Recurso eleitoral

"Justiça eleitoral virou uma espécie de terceiro turno das eleições"

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12 de outubro de 2014, 10h00

Spacca
A legislação eleitoral no Brasil traz tantos recursos e procedimentos que quando acaba uma eleição, há três ou quatro formas diferentes para impugnar a diplomação de um candidato. Isso transformou o tribunal eleitoral em uma espécie de terceiro turno: o turno judiciário. A explicação é do criminalista Eduardo Muylaert, que já foi juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo de 2002 a 2007.

Defensor da liberdade de expressão, o criminalista afirma que o candidato tem o direito de fazer uma interpretação sobre qualquer assunto em suas campanhas eleitorais, o que não pode ser visto como calúnia ou difamação de seus concorrentes. E, segundo ele, a Justiça Eleitoral é impotente para julgar o conteúdo da mensagem eleitoral, “a não ser que seja uma coisa grosseira ou que seja um fato inverídico”.

Julgar a expressão do pensamento, aliás, não deve ser missão do Judiciário na opinião do advogado. “O juiz não é crítico de arte. Quem diz se o humor é bom ou ruim é o público. O humor é livre e tem dignidade constitucional. Não é feito para ser politicamente correto e nem socialmente correto.”

Muylaert é contrário ao uso do Direito Criminal para julgar o humor no Brasil. “Enquanto o humorista estiver dentro do limite da liberdade de expressão, pode falar o que quiser e pessoas o xingam de volta. Faz parte do diálogo. É lógico que há ofensas, mas ofender para difamar ou caluniar continua sendo crime, no humor ou na esfera pessoal”, afirmou, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Do tempo em que foi Secretário da Justiça e da Segurança Pública do estado de São Paulo (1986 e 1987) para agora, Muylaert não cita grandes mudanças, com exceção da Polícia Federal. “A Polícia Federal melhorou muito. Hoje, é uma polícia séria e correta, com boa capacidade de apuração.”

Eduardo Muylaert é conhecido também pelas fotos que tira. Após se formar em Direito pela Universidade de São Paulo em 1968, passou um tempo em Paris na França. Lá, além de estudar Direito Público, liberdades públicas e ciência política, trouxe pra casa fotografias da cidade. Anos depois, as imagens foram publicadas no livro “As letras da lei”, da editora Casa da Palavra. A obra reúne grandes nomes do Direito brasileiro como Miguel Reale Júnior, Eros Grau e José Renato Nalini. Em contos fictícios, eles abordam temas do universo jurídico, direta ou indiretamente.

Publicou ainda o livro O espírito dos lugares, Boa noite, Paulicéia!, e Mulheres dos Outros e tem obras no acervo da Pinacoteca e do Museu de Arte Moderna (MAM-SP). É comentarista do Jornal da Cultura e atuou ainda como professor associado da FGC Direito Rio. Foi professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, Conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo e da OAB-SP e procurador do estado de São Paulo.

Leia a entrevista:

ConJur — Como está a situação do humor no Brasil? Qual a sua opinião sobre o politicamente correto?
Eduardo Muylaert — Eu cito a questão do humor dentro da questão da liberdade de expressão do pensamento. O humor não é feito para ser politicamente correto e nem socialmente correto. Uma das armas do humor é o choque. O humor é feito para chocar, para contestar. E ele é engraçado porque vira situações de cabeça para baixo e com isso denuncia situações com as quais normalmente estamos acostumados. Mas, o que acontece também é que há algumas áreas que vão chegando perto da ofensa de valores ou a pessoas. E aí há um conflito entre dois valores constitucionais, que é o valor a liberdade de expressão e o valor, por um lado da privacidade, mas por outro lado do direito da dignidade humana.

ConJur — O Judiciário pode julgar o humor e a arte?
Eduardo Muylaert — Quem vai dizer que a piada é de mau gosto ou bom gosto é o telespectador. Ele vai deixar de assistir o humorista ou informar a emissora sobre a sua opinião. Agora, usar o Direito Criminal é um salto muito grande. E o Judiciário tem as atitudes sábias. Enquanto o humorista estiver dentro do limite da liberdade de expressão, pode falar o que quiser e as pessoas o xingam de volta. Faz parte do diálogo. É lógico que há ofensas, mas ofender para difamar ou caluniar continua sendo crime, no humor ou no pessoal.

ConJur — Mas qual é o limite da liberdade de expressão? Como não ultrapassar?
Eduardo Muylaert — Eu diria que vale a máxima que os franceses usam para definir o que é elegância: a elegância consiste em saber até onde você pode ir longe demais.

