Exceção e regra

Pode um juiz atuar em processo de outro?

Autor

25 de outubro de 2014, 12h30

Um juiz só é juiz dos seus processos — ou seja, aqueles que lhe foram distribuídos. Qualquer estudante de Direito sabe que um juiz não pode julgar processo de outro. A distribuição de processos judiciais onde houver mais de um juiz igualmente competente é regra cogente da lei, e atende ao princípio do juiz natural. Nesse sentido, é de clareza solar o CPC:

Art. 251. Todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de um juiz ou mais de um escrivão.

Art. 252. Será alternada a distribuição entre juízes e escrivães, obedecendo a rigorosa igualdade.

Diferentemente do que ocorre na Justiça estadual, em cada vara da Justiça Federal há sempre dois cargos de juízes, o de titular e o de substituto. Não há hierarquia entre eles. Ambos detêm a mesma competência e jurisdição específica para processar e julgar as ações que lhes são distribuídas. Nenhum deles pode interferir nos processos um do outro. Enfim, embora dividam a mesma secretaria, como nos tribunais, para efeito de fixar a competência, são dois órgãos judiciários distintos.

Quando há impedimento, afastamento, licença ou férias, um magistrado substitui o outro, automaticamente. Trata-se de situação excepcional, momentânea, que se justifica pela continuidade da prestação do serviço, especificamente em situações de urgência, em que há risco de perecimento de direito. Essa substituição depende, obrigatoriamente, de ato formal da Corregedoria. Ora, se uma substituição automática efêmera depende de ato formal específico, [1] uma substituição prolongada no tempo, sem prazo definido, que contemple ampliação excepcional da competência ordinária de um juiz, com muito mais razão também o exige. É regra comezinha de Direito Administrativo que o exercício de qualquer função pública exige prévio ato formal de investidura. Por que quando há investidura na função de juiz seria diferente?

Nada obstante, nos casos de vacância ou ausências prolongadas, há um costume do juiz federal que permanece lotado na vara assumir informalmente o acervo distribuído ao outro cujo cargo está vago. Nunca houve sérios questionamentos acerca dessa prática, pelo menos até a inovação normativa promovida pela Lei 13.024/2014, exame a que este artigo doutrinário se dedica.

Essa análise se faz atual, necessária e premente, pois a escolha do juiz que irá julgar este ou aquele processo não pode ser um ato de vontade, nem do próprio juiz, nem da parte. Tem sérias repercussões na validade dos atos jurisdicionais que são produzidos, uma vez que, sendo matéria de ordem pública, arguível de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, nunca preclui. Um ato judicial praticado por juiz incompetente pode gerar nulidade ou rescisão de sentenças, bem como anulação de processos inteiros, dos mais simples aos mais complexos e de amplo alcance social, com não raro ocorre na Justiça Federal.

Impende ressaltar que é totalmente irrelevante o fato de o cargo de juiz federal substituto estar vago para definição da sua competência; e para distingui-la da do juiz titular. A eventual vacância de um cargo de juiz não suprime um órgão judicante, tampouco interfere na delimitação de sua competência. O princípio do juiz natural é uma garantia constitucional do jurisdicionado de que sua causa será julgada de forma imparcial por um magistrado previamente definido em normas abstratas e objetivas de divisão de competência. É inadmissível que a omissão do administrador, ao não promover os concursos públicos necessários para o provimento de cargos vagos de juiz, ou a decisão política não nomeá-los ou designá-los, possa interferir na norma processual cogente que define competência ordinária de órgãos judiciários. Admitir o contrário seria o mesmo que aceitar supressão dos TRF´s, do STJ e até do STF pela recusa da presidente da República em nomear seus membros. Da mesma forma é insustentável um juiz ter sua competência e seu acervo flexível de processos, aumentando e diminuindo, informal e aleatoriamente, dependendo de circunstâncias eventuais, como férias, licenças, afastamentos, vacância e nova investidura.

