Pedido improcedente

Condenação em honorários em ação de improbidade deve ser simétrica

Autor

  • Tiago Bitencourt De David

    é juiz federal substituto da 3ª Região mestre em Direito (PUC-RS) especialista em Direito Processual Civil (UniRitter) especialista em Contratos e Responsabilidade Civil (Escola Verbo Jurídico) e pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM Toledo/Espanha).

9 de outubro de 2014, 7h05

Em que pese o respeitável entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da condenação em honorários em virtude da sucumbência em sede de ação de improbidade administrativa, não há como admitir que haja condenação no caso de procedência do pedido de condenação por improbidade administrativa e não exista na improcedência[1], sob pena de consagrar-se modelo assimétrico, violador da igualdade e que coloca o cidadão em permanente estado de sujeição moral e patrimonial decorrente de grave imputação que tem em seu desfavor, bem como também não equaciona satisfatoriamente o assunto a isenção bilateral dos honorários sucumbenciais[2], vez que não promove a responsabilidade pela imputação e do direito autônomo aos honorários pelo advogado.

A excepcional previsão do artigo 18 da Lei Federal 7.347/85 somente alcança as associações, seja pela literalidade do dispositivo, seja pela sua razão de ser que consiste na atenção ao pequeno orçamento com o qual geralmente contam tais agrupamentos civis cuja dispensa prevista na legislação serve de incentiva a tal espécie de atuação democrática realizada de modo direto por parcela da comunidade que vai a juízo. Note-se que nem o Ministério Público, seja federal ou estadual, bem como demais legitimados ativos para a propositura da ação de improbidade administrativa, não são hipossuficientes e nem precisam de benesses extraordinárias para cumprir seus compromissos institucionais, devendo estar submetidos aos mesmos riscos da litigância aos quais está submetido o cidadão comum — este sim vulnerável perante o poderio estatal. Uma benesse processual que prestigia a atuação das associações em juízo e que tem em vista a parca disponibilidade de recursos normal a tal espécie de agrupamento saído do seio da sociedade civil não pode, tout court, sem estendido ao Estado, a não ser que se queira consagrar um Leviatã e como tal o homem servir ao Estado quando o aceitável é apenas o inverso. Pertinente, portanto, a advertência de Nagib Slaibi Filho e Romar Navarro de Sá (Sentença cível: fundamentos e técnica, 7ª ed., 2010, p. 134):

“Desnecessário observar que todas as normas que estabeleçam prerrogativas processuais devem ter interpretação restrita e não incidem se não tiverem, na aplicação, a eficácia de suprirem deficiências das partes, visando a lhes assegurar real tratamento igualitário.”

Outra não é a conclusão alcançada por Hugo Nigro Mazzilli (A defesa dos interesses difusos em juízo, 25ª ed, 2012, p. 630-634):

“Qual é a situação dos demais colegitimados, em face dos encargos da sucumbência?

Os legitimados desprovidos de personalidade jurídica (como o Ministério Público e órgãos estatais de defesa de interesses transindividuais, sem personalidade jurídica própria) responsabilizam a entidade a que pertencem; os demais legitimados (pessoas jurídicas de direito público, autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista), arcam com os encargos da sucumbência, ressalva feita à situação especial das associações civis, já examinada acima.

[…]

Em caso de improcedência, não tendo o Ministério Público personalidade jurídica, não poderá ser condenado a pagar custas, honorários advocatícios ou outras despesas processuais: a responsabilidade pelos encargos da sucumbência será do Estado, quando se trate de atuação do Ministério Público estadual, ou da União, no tocante à atuação de qualquer dos ramos do Ministério Público da União. Nesse sentido, corretamente o Estatuto do Idoso aduz que, nas ações civis públicas, não se imporá sucumbência ao Ministério Público.

[…] Quanto ao mais, já anotamos que o art. 18 da LACP não isenta os autores de ação civil pública dos encargos da sucumbência salvo tenham agido de má-fé, mas sim só isenta a associação autora que não agiu de má-fé.”

