Obrigação do advogado

Não ajuizar ação quando jurisprudência é a favor gera dever de indenizar cliente

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11 de outubro de 2014, 4h04

Cliente que deixa de ter ganhos financeiros graças à comprovada desídia do seu advogado tem direito à reparação material, pois essa situação caracteriza a chamada "perda de uma chance". O artigo 667, caput, do Código Civil, diz que o mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência na execução do mandato e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer.

Com esse entendimento, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que condenou um escritório de advocacia de Caxias do Sul a pagar dano material a uma ex-cliente, por deixar de ajuizar a sua ação por considerá-la desvantajosa. O escritório não avisou a cliente, nem fez o distrato do contrato de honorários.

O relator do recurso na corte, desembargador Paulo Sérgio Scarparo, afirmou no acórdão que incumbia ao advogado o dever de informar e orientar sua cliente, dando-lhe plena ciência não só da rescisão unilateral do contrato, mas também informando sobre a melhor forma possível acerca da defesa de seus interesses. ‘‘Ocorre que, em que pese a parte ré alegar que tomou tal providência, a análise dos autos conduz à conclusão oposta’’, observou.

Scarparo destacou que a probabilidade de a parte autora conseguir êxito com o ajuizamento da ação, considerando a época em que deveria ter sido ajuizada, bem como a orientação jurisprudencial majoritária em vigência, era muito grande, quase certa. ‘‘Nesse contexto, tem-se caracterizada a conduta ilícita que conduziu, sim, à perda de uma chance’’, concluiu. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 28 de agosto.

A autora narrou na inicial do pedido de indenização que, em março de 1999, contratou o escritório de advocacia para ajuizar duas ações de subscrição de ações nos contratos de participação financeira contra a extinta Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Uma das ações foi proposta, mas a segunda não. Como não foi informada da decisão do escritório, exigiu indenização por danos morais e materiais, em função da perda de uma chance devido ao não-ajuizamento da segunda demanda.

O escritório informou, nos autos, que vinha optando por não ajuizar esse tipo de ação após 1999, já que goza de independência técnica para avaliar as chances de êxito. Destacou, ainda, que não houve perecimento do direito, uma vez que a ação contra a Brasil Telecom ainda não prescreveu, mas que não há certeza quanto ao sucesso da demanda.

Sentença procedente
A juíza substituta Sílvia Muradás Fiori, da 6ª Vara Cível da Comarca de Caxias do Sul, disse que, primeiro, deveria ser feito um juízo de probabilidade, para verificar se o êxito da demanda a ser ajuizada era mais do que uma mera possibilidade — e sim possibilidade concreta.

No caso concreto, a juíza observou que na época da contratação dos serviços jurídicos, a jurisprudência era favorável aos assinantes de contratos de participação financeira com as empresas de telefonia, que estavam sendo privatizadas. Eles tinham direito à subscrição de ações pelo valor unitário da ação, conforme balanço patrimonial do exercício anterior à integralização do valor do contrato. A quantidade de ações, por sua vez, era obtida mediante a divisão do valor integralizado pelo valor unitário da ação, conforme balanço social anterior.

Entretanto, discorreu na sentença, o cenário mudou a partir de 2007, quando o Superior Tribunal de Justiça passou a adotar tese mais favorável às telefônicas — no caso, a Brasil Telecom, que arrematou a CRT em leilão. Ou seja, a jurisprudência passou a sinalizar que a subscrição das ações deveria obedecer ao valor patrimonial da ação no mês da integralização, sendo o valor patrimonial da ação definido com base no balancete mensal aprovado. Tal entendimento resultou na edição da Súmula 371, aplicada até os dias atuais.

Nessa linha raciocínio, a julgadora entendeu que existia uma probabilidade que tangenciava a certeza quanto ao êxito da demanda. Um dos argumentos é que o escritório de advocacia obteve êxito judicial num dos contratos da CRT, pertencente à família da autora. Além disso, os precedentes que instruíram a petição inicial comprovam que, na época em que foi firmado o contrato de honorários, a jurisprudência era favorável à autora, sendo os contratos não-discrepantes. Assim, a falta de zelo do advogado resultou na perda da possibilidade dela em receber uma maior quantidade de ações da Brasil Telecom.

Pelo conjunto da obra, a juíza entendeu como caracterizada a falha na prestação dos serviços de advocacia, ocorrendo a hipótese prevista no artigo 667, caput, do Código Civil de 2002. Diz o dispositivo: “O mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente”.

Na liquidação dos danos, a sentença determinou que a autora, pelas perdas materiais, deveria receber a diferença entre o valor que teria ganho à época dos fatos e aquele que se daria após o ajuizamento da ação, quando teve ciência da inércia do escritório de advocacia. ‘‘Destaco que tal entendimento está de acordo com o sistema de responsabilidade civil contratual preconizado pelos artigos 1.059 e 1.060 do Código Civil de 1916 (atualmente 402/403 do Código de 2002), na medida em que se trata de responsabilidade pela perda de uma chance, decorrente de descumprimento de contrato de mandato’’, justificou. O valor arbitrado: R$ 83 mil, com atualização pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação indenizatória.

Por fim, a juíza negou o pagamento de indenização por dano moral, por entender que o descumprimento do contrato de prestação de serviços teve repercussão apenas patrimonial. ‘‘Vale dizer, não houve qualquer mácula à imagem da autora, nem mesmo ofensa à sua honra’’, concluiu.

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