O exame das normas federais de organização judiciária, as quais regulam a distribuição de acervo entre juízes federais titulares e substitutos, não deixa margens a dúvidas de que a ausência de um deles é irrelevante para definição de sua competência. No TRF da 1ª Região, regula a questão a Portaria COGER nº 36, de 18 de abril de 2006:

“Fixa regras de associação e atribuição de processos a Juízes Federais Titular e Substituto e dá outras providências. (…)

§ 1º Associação é o vínculo do processo distribuído ao Juiz Federal Titular ou ao Juiz Federal Substituto, realizado automaticamente por sistema de processamento eletrônico de dados, permitindo a divisão dos processos da Vara em dois acervos, exceto nas situações previstas no item X desta portaria.[2]

§ 2º Atribuição é a designação de responsabilidade do processo a Magistrado que atue na Vara em razão de lotação, auxílio, mutirão, itinerância, impedimento, plantão em recesso forense, entre outras, automaticamente após a distribuição ou mediante alteração pela Secretaria da Vara com indicação do motivo.

II – A distribuição processual será feita por sistema de processamento eletrônico de dados, nos termos da Resolução CJF n. 441/05, alterada pela Resolução CJF n. 471/05, e da Orientação Normativa n. 22/05, da Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 1ª Região.

§ 1º A distribuição equitativa de processos entre o Juiz Federal e o Juiz Federal Substituto ocorrerá nos termos do art. 56 do Provimento Geral Consolidado.

§ 2º Os processos destinados à Vara serão mantidos, mediante associação, em dois acervos, estejam os cargos de Juiz Titular ou de Juiz Substituto, providos ou não.

§ 3º Quando houver vacância do cargo de Juiz Titular ou Substituto, será mantida dentro do sistema a divisão de acervos da Vara, de tal forma que, novamente preenchido o cargo, o sistema processual possa atribuir os processos automaticamente. (Negrito e sublinhado acrescidos).

No TRF da 2ª Região vige a Resolução nº 26/2009:

“Art. 1º A divisão de trabalho nas varas das Seções Judiciárias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo ocorrerá, segundo as classes processuais, em conformidade com a numeração final dos processos, desconsiderado o dígito verificador, incumbindo aos Juízes Federais Titulares aqueles de final par e aos Juízes Federais Substitutos os de final ímpar.”

No âmbito do TRF da 3ª Região, o Provimento COGE n 64/05 dispõe acerca da distribuição interna de processos em cada vara federal:

Art. 141. A distribuição entre os MM. Juízes de uma Vara será de acordo com o número do processo, sendo:

I – pares, para o MM. Juiz Titular da Vara;

II – impares, para o MM. Juiz Substituto da Vara.

Essa divisão matemática de acervos pode, à primeira vista, parecer estranha, porque o costume sedimentado há anos aponta na direção de que a competência de um juiz é automaticamente ampliada para os processos que foram distribuídos ao outro, quando este cargo fica vago, como que se fundindo acervos. Mas não é assim. Não deve ser assim. Não pode ser assim. Uma norma administrativa que assim dispusesse, seria ilegal. Uma lei ordinária seria inconstitucional. O errado não se torna certo, nem o certo se torna errado com a passagem do tempo.


 

 

O juízo de primeiro grau é monocrático, no sentido de que as decisões dele oriundas são tomadas por um só juiz, e não de forma colegiada. Entretanto, se o órgão julgador é composto, havendo mais de um juiz igualmente competente no mesmo juízo, necessariamente haverá prévia distribuição (divisão equitativa) para definir os processos da competência de cada um, sendo vedado um funcionar em feitos do outro.

Nos tribunais, a questão não suscita maiores questionamentos. Quando há vacância de um ministro ou desembargador, seu acervo não é fundido ao dos demais membros que compõem o tribunal. Em regra, só é admitido que um membro do tribunal atue no acervo acéfalo nos casos urgentes, de forma excepcional. Quando a vacância se perpetua, necessário se faz nova distribuição do processo. Vejamos o que dispõe o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal acerca da questão:

Art. 38. O Relator é substituído:

I – pelo Revisor, se houver, ou pelo Ministro imediato em antiguidade, dentre os do Tribunal ou da Turma, conforme a competência, na vacância, nas licenças ou ausências em razão de missão oficial, de até trinta dias, quando se tratar de deliberação sobre medida urgente; (Atualizado com a introdução da Emenda Regimental 42/2010).