No mesmo sentido, veja-se o abalizado vaticínio de José Maria Rosa Tesheiner (AÇÕES COLETIVAS PRÓ-CONSUMIDOR. Ajuris, Porto Alegre, (54): 75-106, mar. 1992 ):

“Há que se distinguir adiantamento de despesas processuais e pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios. Qualquer que seja o autor da ação coletiva, não se exige que adiante numerário correspondente a despesas processuais (custas, emolumentos, honorários periciais, etc.). Julgada improcedente a ação, há condenação do autor nas despesas processuais e em honorários advocatícios, sendo ele o Ministério Público, a União, Estado, Município, o Distrito Federal, entidade ou órgão da administração pública, direta ou indireta. A sucumbência do Ministério Público ou de outro órgão da administração pública, sem personalidade jurídica, acarreta a condenação da pessoa jurídica em que se integra (União, Estado, Município, Distrito Federal). Julgada improcedente ação proposta por associação, não há condenação dela no pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, salvo no caso de litigância de má-fé, tal como ocorria no sistema do CPC de 1939, por força do seu art. 63.

O Código do Consumidor não cogita da eventual má-fé do agente do Ministério Público ou de outro órgão da administração pública. A condenação somente é imponível, e ex officio, à associação autora e aos diretores responsáveis.”[3]

Com a mesma fundamentação e alcançando o mesmo entendimento tem-se, ainda, o vaticínio de Cassio Scarpinella Bueno (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol.2, tomo III, 2010, p. 239 e 240):

“Da leitura do dispositivo é correta a conclusão de que ‘as ações civis públicas’, isto é, os processos em que os legitimados do art. 5º da Lei n. 7.347/85 pretenderem a tutela jurisdicional dos bens jurídicos referidos em seu art. 1º, afastam-se do regime de custas do Código de Processo Civil (v. n. 3 do Capítulo 2 da Parte IV do vol. 1). Diferentemente não há adiantamento de custas nem das despesas processuais em geral. Isto, contudo, não significa que os referidos arts. 17 e 18 tenham tornado gratuita a ‘ação civil pública’. O que há é a desnecessidade de adiantamento das custas e não a desnecessidade de seu pagamento a final, uma vez fixados os responsável pela ‘ sucumbência’.

Apenas as associações (art. 5º, V, da Lei n. 7.347/85) é correto sustentar a regra da gratuidade: nem adiantamento nem responsabilização final pelas custas e despesas processuais. Mesmo com relação a elas, contudo, deve ser observada a diretriz do art. 17 da Lei n. 7.347/1985, segundo a qual ‘em caso de litigância de má-fé’, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao déculplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.”

Afinal, mesmo o artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública que prevê a isenção dos honorários sucumbenciais prevê tal excepcionalidade apenas e expressamente em relação às associações — e não em favor do Ministério Público, seja federal ou estadual, bem como demais legitimados ativos para a ação de improbidade administrativa.

A comparação com a isenção de honorários na ação popular e na ação penal[4], de outra banda, também não deve prosperar. Isso porque, assim como as associações, o cidadão foi especialmente tutelado pelo ordenamento jurídico que, democraticamente, o incentiva a ajuizar a ação popular, tendo em vista a comum situação socioeconômica do indivíduo, estimulando o particular a envolver-se com os assuntos públicos por meio de uma peculiar técnica de redução de riscos. Note-se, mais uma vez, que se mostra inimaginável que o Ministério Público ou outro legitimado a propor a ação de improbidade administrativa realmente necessite de tal benesse. Já a comparação com a ação penal leva um questionamento interessante, pois, não seria a hora de instituir-se um sistema de condenação em honorários em sede processual penal, especialmente para evitar acusações que venham a revelar-se infundadas, prestigiando o uso do sistema judicial apenas para a dedução daquelas pretensões melhor fundamentadas, colocando-se mais um filtro no sistema acusatório?