ConJur — Em questão eleitoral, a divulgação de fato inverídico é proibida. Mas, a opinião e interpretação de um candidato não podem ser consideradas crime. Qual a sua opinião sobre isso?
Eduardo Muylaert — O candidato tem o direito de fazer uma interpretação. A gente vê as coisas mais absurdas na televisão. Eu, especialmente, fico revoltado quando vejo o candidato Paulo Maluf. Ao meu ver, quem tem o registro indeferido deveria ficar fora da propaganda eleitoral. Por exemplo, eu estava no governo que sucedeu Maluf e a Rota estava destroçada, não tinha gasolina para os carros rodarem, não tinha pneu. Então, dizer que a Rota estava na rua é uma evidente distorção da verdade, é a constituição de uma imagem falsa, que é uma tentativa de iludir o eleitor. Desde os anos de 1950, alguns autores já mostravam como fazer a opinião com dez dicas, que foram usadas também pelo fascismo. “Você cria um inimigo, simplifica, ataca, agride”. A Justiça Eleitoral é impotente para julgar o conteúdo da mensagem eleitoral, a não ser que seja uma coisa grosseira ou que seja um fato inverídico.

ConJur — O Judiciário ainda não está uniforme em relação à censura e muitas juízes não aceitam o argumento pela liberdade de expressão..
Eduardo Muylaert — O Judiciário não é um bloco unitário. Mas, a parte melhor do Judiciário, a mais madura, entende perfeitamente esse argumento. Às vezes, o juiz de menos experiência se assusta com a magnitude da questão, ou com a importância da pessoa envolvida e libera. Mas a tendência é que os tribunais, o STJ e em último caso o Supremo, não aceitem a censura e nem a censura judicial.

ConJur — Qual o papel da Justiça nas eleições?
Eduardo Muylaert — É manter a eleição dentro dos limites. A Justiça Eleitoral já tem uma infinidade de tarefas que vai desde o registro do candidato, organização da eleição, fiscalização da propaganda, fiscalização dos atos abusivos, a diplomação dos candidatos. O juiz eleitoral não é crítico de arte, não é cientista político para fazer críticas. Ele só vê se o debate está dentro das regras, quando extrapola, o debate "corre solto". E talvez isso seja bom para a democracia.

ConJur — Como evitar que as restrições à campanha antecipada não ofendam a liberdade de imprensa e de expressão?
Eduardo Muylaert — Há um certo cinismo na questão da propaganda antecipada. Os candidatos têm de fingir que não são candidatos até o mês de julho. A ideia da legislação, principalmente antes do tempo da televisão e das redes sociais, era só desencadear a campanha propriamente dita depois de julho, muito próximo da eleição. Mas eu acho que isso está superado historicamente. Deve-se segurar a propaganda paga no período anterior, mas não a declaração de candidaturas, a comunicação, as redes sociais, até para melhorar o processo.

ConJur — Deveria haver propaganda partidária em ano de eleição?
Eduardo Muylaert — Propaganda partidária é o que o partido tem que fazer quando não pode fazer propaganda eleitoral. É obvio que no ano eleitoral o partido usa a propaganda partidária para fazer a propaganda eleitoral e aí vem as sanções do Tribunal Superior Eleitoral. Mas eles fazem um cálculo de custo beneficio e, pelo jeito, vale a pena. Eu acho que em ano de eleição não tem que ter propaganda partidária. 

ConJur — Por que?
Eduardo Muylaert — A legislação eleitoral no Brasil foi estratificada em muitas camadas. Há o Código Eleitoral que é dos anos 60, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Inelegibilidade de 1990, criando inclusive procedimentos, a Lei das Eleições de 1994, e ainda houveram várias reformas. Então, eles foram superpondo recursos e procedimentos que quando acaba uma eleição hoje, há três ou quatro formas diferentes para impugnar a diplomação de um candidato, o que transforma o tribunal eleitoral na espécie de um terceiro turno, que é o turno judiciário, que é tentar ganhar no Judiciário o que não ganhou na urna.

