Acúmulo de funções

Juízes federais suspendem processos para pressionar governo por gratificação

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10 de outubro de 2014, 17h25

Em um ato para pressionar o Executivo, juízes federais estão deixando de julgar todos os processos de acervo acumulado — aqueles que deveriam ser de outro magistrado, mas não foram porque a vaga está aguardando preenchimento. A medida foi aprovada pela maioria dos associados da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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Antônio César Bochenek [Reprodução]De acordo com o presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek (foto), a decisão foi tomada no início de setembro. Segundo ele, dos 1,8 mil magistrados consultados, 83% decidiram por não acumular funções sem receber um pagamento por isso. “Todo trabalho corresponde a uma contraprestação. Se não tem essa contraprestação, o juiz não é obrigado a trabalhar nesse processo”, justifica.

A questão envolve uma briga política entre os juízes federais e o Poder Executivo. O clima pesou depois que a presidente Dilma Rousseff vetou o artigo 17 do PL 2201/11, que negou a gratificação por acumulo de função aos magistrados federais, concedendo o benefício apenas aos membros do Ministério Público. Além disso houve o corte do Poder Executivo ao orçamento do Poder Judiciário.

“É preciso acabar com essa discrepância de tratamentos. O Ministério Público trabalha menos e recebe valores maiores. Com a gratificação, o valor recebido pode ultrapassar o dos ministros do Supremo e não há nada que justifique isso”, afirma Bochenek.

De acordo com o presidente da Ajufe, o objetivo dos associados com estes atos é pressionar o poder Executivo para que seja aprovado o adicional por acúmulo de função, além da aprovação do orçamento do Judiciário, sem os cortes feitos pela presidente Dilma.

Trabalho escravo
No Rio de Janeiro, ao menos três magistrados usaram os autos para manifestar sua insatisfação. Em despacho do dia 29 de setembro, o juiz Rogério Tobias de Carvalho, da 1ª Vara Federal de Niterói, registrou que, a partir daquela data, somente julgaria os processos pares. Nos processo ímpares, ele despachou justificando a sua atitude.

Ele explica que em cada vara da Justiça Federal há dois cargos de juízes, a do titular e a do substituto. Segundo ele, as normas de organização judiciária federal determinam que os processos pares sejam distribuídos ao juiz titular, enquanto os ímpares vão para o juiz substituto.

“Diante da necessidade de continuidade de serviço público essencial, e carência de juízes, é possível a acumulação, desde que o magistrado com ela concorde, expressa ou tacitamente. Esta acumulação não é coercitiva, a ponto de obrigar o juiz, bem como qualquer trabalhador, a atuar sem retribuição adequada. Nosso ordenamento jurídico, bem como tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, não admitem trabalho forçado, sendo tipificado como crime reduzir de alguém à condição análoga de escravo (artigo 149 do Código Penal)”, registrou o juiz em seu despacho.

De acordo com o juiz, tanto na iniciativa privada, quanto na esfera pública, a retribuição pecuniária por acumulação de funções é regra. “Juízes estaduais, promotores estaduais, defensores públicos, procuradores estaduais, enfim, todos recebem mais por trabalhar mais”, afirma.

A juíza Frana Elizabeth Mendes, da 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e a juíza Simone Bretas, da 2ª Vara de Petrópolis, seguiram o mesmo posicionamento do colega. Suspenderam os processos, afirmando que somente irão julgar os processos de outro acervo nas hipóteses de urgência ou de perecimento de direito.

Clique aqui para ler o despacho do juiz Rogério Tobias de Carvalho.

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