O Supremo Tribunal Federal prevê a redistribuição de processos quando a vacância for superior a seis meses, isto em se tratando de determinadas ações e diante de risco de perecimento de direito:

Art. 68. Em habeas corpus, mandado de segurança, reclamação, extradição, conflitos de jurisdição e de atribuições, diante de risco grave de perecimento de direito ou na hipótese de a prescrição da pretensão punitiva ocorrer nos seis meses seguintes ao início da licença, ausência ou vacância, poderá o Presidente determinar a redistribuição, se o requerer o interessado ou o Ministério Público, quando o Relator estiver licenciado, ausente ou o cargo estiver vago por mais de trinta dias.

Essa é a situação atual do acervo de processos distribuídos ao ex-ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou em julho de 2014. Permanecendo a vacância, enquanto não houver redistribuição do acervo, os demais ministros só podem atuar nos processos a ele distribuídos em casos de urgência.

No Superior Tribunal de Justiça, também o ministro revisor atua eventual e excepcionalmente nos processos do ministro relator, assim mesmo apenas para adoção de medidas urgentes. Quando a ausência, gênero na qual se inclui a vacância, é superior a trinta dias, necessária se faz nova distribuição dos processos:

Art. 52. O relator é substituído:

I – no caso de impedimento, ausência ou obstáculos eventuais, em se cogitando da adoção de medidas urgentes, pelo revisor, se houver, ou pelo Ministro imediato em antiguidade, no Plenário, na Corte Especial, na Seção ou na Turma, conforme a competência; (…)

III – em caso de ausência por mais de trinta dias, mediante redistribuição;

Art. 72. Nos casos de afastamento de Ministro, proceder-se-á da seguinte forma: (Redação dada pela Emenda Regimental n. 1, de 1991)

I – se o afastamento for por prazo não superior a trinta dias, serão redistribuídos, com oportuna compensação, os processos considerados de natureza urgente. A redistribuição será feita entre os integrantes do órgão julgador do respectivo processo; (Incluído pela Emenda Regimental n. 1, de 1991)

II – se o afastamento for por prazo superior a trinta dias e não for convocado substituto, será suspensa a distribuição ao Ministro afastado e os processos a seu cargo, considerados de natureza urgente, serão redistribuídos, com oportuna compensação, aos demais integrantes da respectiva Seção, ou, se for o caso, da Corte Especial;

Os Regimentos Internos do TRF da 1ª Região (artigo 118, I); da 2ª Região (artigo 59, I); da 3ª Região (artigo 49, I); da 4ª Região (artigo 59, I), bem como 5ª Região (artigo 40, I) têm dispositivos semelhantes. Nenhum deles cogita em fusão de acervos no caso de vacância, mas apenas de atuação em casos urgentes.

Conclui-se que quando a vacância se estende além do razoável, a designação de outro magistrado para assumir sua função (ou redistribuição do acervo processual acéfalo no caso dos tribunais superiores) é a regra geral que deve ser observada indistintamente, tanto no segundo grau quanto no primeir grau de jurisdição, sob pena de violação do princípio do juiz natural e das normas de organização judiciária.

Mas por que a celeuma que se formou em torno de um assunto tão técnico, que a princípio só interessaria aos operadores do Direito? Por óbvio, a injustiça do veto da gratificação de acúmulo de acervos aos juízes, originalmente prevista no texto original da Lei 13.024/14, que a deferiu aos membros do Ministério Público, tem muito a ver com isso. Mas a discussão não se trava apenas no plano político, ou seja, se o juiz merece ou não merece ganhar mais por trabalhar mais. A lei tem repercussão direta e imediata nos processos em curso.

Com efeito, a visita à Lei 13.024/2014, que criou a gratificação por acumulação de ofícios no Ministério Público da União, é absolutamente indispensável em razão das implicações processuais que a mesma impõe. A delimitação dos limites de atuação funcional do magistrado é matéria de ordem pública, pois define sua competência. Qualquer alteração legislativa que disponha sobre sua situação funcional é relevante para definição dos limites de sua atuação jurisdicional.

A Lei 13.024/2014 tornou certa a existência de diversos ofícios nos quais atuam os membros do MPU, em número coincidente com o de cargos de membro da instituição: “Art. 10. Ficam criados ofícios em número correspondente ao de cargos de membros criados por lei para cada um dos ramos do Ministério Público da União em todos os níveis das Carreiras.”

Também previu a necessidade de designação específica para a substituição de um membro do MP pelo outro, em atenção ao princípio do promotor natural: “Art. 2º. – A gratificação será devida aos membros do Ministério Público da União que forem designados em substituição, na forma do regulamento, desde que a designação importe acumulação de ofícios por período superior a 3 (três) dias úteis.”