ConJur — Como está sendo o comportamento da Justiça Eleitoral de modo geral este ano?
Eduardo Muylaert — Ela está sendo liberal, está respeitando as divergências de opinião, não é restritiva com a imprensa, não está sendo restritiva com a propaganda. Então, é de um profundo bom senso. O que de alguma maneira foi mudando, porque havia uma postura muito de "diretor de escola", querendo colocar a classe em fila. Agora não, eles [juízes eleitorais] estão convivendo com as situações.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010)?
Eduardo Muylaert —
Eu fui mudando a minha opinião sobre a Lei da Ficha Limpa. Com a minha formação de jurista, eu tinha uma concepção bastante liberal dizendo o seguinte: “Quem decide a eleição é o eleitor. Não deve haver um filtro prévio”. Mas aí eu comecei a pensar na questão da moralidade administrativa e vendo que, realmente, a própria Constituição exige um critério de probidade para exercer um cargo público. Então, se exige-se a Ficha Limpa para contratar garçom, contador, secretária, por que o país não tem direito de exigir a ficha para escolher um candidato a um cargo eletivo, que vai ser um funcionário público remunerado por nós? Então, hoje em dia, eu sou totalmente favorável a Lei da Ficha Limpa, e sou até a favor de uma aplicação mais implacável.

ConJur — Em que sentido?
Eduardo Muylaert — Em relação aos candidatos que depois de serem afastados, por causa da Ficha Limpa, colocam as mulheres para concorrer a eleição no lugar deles. Isso é uma imoralidade. Eu defendo que as parentes de chefe do executivo não podem concorrer na eleição. A Lei da Ficha Limpa não colocou isso, mas eu acho que deveria colocar, e o eleitor tem de prestar atenção em mulher de “ficha suja”.

ConJur — O que a Lei da Ficha Limpa mostrou em relação a moralidade pública?
Eduardo Muylaert — A lei mostrou que o Congresso nunca faz nada que prejudique o parlamentar, o político, o profissional. Foi uma lei, talvez um caso raro no Brasil, a única lei de iniciativa popular. Quer dizer, precisou o povo “puxar a orelha” do Congresso e preparar uma lei votada debaixo de pressão social impedindo quem tem condenação em segundo grau de concorrer eleição. Então, exclui as pessoas que estão notoriamente comprometidas. E eu ainda acho que se o candidato for pego na “ficha limpa” tem de ser excluído do procedimento desde logo. Se um dia ele conseguir reverter a situação, ele vai concorrer na outra eleição. Mas, se o candidato  está condenado em segundo grau, teve o registro indeferido no TRE e no TSE, a menos que ele consiga uma liminar do Supremo, ele não pode concorrer.

ConJur — O Ministério Público interfere demais nas eleições?
Eduardo Muylaert — Não. O Ministério Público é um protagonista do processo eleitoral. É ele o encarregado de fiscalizar todo o processo eleitoral. Claro que há exceções, há locais do Ministério Público onde eles são muito exagerados na repressão. Mas aí cabe ao judiciário equilibrar nas suas decisões.

ConJur — Qual a diferença entre informação e propaganda? Onde elas se dividem?
Eduardo Muylaert — Informação, tecnicamente, como está consagrada até na Constituição, é o direito basicamente atribuído à imprensa, ao rádio, à televisão e por esses canais destinados ao cidadão para transmitir a descrição e uma visão crítica dos acontecimentos. Isso tem absoluta proteção constitucional e é ligada exatamente a liberdade de expressão. Já a propaganda é um método de convencimento que normalmente visa um fim comercial. Ela quer te convencer que um produto é bom, e que quando é aplicada para fase eleitoral, em geral com as mesmas técnicas, quer vender um candidato. Então, na verdade a propaganda é o pedido de voto que se diferencia da informação.

ConJur — O julgamento de crimes na Justiça Eleitoral é mais eficiente?
Eduardo Muylaert — Tudo na Justiça Eleitoral é mais eficiente por causa dos prazos. Aliás, a Justiça Eleitoral pode servir como um modelo de experiência para a Justiça comum. Por exemplo, há um prazo para o candidato pedir o registro, outro prazo muito curto para Justiça Eleitoral julgar e mais um prazo muito curto para o candidato recorrer. Isso tudo para que, quando chegar perto da eleição, não haja questão sobre o registro. E, na época de eleição, os prazos correm em cartório, são contínuos, correm sábado, domingo e feriado. Em matéria de crime, há sempre um pouco mais de procrastinação por causa das exigências ao direito de defesa e, as vezes, o recursos para os tribunais superiores demoram nas questões mais complexas. Mas mesmo assim, eu diria que é uma justiça exemplar com alguns problemas que podem ser melhorados.

