Estritamente confidencial

Com evolução tecnológica, o sigilo está cada vez mais fragilizado

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27 de outubro de 2014, 8h01

Artigo produzido por especialistas do Insper. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

A falta de confidencialidade na atualidade, em especial em razão das redes sociais, tem exposto a vida das pessoas de forma aberta e de maneira quase instantânea, a informação chega muito rápido a todos.

Assim, também por essas razões, a consciência da importância de se manter a confidencialidade tem se perdido com o tempo.

Além disso, com a tecnologia atual, a maior parte das informações é trocada por meio eletrônico, que apesar de se tratar de uma forma rápida e prática de correspondência, ainda é um meio inseguro.

Dessa forma, no mundo contemporâneo, apesar das proteções legislativas, as pessoas estão duplamente expostas, quer porque expõe suas vidas pessoais por diversos meios, quer porque não existe a devida e necessária segurança do sistema de comunicação.

Na realidade, o conceito de direito à confidencialidade foi conquistado há muito tempo com o surgimento da burguesia como classe social. Isso porque, com a sociedade burguesa há o interesse de limitar o poder da monarquia e do clero perante a sociedade.

O conceito de confidencialidade surgiu com o destaque da sociedade burguesa, e com as alterações de poder e evolução da sociedade civil, foi ganhando corpo e se ampliando como um direito expressamente previsto pela legislação.

Contudo, com a evolução e mudanças tecnológicas, questões que anteriormente não eram acessíveis passam a ser, tornando assim, o sigilo como um todo, cada vez mais fragilizado.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos X e XII, prevê a proteção ao sigilo. Dessa forma, é pacificado pela doutrina e jurisprudência que a quebra ao sigilo somente poderá ser deferida em casos excepcionais.

Neste contexto, trataremos no presente artigo, dois conceitos amplamente discutidos na sociedade atual: o sigilo bancário e o sigilo fiscal.

O sigilo bancário é um dever das instituições financeiras de manter resguardados os dados de seus clientes, disposto pela Lei Complementar 105/2001.

Nos últimos anos, por exemplo, diversas invasões digitais ocorreram em instituições financeiras causando a revelação de dados pessoais de milhões de correntistas, e, consequentemente, gerando a quebra do sigilo bancário.

O mais recente e um dos maiores já registados é o ataque cibernético sofrido pelo maior banco americano JP Morgan Chase, que sofreu dois ataques em apenas três meses.

No último ataque revelado, os hackers tiveram acesso à informação de 76 milhões de contas e 7 milhões de contas de pequenas empresas, o que mostra a vulnerabilidade de todo o sistema.

Da mesma forma que as instituições financeiras, as autoridades fiscais também têm a obrigação de garantir o sigilo. Contudo, neste caso, trata-se do sigilo fiscal, nos termos do artigo 198 do Código Tributário Nacional.

No entanto, com a evolução das relações econômicas e sociais, esse direito passou a não ser mais absoluto abrindo espaço para que oportunistas encontrassem meios de burlar a lei.

Um dos casos de maior repercussão da ruptura do sigilo fiscal foi o ocorrido no conhecido escândalo do caseiro Francenildo que se deu na crise do mensalão, no governo do então presidente Lula.

Naquele caso, o caseiro testemunhou afirmando que o ministro da Fazenda Antônio Palocci tinha frequentado certa mansão na qual se realizavam negociações ilegais. Tal testemunho foi crucial para derrubar Palocci do seu cargo de ministro. Assim, como forma de tentar fragilizar o testemunho de Fancenildo, o governo simplesmente promoveu a violação de seu sigilo bancário, divulgando dados da conta do caseiro, nos quais apareciam valores que supostamente seriam um suborno fornecido pela oposição para que o caseiro denunciasse o ex-ministro Palocci. Contudo, foi demonstrado que tal montante tratava-se apenas de valores recebidos pelo caseiro de seu pai biológico, um empresário do Piauí.

Muito embora estes casos mencionados tenham ocorrido de forma totalmente ilegal, na realidade, não obstante a proteção constitucional e da legislação infraconstitucional referentes à proteção ao sigilo bancário e ao sigilo fiscal, estes não são absolutos, pois nos casos em que houver conflito entre o interesse público e o interesse privado, o primeiro deve prevalecer.

Assim, conforme já mencionado anteriormente, atualmente, existem alguns casos e mecanismos para a ruptura do sigilo bancário e do sigilo fiscal.

No âmbito do Poder Judiciário, a Lei Complementar 105/2001, prevê a permissão da quebra do sigilo bancário no seu artigo 1º, parágrafo 4º, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial.

