Processo Novo

Os novos conceitos de sentença e
decisão interlocutória no novo CPC

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

8 de setembro de 2014, 10h21

Spacca
Neste segundo texto da série de comentários breves sobre pontos chave do projeto de novo Código de Processo Civil, examinaremos a distinção entre sentença e interlocutória, no contexto da nova lei processual. O primeiro texto da série versou sobre as condições da ação no novo CPC (que chamaremos, por comodidade, de NCPC), e pode ser lido aqui.

***

Em sua redação original, o CPC/1973 adotava definição de sentença semelhante à que atualmente consta no artigo 203, parágrafo 1.º do NCPC. Na versão da Câmara dos Deputados, correspondente ao artigo 179, parágrafo 1.º, na versão do Senado Federal; o Serviço de Redação da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal elaborou quadro comparativo, disponível para download aqui.

Estabelecia o artigo 162, parágrafo 1.º do CPC/1973, antes da alteração da Lei 11.232/2005: “Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Com a redação que recebeu da Lei 11.232/2005, o parágrafo 1.º do artigo 162 do CPC/1973 passou a enfatizar o conteúdo da sentença, como elemento distintivo: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.

Ambas as descrições de sentença (a anterior à reforma de 2005, que destacava o momento da prolação do pronunciamento, e a segunda, que realçava o conteúdo da decisão) eram confrontadas com a definição de decisão interlocutória contida no parágrafo 2.º do artigo 162 do CPC/1973, que a vinculava à resolução de qualquer “questão incidente”, no curso do processo.

No NCPC, sentença e decisão interlocutória receberam conceituação diversa.

A sentença, no projeto de NCPC (tanto na versão do Senado, quanto na da Câmara dos Deputados[1]), é definida pelo momento processual em que é proferida (já que “põe fim” ao processo ou “fase” processual) e também pelo conteúdo.

A decisão interlocutória, por sua vez, não mais se vincula à ideia de “questão incidente” resolvida no curso do processo, pois, no novo Código, é considerada interlocutória qualquer decisão que não seja sentença, de acordo com parágrafo 2.º do artigo 203 do NCPC.[2]

Se, de acordo com o NCPC, qualquer decisão que não corresponda à descrição de sentença deverá ser considerada interlocutória, é importante ter bem claro que, como antes se mencionou, o NCPC vale-se dos seguintes critérios, cumulativamente, para identificar a sentença (afastando-a, portanto, da decisão interlocutória): a) é decisão final, que “põe fim” ao processo ou a uma de suas “fases”; e b) é decisão definitiva (que resolve o mérito) ou terminativa (que, por ausência de algum requisito processual, não resolve o mérito).

Vê-se que o conceito legal de sentença é restritivo. Já o conceito legal de interlocutória é extensivo: não é sentença, mas interlocutória, a decisão que não se enquadrar no “conceito legal” de sentença.

A descrição legal de sentença, no novo CPC, é relevante para a definição do recurso cabível (apelação, para qualquer sentença, e agravo de instrumento, para as decisões interlocutórias indicadas pela lei, cf. arts. 1.022 e 1.028 do NCPC, na versão da Câmara dos Deputados, ou arts. 963 e 969, na versão do Senado). Nesse ponto, aliás, a lei processual acomodou-se ao que se decidia, na jurisprudência, quanto ao cabimento da apelação.[3]

A distinção feita pela lei entre sentença e interlocutória, porém, não tem a mesma importância, por exemplo, para se saber se houve coisa julgada, se cabe ação rescisória, se se está diante de título executivo… Isso porque, de acordo com a dicção legal, o mérito não é julgado, necessariamente, por uma sentença, mas por uma decisão.

Por exemplo, é a decisão de mérito que faz coisa julgada (artigo 513 do NCPC, versão da Câmara dos Deputados), é a decisão de mérito título executivo (artigo 529, I do NCPC, versão da Câmara dos Deputados) e é a decisão de mérito que pode ser rescindida (artigo 978 do NCPC). Em todos esse casos, importa saber se a decisão é de mérito, sendo menos relevante a distinção entre decisão final (sentença) de mérito ou interlocutória de mérito.

Segundo pensamos, a sentença deveria ser definida, unicamente, por seu conteúdo, e não em função do momento em que é proferida. Se a preocupação do legislador era a de deixar clara a hipótese de cabimento da apelação, deveria ter redigido o artigo 1.022 do NCPC (versão da Câmara, correspondente ao artigo 963, na versão do Senado) de modo diverso, para dizer que caberia apelação contra a sentença quando esta pusesse fim ao processo, ou “fase” de cognição.

De todo modo, o “conceito legal” de sentença e de decisão interlocutória, e a deferência que o NCPC (especialmente, no ponto, na versão da Câmara dos Deputados) dá às “decisões de mérito”, não mais se referindo, como o CPC/1973, às “sentenças de mérito”, revela que o legislador do novo Código optou por dar mais importância à ideia de “decisão” que à de “sentença”.

Cresce em importância e amplitude a decisão interlocutória, no contexto do NCPC.

As decisões deverão ser estudadas e classificadas com base em outros critérios, que não se limitem ao binômio sentença/interlocutória, por exemplo.

Teremos oportunidade de realizar os devidos aprofundamentos, em relação a esse tema. Consideramos interessante examinar a evolução do conceito de sentença e de interlocutória desde as legislações mais antigas, estudando, por exemplo, as denominadas “sentenças interlocutórias”. No presente texto, no entanto, nosso desejo é apenas o de apontar a distinção acima referida, entre sentença e decisão interlocutória, e chamar a atenção para a “mudança de foco” (que deixa de ser a sentença), no contexto do NCPC.

***

Reiteramos o que antes se disse, quando iniciamos a presente série: nosso propósito, com a presente coluna, é o de apresentarmos textos úteis a todos que se interessam pelos problemas aqui examinados. Procuraremos manter a mesma forma, expondo esses temas com a máxima simplicidade possível, embora sem cair em simplismos.

Continuamos a receber questões relacionadas ao NCPC (para saber como enviar suas dúvidas, clique aqui). Até a próxima!


[1] Cf. § 1.º do art. 170, na versão do Senado Federal (“Ressalvadas as previsões expressas nos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 472 e 474, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como o que extingue a execução”), e § 1.º do art. 203, na versão da Câmara dos Deputados (“Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 495 e 497, põe fim ao processo ou a alguma de suas fases”).

[2] Cf. § 2.º do art. 170, na versão do Senado Federal, e § 2.º do art. 203, na versão da Câmara dos Deputados: “Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre na descrição do § 1º”.

[3] Apesar da reforma de 2005, a jurisprudência não abandonou o discrímen feito pela redação original do § 1.º do art. 162 do CPC/1973, quanto ao cabimento da apelação (cf., p.ex., STJ, AgRg nos EDcl no Ag 1204346/RJ, j. 06/12/2012; STJ, AgRg no REsp 1352229/RS, j. 11/02/2014).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!