ConJur — As penas alternativas e a redução da pena de prisão ainda podem ser consideradas soluções para amenizar a criminalidade no país?
Eduardo Muylaert — Nós lidamos com a violência e a criminalidade em um sistema totalmente ineficiente e comprometido. Aumentar as penas é a maior estupidez. Quais são as incongruências no sistema criminal no Brasil? Primeiro, 50 % dos presos no Brasil são presos provisórios, que não foram julgados, então, na verdade, estão lá como antecipação de punição. O que já é uma situação anômala. Os outros 50% estão acumulados em estabelecimentos grotescamente superlotados. Eu ouço todo mundo dizendo: “O preso tinha de trabalhar.” O preso também acha que tinha que trabalhar, só que não tem espaço, não tem equipamento, não tem formação, salvo raro e honrosas exceções. O sistema penitenciário já está super lotado, se aumentarem as penas e as prisões não haverá lugar para colocar todo preso.

ConJur — Algum país apresenta um modelo prisional que funcionaria no Brasil?
Eduardo Muylaert — Eu acho o modelo teórico americano dos três “s” (Sharp, Short and Shock / Nítido, rápido e evidente) o mais interessante. Ou seja, a pessoa que cometeu um crime é presa, julgada e recebe uma pena curta de um ano. Depois desse ano, ela vai pensar duas vezes em reincidir e cumprir dois ou quatro anos de prisão. Não precisa condená-lo a 25 anos, para ele cumprir dois e depois passar para o semi-aberto. E com isso, esvaziaria um pouco os presídios. Eu acho que precisaria diminuir as penas, aplicar mais penas alternativas, muita pena pecuniária, pena de restrição de direito e ao mesmo tempo dinamizar a apuração e o judiciário. Porque hoje em dia, o risco de ser pego vale a pena, é um risco de 1%, é uma belíssima aposta. Não há nenhuma loteria no mundo que tenha uma margem de risco tão baixa. É preciso melhorar a apuração, mas com julgamento e com uma pena mais curta para ter um sistema novo, mas inteligente, um sistema funcional.

ConJur — O trabalho no presídio é tido como uma forma de ressocializar o preso. Mas esse trabalho é efetivo? A crítica é, o que o preso faz na cadeira, não vai usar nunca mais.
Eduardo Muylaert — Sabe qual é o maior castigo para o preso? A ociosidade. Deixar uma pessoa trancada 24 horas por dia em uma cela lotada sem nada para fazer é um inferno. Um dia no futuro vão ver o estado das nossas prisões e vão dizer: “Nossa! Como é que essa gente convivia com isso?” É o que a gente fala sobre a escravatura: “Como deixavam essa gente na senzala amarrada em ferro?” Nossas prisões são piores que as medievais. O sistema de trabalho é um local para que a pessoa não fique ociosa, ela tem um lugar pra dormir e para trabalhar. Isso pode ser feito em parceria com a iniciativa privada e que haja treinamento para que a pessoa tenha um ofício. Com isso, pelo menos uma parte das pessoas, poderiam conseguir um emprego. Hoje em dia, o sujeito sai da prisão marginalizado e ninguém quer empregá-lo. É normal não querer. Há um excesso de mão de obra no mercado, e o empregador vai escolher o que acha que vai te dar problema? Não vai.

ConJur — Desde quando o doutor foi secretário de segurança em São Paulo houve alguma evolução até hoje?
Eduardo Muylaert — Muito pequenas. Os problemas são os mesmos, se amplificaram, a violência vem aumentando e estamos em uma situação bastante difícil nessa área. Mas há algumas melhorias. A Polícia Federal melhorou muito. Hoje é uma polícia séria e correta, com boa capacidade de apuração. Agora, no resto, no sistema de segurança pública eu não sinto grande melhoria. Eu acho que os problemas se multiplicaram, as rivalidades continuam, as guardas municipais ainda não são bem aproveitadas.

ConJur — Como o senhor avalia a lei dos crimes contra o sistema financeiro?
Eduardo Muylaert — É uma lei que precisaria de revisão. Ela tem alguns pontos que são muito positivos, como por exemplo, a criminalização de quem manteve depósitos no exterior sem declarar é uma questão superada. Muitos brasileiros tinham medo que o governo tomasse o seu dinheiro de novo e o colocou no exterior sem declarar, porque se declarasse poderia ser obrigado a repatriar. Havia uma grande informalidade no câmbio, e hoje em dia o sistema financeiro adquiriu um contorno muito mais moderno, é tudo controlado, e muita gente tem essa "batata quente" na mão: Elas têm o dinheiro lá fora e não se oporiam a pagar multa ou imposto para ter legitimidade para usar o seu dinheiro. Seria preciso fazer um filtro e ver quem tem origem, quem vai pagar o imposto. Outros países como a Itália, Suíça, França já fizeram isso, com sucesso maior ou menor. Eu acho que isso deveria ser uma preocupação central no próximo governo, mas acaba sendo instrumento de perseguição, de chantagem.