A mesma lei supramencionada, no seu artigo 3º, prevê ainda, de forma mais ampla, que serão prestadas as informações e esclarecimentos requisitados pelo Poder Judiciário, mas sempre revestidos de caráter sigiloso, permitindo o acesso somente às partes, que não poderão utilizar os dados fornecidos para fins estranhos ao processo.

Da mesma forma que o poder judiciário as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) poderão requisitar informações de sigilo bancário, nos termos do artigo 4º, parágrafos 1º e 2º, Lei Complementar 105/2001.

Outro forma da quebra do sigilo bancário é por requisição da Receita Federal que, de acordo com os termos do artigo 6º, da Lei Complementar 105/01, pode requer informações de sigilo bancário sem a necessidade de se submeter a prévia autorização do Poder Judiciário.

Ressalta-se que referida lei autoriza o funcionamento de centrais de risco para a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais (artigo 1º, parágrafo 3º, inciso I), que já é em si outra forma de relativizar o conceito de sigilo bancário.

Com a quebra do sigilo bancário sem a autorização daqueles permitidos por lei, configura-se crime que sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, nos termos do artigo 10º da Lei Complementar 105/2001.

Da mesma forma que o sigilo bancário, o sigilo fiscal está disciplinado pela legislação infraconstitucional.

O Código Tributário Nacional, no seu artigo 198, prevê a proibição da exposição de dados sobre a condição econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, fornecidos em razão do ofício, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores.

Contudo, a possibilidade de quebra do sigilo fiscal é tema já pacificado pela doutrina e jurisprudência há muito tempo. Inclusive o parágrafo 1º do supramencionado artigo prevê exceções ao sigilo fiscal nos casos de:

1. requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; e

2. solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

Além disso, o artigo 199, também do Código Tributário Nacional, determina que “a Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio”.

Assim sendo, o sigilo bancário e o sigilo fiscal são protegidos pela Constituição e pelas respectivas Leis Infraconstitucionais. Contudo, não são absolutos, pois a própria legislação prevê a ruptura do sigilo. Isso porque, nos casos em que houver conflito entre o interesse particular e o interesse público, deve prevalecer o interesse público, em razão da supremacia do direito público sobre o direito privado.

Ademais, muito embora seja assegurado pela legislação que as instituições financeiras ou o fisco resguardem o sigilo das informações fornecidas, com a evolução da tecnologia, em especial a internet, existem situações em que esses dados podem ser revelados contra a vontade de todos, ou seja, hoje os mecanismos que temos para guardar os dados bancários e fiscais não são consideradas totalmente seguros, sendo cada vez mais eminentes os riscos envolvidos.

Por todas essas razões, atualmente, não podemos conversar com ninguém, ou trocar informações por nenhum meio, sem risco e consequente o medo de nossas informações serem reveladas, quer porque existem formas de quebra do sigilo por previsões legais, quer porque o sistema que resguarda nossos segredos é inseguro.

Como dizia Tancredo Neves: “Telefone serve no máximo para marcar encontro, de preferência no lugar errado”.

Será que nos meios digitais estamos indo para o mesmo caminho?

(O Autor agradece a valiosa colaboração do Dr. Oscar Lellis Vieira e Maria Antonietta Meirelles)

Bibliografia
VELASQUES, Renato Vinhas, Quebra de Sigilo Bancário. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 48, p. 135, 2002.

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Banco JP Morgan, dos EUA, sofre novo ataque de hackers. Disponível em <http://www.jb.com.br/economia/noticias/2014/10/03/banco-jp-morgan-dos-eua-sofre-novo-ataque-de-hackers/>. Acesso em 09 de outubro de 2014.

JPMorgan e outros bancos dos EUA são vítimas de sofisticado ciberataque. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/08/1507051-jpmorgan-e-outros-bancos-dos-eua-sao-vitimas-de-sofisticado-ciberataque.shtml>. Acesso em 09 de outubro de 2014.

Palocci ordenou a Mattoso violação do sigilo do caseiro. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u77207.shtml>. Acesso em 17 de outubro de 2014.

O caseiro. Disponível em <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-25/anais-de-brasilia/o-caseiro>. Acesso em 20 de outubro de 2014.

Autores

  • é advogado, professor e doutor em Direito pela PUC-SP. Autor de diversos livros, sócio-fundador da Moreau Advogados, membro do Conselho do Insper (Direito) e sócio-fundador da Casa do Saber. Cursou Harvard Law School (PIL) e Harvard Business School (YPO).

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