Em razão da simetria constitucional autoaplicável entre as carreiras da magistratura e do ministério público, reconhecida expressamente pelo CNJ na sua Resolução nº 133/2011 (“CONSIDERANDO a simetria constitucional existente entre a Magistratura e o Ministério Público, nos termos do art. 129, § 4º, da Constituição da República, e a autoaplicabilidade do preceito”), bem como pelo STF na AO 1773 MC/DF, agora é inquestionável a existência não apenas de uma unidade de lotação, mas sobretudo de um órgão julgador para cada cargo de juiz federal, titular ou substituto, criado por lei.

O juiz federal substituto, assim como o titular, não é um servidor a mais da vara em que atua, mas sobretudo um órgão julgador, com competência exclusiva e limitada aos processos a ele distribuídos. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região prevê expressamente em seu Regimento Interno a existência de conflitos de competência entre juízes federais e juízes federais substitutos:

Art. 16. Compete às Turmas Especializadas, no âmbito de suas respectivas especializações processar e julgar: (…)

V – os conflitos de competência entre Juízes Federais, Juízes Federais Substitutos e entre aqueles e estes e Juízes de Direito investidos de jurisdição federal;


 

 

Por óbvio que, se há conflito, não é administrativo, e sim jurisdicional, devendo ser dirimido à luz das normas processuais cogentes que definem e limitam a área de atuação de cada juiz, mesmo que lotados no mesmo órgão judiciário. Neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. BINGO. JOGO DE AZAR. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. AJUIZAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IDENTIDADE DE UMA DAS PARTES, DE OBJETO E DE CAUSA DE PEDIR. CONEXÃO. CONFLITO ENTRE JUIZ TITULAR E JUIZ SUBSTITUTO DA MESMA VARA. NORMAS PROCESSUAIS SOBRE CONFLITO DE COMPETÊNCIA. APLICAÇÃO EXTENSIVA. COMPETÊNCIA DO JUIZ TITULAR (SUSCITANTE).

1. Há entre as ações identidade de uma das partes (Barra Bingo Administradora e Serviços Ltda.), de objeto e de causa de pedir, o que implica possibilidade de decisões contraditórias, pois, conforme fundamentou o Ministério Público Federal, na condição de custos legis em ambas as ações, “o argumento central é a vedação da prática dos jogos de bingo ou dos jogos de azar além da violação de direitos difusos, particularmente do consumidor, sob o ponto de vista material e moral”.

2. Tais pontos de convergência significam conexão.

3. Às disputas de competência, positivas ou negativas, entre juiz titular e juiz substituto da mesma Vara aplicam-se, por extensão, as normas processuais relativas a conflito de competência.

4. Conheço do conflito para declarar competente a juíza titular da 6ª Vara/BA, suscitante, à qual cabe, inclusive, tomar providências decorrente do fato de não haver na ação civil pública n. 2008.33.00.003729-5, ao que parece, parte que justifique a competência da Justiça Federal (cf. art. 109, I, da Constituição) e não estar a competência especializada da Justiça Federal sujeita a modificação em virtude de conexão. (TRF da 1ª Região, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, e-DJF 09.10.09, p. 190).

A Corregedoria Geral da Justiça Federal, examinando de forma oficial a questão, deixou claro os limites da função ordinária do juiz, conforme voto proferido pelo ministro Arnaldo Esteves Lima no PPN 2013/0052/CJF, hoje PL 7.717/14:

“O ofício do juiz é prestar jurisdição no cargo por ele assumido – juiz federal ou juiz federal substituto – e na unidade jurisdicional em que foi lotado; para este trabalho ordinariamente assumido recebe o equivalente subsídio legalmente estabelecido.

No primeiro grau, o acúmulo da função jurisdicional decorre, na mesma vara, na assunção do acervo processual do juiz federal substituto pelo juiz federal, na ausência daquele, ou, o inverso, quando na ausência deste. Em ambas as hipóteses, o juiz assume a titularidade plena da vara e, consequentemente, trabalha também em outro acervo, diverso daquele assumido quando tomou posse no seu cargo. (…) (sem negrito no texto oficial).”

