenida São João — um hotel planejado na década de 1970, que nunca abriu as portas.

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A área chegou a ser negociada pela prefeitura para desapropriação, mas a Secretaria Municipal de Habitação disse ter desistido do projeto no ano passado, por considerá-lo inviável economicamente.

O prédio de 21 andares passou por uma série de ocupações, a última delas iniciada pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) no dia 3 de março, durante o Carnaval. Naquele mês, a juíza Maria Fernanda Belli determinou que o chamado Aquarius Hotel voltasse às mãos dos proprietários — um grupo de irmãos da família Pedreiro, que desistiu do negócio após a degradação do centro da capital paulista, segundo informou a mulher de um deles, Marta Pedreiro, à revista Consultor Jurídico.

Conforme a juíza, o pedido dos donos deveria ser atendido pois cumpria os requisitos fixados no Código de Processo Civil sobre posse. Mas o prédio demorou a passar pela reintegração porque, em abril, o comando do 7º Batalhão da Polícia Militar afirmou à Justiça que ainda precisaria agendar reunião com órgãos competentes. Dois meses depois, com data já marcada pela PM, a prefeitura disse que não conseguiria atender no prazo estipulado um ofício judicial para amparar moradores do imóvel.

Para solucionar o impasse, a juíza disse que cabia aos autores providenciar quaisquer meios necessários à remoção das famílias, pois a municipalidade não é ré no processo. O advogado do Aquarius Hotel, Bruno Forli Freiria, do Nelson Wilians e Advogados Associados, afirma que seu cliente contratou 40 caminhões para levar objetos cadastrados a um depósito.

Freiria disse que representantes do hotel foram ao local nesta terça-feira, mas, no tumulto, uma preposta foi ameaçada por manifestantes, o que levou a juíza a autorizar que a reintegração ocorresse sem acompanhamento dos donos do prédio — o mandado foi assinado dentro do fórum João Mendes Júnior. Apesar de citar a “balbúrdia” na avenida São João, o advogado afirmou que os caminhões de mudança cumpriram o trabalho no local.

Já a advogada Juliana Avanci, que representa o MSTC, afirmou que o conflito registrado no local ocorreu após a polícia determinar a saída dos moradores antes que a defesa do hotel demonstrasse a presença de todos os caminhões e carregadores combinados em reunião. Advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Avanci afirma que o imóvel chegou a reunir 250 famílias, havendo 70 no início da reintegração. Parte delas foi para casas de familiares, e outras marcharam para outras ocupações, segundo ela. 

Sem abandono
Marta Pedreiro, mulher de um dos donos do imóvel, afirma que o prédio nunca ficou abandonado. “Nós pagamos IPTU e taxa de lixo durante todos esses anos. Sempre houve empregados e seguranças no hotel, tomando conta. Já tivemos prejuízos [em outras invasões], com portas quebradas e até roubo de nossos arquivos e bombas de água. Os funcionários foram expulsos [em março] a pontapés”, diz ela. A defesa dos invasores nega uso de violência durante a ocupação.

Embora a Secretaria de Habitação informe já ter desistido da desapropriação, Marta diz que os irmãos não colocaram o imóvel à venda porque ainda aguardam que o município pague pelo prédio. A secretaria afirma que já foi enviado processo interno à prefeitura para revogação do Decreto de Interesse Social aberto em 2012, sem informar qual o valor considerado inviável. O processo judicial sobre o assunto continua em tramitação na 5ª Vara de Fazenda Pública.

De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública, ainda não há levantamento sobre o número de pessoas presas durante o confronto de manifestantes com a polícia.

Cronologia:
1979
Quase pronto, Aquarius Hotel deixa de ser inaugurado por desistência dos donos.

2012
Prefeitura publica decreto manifestando interesse em desapropriar o imóvel.

Março de 2014
Invasão durante o Carnaval; liminar autoriza reintegração de posse, com força policial.

Abril e junho de 2014
Mandados de reintegração sem cumprimento.

16 de setembro de 2014
Reintegração de posse, com uso de força policial.

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