ConJur — Em relação a qualidade de investigação no Brasil, por que as clamorosas operações dos últimos anos foram trancadas?
Eduardo Muylaert — Há duas questões: A primeira é que, em um determinado momento, houveram abusos no poder de investigação, ou seja, algumas investigações foram feitas quebrando regras. Hoje em dia, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal estão muito mais treinados para fazer as operações bem feitas e não provocar nulidades — que antes deram pretexto para derrubar algumas operações. Além disso, em algumas operações houve uma pressão muito grande por parte de interesses econômicos e por parte do próprio governo em que a justiça superestimasse essas irregularidades para anular a operação e evitar que houvesse um aprofundamento. Depois disso, nós tivemos dois episódios, que é o mensalão e agora o episódio Petrobras que mostraram que havia ramificações muito profundas e muito próximas do governo em relação a desvio de dinheiro. 

ConJur — E em relação ao crime organizado, o senhor concorda que com o crescimento do combate ao crime organizado, o direito de defesa foi rebaixado?
Eduardo Muylaert — Concordo. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Depois do 11 de setembro, por exemplo, levantou-se uma suspeita universal e acabou a ideia de privacidade. Hoje podemos estar sendo espionados pela NSA americana no meu celular ou no seu gravador, não há mais respeito a isso. Nos Estados Unidos liberou tortura em um determinado momento, agora eles discutem qual a palavra que vão usar, se é um "interrogatório com pressão". Mas é tortura, é uma vergonha. No mundo inteiro as leis foram restringidas de liberdade. O Brasil ainda tem uma esfera de proteção. A interceptação telefônica legal, a que serve para embasar um processo, tem que depender de autorização do Judiciário, ter prazo certo. É uma garantia. As garantias em relação a prisão provisória são razoáveis. A lei da pena alternativa é razoável. O Judiciário ainda é tímido em aplicar penas alternativas, e continua usando muito a prisão cautelar, a prisão provisória. O juiz ainda mantém um pouco o jeito como vinha trabalhando. É difícil mudar os hábitos.

ConJur — A dificuldade se dá por medo ou por receio?
Eduardo Muylaert — Não é medo. É muito difícil as pessoas mudarem o seu modo de ver as coisas. Então, há alguns que adaptam facilmente e outros que resistem muito a mudança.

ConJur — Como o senhor avalia a atuação das varas especializadas em crimes financeiros?
Eduardo Muylaert — Hoje em dia são varas que trabalham muito bem. Houveram abusos em alguns momentos, que eu não vou citar nomes e nem fatos, mas eu acho que estamos trabalhando muito bem. Inclusive o próprio juiz Sérgio Moro, na operação lava jato, está dando um exemplo de competência e de cuidado.

ConJur — A especialização das varas é necessária?
Eduardo Muylaert — É uma experiência e ela é útil. Há inclusive planos no estado de São Paulo de criação de uma justiça agrária, da justiça estadual. E eu acho que a especialização das varas de família, por exemplo, é uma coisa muito tradicional. É preciso acabar com aquele mito que o juiz é um homem que sabe tudo, que julga qualquer coisa, em um mundo tão fracionado, com tanta especialização, se ele não conhecer a fundo aquilo ele não consegue.

ConJur — Na visão do outro lado, não do juiz, mas do advogado, essa especialização contribui para a celeridade e para um voto mais especifico?
Eduardo Muylaert — Com certeza, porque o juiz tem um repertório, ele pode julgar contra você, mas ele sabe o que ele está fazendo. Ele não está ali de passagem, de paraquedista.

ConJur — Uma crítica recorrente é que a primeira instância é uma instância de teste…
Eduardo Muylaert — A primeira instância erra muito. Os juízes do segundo grau reclamam que recebem muito agravo. Acontece que metade das decisões de primeiro grau que vão para o tribunal são reformadas. Isso é um sinal de alerta. Por outro lado, alguns tribunais regionais federais são extremamente rígidos e o advogado só consegue uma decisão razoável deles indo ao Superior Tribunal de Justiça, quer dizer, ele te obriga ao Recurso Especial, ao Recurso Ordinário.

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