Necessário agora analisar as razões do veto promovido pela Presidência da República ao artigo 17 da Lei 13.024/2014, uma vez que há implicações processuais que podem advir dos motivos explicitados para não sanção, pelo chefe do Executivo, de norma aprovada pelo Parlamento Nacional. O veto foi motivado, vinculando-se às razões invocadas. Não se trata de uma questão política, mas essencialmente jurídica.

O artigo 17 da Lei 13.024/14 foi vetado não porque fosse inconstitucional; ou porque instituiria uma retribuição por trabalho extra inexistente; ou um bis in idem, pois o subsídio pago em parcela único já o abrangeria; tampouco porque estaria em desacordo com a Loman. O único argumento utilizado pela presidente da República para vetá-lo foi ausência de previsão orçamentária, apesar de constar explicitamente no seu parágrafo único que as despesas correriam “à conta das dotações consignadas ao Poder Judiciário da União”.

Foi uma opção estritamente política e infeliz da presidente da República, pois o PL 2.201/2011, que criaria a gratificação por acumulação na magistratura federal, estava exatamente na mesma situação da Lei 12.855/2013, regularmente sancionada, que criou indenização por atuação em zonas fronteiras na Polícia Federal. Ou seja, em ambas as proposições legislativas não havia autorização específica no Anexo V da Lei Orçamentária do ano em que foi editada. Uma diferença peculiar é que, no projeto que criava a gratificação de acúmulo na Justiça Federal, havia como fazer remanejamento de verbas, da mesma natureza, já previstas peça orçamentária, sem aumento de despesas.

Se o cargo de juiz substituto existe, foi criado por lei e está vago, a despesa a ele destinada está obrigatoriamente prevista no orçamento, razão pela qual não se sustenta o argumento de que não há verba para pagar quem exerce as suas funções, enquanto permanece a vacância. Aliás, uma despesa tende a anular uma a outra, pois na medida em que os cargos de juiz federal substituto vão sendo providos, diminui a necessidade de se pagar gratificação por acúmulo de acervos. A despesa está prevista no orçamento, mas com outro nome. Enquanto o cargo de juiz substituto não é provido, sobra todo ano. O errado seria, e não faria sentido algum, é previsão de duas despesas no orçamento, da mesma natureza (pagamento de pessoal), com nomes diferentes (rubricas), para o Estado arcar com o custo de prestação do mesmo serviço, independentemente de quem o preste. Era o caso de mero remanejamento de verbas, sem criar despesa nova. Neste sentido o CJF-PPN-2013/52:

“Destacamos que, considerando-se que a hipótese do pagamento da gratificação pelo acúmulo de juízo ou acervo, de acordo com as premissas apresentadas, Somente ocorrerá se houver cargo de juiz de 1º grau vago. Deduz-se que para cada provimento uma gratificação deixará de ser paga.

Para o exercício financeiro corrente, a Lei Orçamentária de 2014 consignou à Justiça Federal o montante de R$ 112,7 milhões para provimento desses cargos até dezembro de 2014.

Como, segundo os cálculos efetuados acima, a estimativa com gastos da gratificação seria da ordem de R$ 42,5 milhões (cenário 1) ou de R$ 21,2 milhões (cenário 2). Tais valores seriam absorvidos pelo saldo não utilizado pelas não nomeações de cargos vagos, motivo do pagamento da vantagem, não gerando assim aumento do impacto orçamentário previsto para 2014.” (negritou-se)

De qualquer modo, mesmo que tivesse razão a presidente da República numa visão simplória, formalista, não abrangente do orçamento público, seria incompreensível haver dotação orçamentária para pagamento de função coadjuvante à prestação jurisdicional, pois o ministério público atua em uma fração mínima dos processos, e não para a própria prestação jurisdicional. O STF, interpretando o disposto no artigo 39, parágrafo 1º, da Constituição de 1988, já firmou posição de que não é possível que qualquer outro agente ou servidor público perceba remuneração superior aos membros do Poder Judiciário (ADI 4.822), sendo certo que o veto agravou a situação de inferioridade remuneratória hoje existente entre a magistratura da União e MPU.

Sob o prisma de uma boa administração judiciária, a acumulação de acervos não deve ser prodigalizada. Ela é nefasta para os próprios jurisdicionados, que verão seus processos tramitarem sem a celeridade que a Constituição impõe (artigo 5º, inciso LXXVIII), pois o trabalho a cargo de dois juízes é entregue a um só. Por mais laborioso que seja um juiz não consegue trabalhar por dois laboriosos juízes.

