Valores da advocacia

Conferir caráter autoritário ao Quinto Constitucional é erro analítico

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10 de outubro de 2014, 11h33

Colunistas de jornal gozam de irrevogável liberdade, mas, a bem dos leitores, deveriam limitar-se a temas de seu domínio. A temática jurídica e seu entorno são vítimas frequentes de escribas com espaço cativo na mídia. Exemplo perfeito: por ter surgido na Constituição de 1934, quando ideias fascistas ganhavam força mundo afora e também no Brasil, o Quinto Constitucional foi abordado na imprensa como fruto daqueles princípios nada democráticos. Conferir caráter autoritário a um dispositivo que foge ao regramento totalitarista decorre de erro analítico ou confusão histórica. A inserção do Quinto no texto constitucional daquela época foi, isto sim, uma conquista dos constitucionalistas paulistas de 1932.

Desde então, o instituto democrático do Quinto Constitucional tem-se mantido em todas as Cartas Constitucionais, ganhando novos contornos aqui e ali, o último dos quais na Constituição Cidadã de 1988, quando ampliaram-se de três para seis os nomes do componentes das listas preparadas pela OAB e pelo Ministério Público.

Certamente, os escribas da mídia ecoam fontes instaladas em diversas esferas de poder. Há as que, com volúpia corporativista, atribuem ao Quinto Constitucional o condão de escalar “magistrados biônicos”, em infeliz referência aos governadores e prefeitos escolhidos pela ditadura militar. Trata-se de uma visão distorcida, a obnubilar as vistas para o real caráter do Quinto: um dispositivo oxigenador da Justiça e responsável pela humanização dos processos.

Humanista em essência, o advogado, por meio do Quinto Constitucional, empresta ao Judiciário sua experiência de convivência com as agruras do homem comum, sua sensibilidade ante as dificuldades do cidadão, quebrando o hermetismo de magistrados de carreira que, muitas vezes, foram aprovados em concurso antes de abdicarem do sustento paterno. Foi o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, ingresso na magistratura em 1990 pelo Quinto, quem afirmou: “O Quinto Constitucional é um instrumento que traz pluralismo e enriquece o Judiciário. Homenageia o princípio fundamental da Constituição — o pluralismo — em todos os aspectos: político, ideológico, cultural, religioso, filosófico”.

Claro que imperfeições existem, e contribuem para o discurso dos detratores do Quinto Constitucional. Não se pode aceitar, nas seccionais da OAB, qualquer ingerência nepotista durante os trâmites de indicação e escolha dos nomes a compor a lista sêxtupla. As cadeiras reservadas à advocacia no Poder Judiciário não podem servir de acomodação a amigos ou parentes de autoridades, em detrimento dos inúmeros profissionais qualificados para ocupá-las. Portanto, deve ser rígida e criteriosa, como é na OAB-SP, a análise do currículo acadêmico e da experiência profissional dos postulantes.

Há ainda outro discurso frequente contra o Quinto Constitucional, este um primor de hipocrisia, talvez fruto do hábito que alguns cultivam de medir o outro por si. Indaga-se por que advogados bem sucedidos deixariam acéfalos seus prósperos escritórios para se dedicarem à rotina do serviço público, ao cotidiano do julgador atulhado em processos. Vaidade? Vantagens indevidas? Atuação política?

A resposta não passa pela cabeça daqueles que, míopes, enxergam o Poder Judiciário posicionado acima da própria democracia. As razões da advocacia no tocante ao Quinto Constitucional são claras, mas há os que se recusem a compreendê-las, talvez porque essas razões contemplem valores raros: coragem, abnegação e impetuosidade para tornar a Justiça mais humana e a democracia mais sólida.

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