Atos de terceiros

Responsabilização de empresas em Lei Anticorrupção é questionada no RJ

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29 de novembro de 2014, 6h57

A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) sequer foi regulamentada pela União, mas especialistas já especulam sobre os possíveis questionamentos que a norma poderá sofrer no Poder Judiciário. Um dos problemas já vislumbrados diz respeito à aplicação de sanções às empresas por atos praticados por pessoas com as quais não tenham nenhum vínculo jurídico.

Giselle Souza
A preocupação foi manifestada pelo desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Alexandre Victor de Carvalho, nesta sexta-feira (28/11), durante o seminário "O Poder Judiciário, as Empresas e a Lei Anticorrupção", promovido pela Escola Nacional da Magistratura Estadual na sede do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Com experiência na área criminal, Carvalho afirma que é questionável o fato de a lei pretender impor sanção a uma empresa por ato de terceiro. Além disso, o critério previsto é muito amplo. "Pela lei, o terceiro que não tem vínculo com a pessoa jurídica, mas for acusado de agir em benefício dela, poderá gerar sanção à pessoa jurídica. Então seria possível punir uma pessoa jurídica por ato de uma pessoa natural que sequer seja seu preposto”, afirmou.

Para o desembargador, a possibilidade é grave. Ele citou como exemplo uma licitação à qual estejam concorrendo duas empresas: uma de boa-fé, a outra de má-fé. Se esta última pagar uma pessoa física para se apresentar aos agentes públicos responsáveis pela concorrência com uma mala de dinheiro e afirmar que se trata de oferta da empresa inidônea, a mesma poderá ser responsabilizada.

Na avaliação dele, a situação se agrava diante do fato de a Lei 12.846/2013 prever punições mesmo nos casos em que a corrupção não chegou a ser praticada. “Basta ter havido a tentativa. Nesse ponto o diploma vai sofrer questionamentos no Judiciário, seja de controle difuso ou concentrado de constitucionalidade”, destacou.

Carvalho lembrou que a possibilidade de pessoas jurídicas sofrerem punições em razão dos atos praticados por seus agentes não é novidade no ordenamento jurídico. Está presente na legislação da área ambiental.

“A lei que pune as infrações ambientais fala sobre a conduta da pessoa natural que tenha sido praticada por decisão de seu representante legal ou contratual. Ou seja, exige o vínculo jurídico para legitimar a sanção à pessoa jurídica”, ponderou.

Para ele, é possível que se faça uma interpretação da Lei Anticorrupção próxima à da legislação ambiental. Ou seja, teria que haver ciência da prática ilícita praticada pela pessoa física para ser legitimada a imposição da sanção à pessoa jurídica. "Teria, então, que haver a demonstração de que a pessoa jurídica está vinculada à pessoa natural. Esse será um problema o qual o Judiciário será chamado a se pronunciar.”

Outro participante do evento, Roberto Livianu, promotor de Justiça, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático e coordenador da campanha Não Aceito Corrupção, afirmou que a lei, apesar de ser positiva, necessita de ser observada com senso crítico.

Ele criticou também o fato de a legislação não ter sido regulamentada na esfera federal. “Há um boato que no dia 9 de dezembro, Dia Nacional de Combate à Corrupção, de que a presidente Dilma assinará o decreto”, afirmou o promotor, destacando que, mesmo sem a regulamentação, a lei já tem trazido resultados.

“Temos percebido no mercado que as empresas já estão se mobilizando seus departamentos de compliance para atender a norma. Já percebemos essa movimentação empresarial e isso é muito importante”, destacou.

A Lei 12.846 foi aprovada em agosto do ano passado e prevê uma série de punições para as empresas privadas que praticarem atos de corrupção contra a administração pública.

Nos bastidores, comenta-se que a regulamentação federal seguirá os mesmos padrões do decreto que regulamentou a aplicação da norma no estado de São Paulo. 

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