Por fim, buscar-se a simetria com a ausência de condenação em honorários tanto na procedência quanto na improcedência até revela-se mais justo do que o modelo assimétrico, mas, mesmo assim, descura-se que a promoção da imputação de um fato grave como é a improbidade administrativa possa deixar o peso dos honorários exclusivamente com quem sofre a acusação que se mostrou infundada, gerando uma irresponsabilidade jurídica de quem promove a ação. Em um modelo igualitário de dispensa mútua a improcedência gera um prejuízo ao demandado e/ou um desatendimento ao dispositivo legal que prevê os honorários sucumbenciais como direito autônomo do advogado. Note-se que em um sistema baseado exclusivamente na fonte contratual de honorários, sem previsão de sucumbência, revela-se natural a elevação do quantum cobrado pelo patrocínio da ação, o que se volta contra o cidadão que vê diminuído seu acesso à justiça.

Por todo o exposto, revela-se impositiva a condenação em honorários, tanto na procedência, quanto na improcedência, da ação de improbidade administrativa.


[1] Exemplificativamente: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. RECURSO ESPECIAL. NECESSIDADE DE PREPARO. DESERÇÃO. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO. BENEFÍCIO DESTINADO APENAS AO AUTOR DA AÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Com relação a Ação Civil Pública por ato de improbidade, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a dispensa do adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas dirige-se apenas ao autor da Ação Civil Pública. (AgRg no AREsp 450222 /MG AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0409178-2, julgado em 08.04.2014)

[2] Por todos precedentes: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.  AÇÃO CIVIL PÚBLICA.  IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.  PROMOÇÃO PESSOAL.  VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO  CARACTERIZADA.  ARTS.  10 E 11 DA  LEI  8.429/1992. CONFIGURAÇÃO DE CULPA  E  DOLO  GENÉRICO.  ELEMENTO SUBJETIVO.  COMINAÇÃO DAS SANÇÕES. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. ART. 12 DA LIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA

7/STJ.  HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS  EM  FAVOR  DO  MINISTÉRIO  PÚBLICO. DESCABIMENTO.

1.  Não ocorre ofensa ao  art.  535  do  CPC,  se  o  Tribunal  de  origem  decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. O posicionamento firmado pela Primeira Seção é que se  exige dolo, ainda que genérico, nas imputações  fundadas  nos arts. 9º e 11 da Lei 8.429/1992 (enriquecimento ilícito e violação a  princípio), e  ao  menos culpa,  nas hipóteses do art. 10 da mesma norma (lesão ao erário).

3. Cada inciso  do art. 12 da Lei 8.429/1992 traz  uma pluralidade de sanções, que podem ser aplicadas cumulativamente ou não, ainda que o ato de improbidade tenha sido praticado em concurso de agentes. Precedentes do STJ.

4.  Modificar o  quantitativo  da  sanção  aplicada  pela  instância  de  origem,  no caso  concreto,  enseja  reapreciação  dos  fatos  e  da  prova,  obstado  nesta  instância  especial (Súmula 7/STJ).

5. É firme a jurisprudência da Primeira Seção no sentido de que, por critério de simetria, não  cabe  a  condenação  da  parte  vencida  em  ação  civil  pública  ao  pagamento  de honorários advocatícios.

6. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp 1346571 / PR
RECURSO ESPECIAL 2011/0114205-5, julgado em 05.09.2013)

[3] Disponível em: http://dc696.4shared.com/img/o5s5uTIu/preview.html

[4] Foram argumentos veementemente utilizados para firmar a tese da isenção de honorários na ação de improbidade administrativa quando do julgamento do leading case sobre o tema, a saber, o Recurso Especial 577.804.

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    é juiz federal substituto da 3ª Região, mestre em Direito (PUC-RS), especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER) e pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo/Espanha).

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