Fazendo uma comparação, a situação é equivalente à reunião de duas turmas de alunos sob a regência de um só professor, quando outro adoece ou se aposenta. Ou a absorção de demanda de pacientes de um pronto socorro quando um dos médicos falta ao plantão, ou simplesmente se demite. São situações excepcionais e provisórias que admitem o acúmulo de funções, mas que não podem se tornar regra geral, sob pena de sacrificar alunos, pacientes e jurisdicionados.

Diante da necessidade de continuidade de serviço público essencial, e carência crônica de juízes, é até possível a acumulação, bastando um simples ato de designação formal, sendo irrelevante, para sua validade processual, que seja remunerada ou não. Entretanto, o magistrado pode aceitá-la ou não. Esta acumulação não é coercitiva, a ponto de obrigar ao juiz, bem como a qualquer trabalhador, seja um lavrador, um professor, ou um médico, a atuar sem retribuição adequada. Nosso ordenamento proíbe, em regra, a prestação de serviços públicos gratuitos (artigo 4º da Lei 8.112/90), ao mesmo tempo em que não admite trabalho forçado, sendo tipificado como crime reduzir de alguém à condição análoga de escravo (artigo 149 do Código Penal).

Ao juiz também deve ser assegurado o direito de não acumular trabalho que não é original nem legalmente seu. O magistrado é um ser humano e pode simplesmente estar exausto, no limite de sua capacidade laborativa. Não por outro motivo, o CNJ criou uma Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados, com o propósito de preservar a saúde física e mental dos juízes: “A iniciativa do CNJ de sugerir medidas para promover a saúde de magistrados e servidores partiu de informações dos tribunais de que teria aumentado a incidência de doenças físicas e emocionais relacionadas com o ambiente e as condições do trabalho. O resultado é o afastamento temporário do trabalho e, até mesmo, aposentadorias por invalidez.”.[3]

Por fim, algumas notas metajurídicas. A observância das regras processuais cogentes não causaria um colapso na gestão da máquina judiciária. Bastaria que os cargos atualmente providos fossem equanimemente distribuídos, no tempo (escalas de revezamento) e no espaço (há regiões, na mesma seção judiciária, onde 100% dos cargos de juiz substitutos estão providos, e outras com apenas 40%), até que sejam realizados concursos para provimento dos cargos vagos. Outra medida, antes de se falar em colapso, seria evitar a requisição de juízes federais e substitutos para função de auxílio e administrativas nos TRF´s e Tribunais Superiores. Embora exerçam relevantes e importantes funções, esta prática, cada vez mais comum, sobrecarrega a atividade judicante no primeiro grau de jurisdição.


[1] É exatamente este o tratamento que dá a questão o artigo 94 da Consolidação das Normas da Corregedoria da 2ª Região da Justiça Federal:

Art. 100. O Juiz Titular e o Juiz Substituto, lotados no mesmo juízo, substituir-se-ão automática e reciprocamente nos respectivos períodos de férias, afastamentos, convocações e licenças. (…)

Art. 96. A substituição automática prevista nesta Consolidação de Normas, à exceção das ausências ocasionais, dependerá da prévia expedição do ato de autorização do afastamento, pela Corregedoria Regional ou pelo Setor do Tribunal Regional Federal competente, especialmente nos casos de licença médica. (…)

§ 2º. A substituição automática restringir-se-á à apreciação de casos de urgência, quando não for possível aguardar o retorno do magistrado e houver risco de lesão ou perecimento do direito alegado.

[2] A ressalva não infirma a regra da prévia distribuição, pelo contrário, a reforça. Diz respeito a juízes onde há mais de dois juízes lotados no mesmo juízo: “X – Nas Varas especializadas em Juizados Especiais Federais em que mais de dois Juízes concorram pela distribuição, o sistema processual manterá classificação uniforme em toda a Primeira Região da seguinte forma: Juiz Federal, Juiz Federal Substituto, Juiz Federal Substituto Auxiliar1, Juiz Federal Substituto Auxiliar2 e assim sucessivamente.”

[3] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28534:grupo-de-trabalho-discute-politica-nacional-para-saude-de-magistrados -e-servidores

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!