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Detração penal em projeto para nova Lei de Execuções traz risco de impunidade

Autor

  • Eduardo Ferreira Costa

    é juiz da 2ª Vara Cível Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Brasília de Minas e integrante da Comissão da Amagis que estuda a Lei de Execução Penal.

29 de novembro de 2014, 7h41

A detração encontra-se prevista no artigo 42 do Código Penal, que estabelece: “Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.

O instituto tem, de forma geral, aplicação intuitiva e óbvia na maioria dos casos, tratando-se do simples abatimento, na pena definitiva, do período em que o réu permaneceu preso provisoriamente. Por sua vez, o Projeto de Lei 513, de 2013, que visa à alteração da Lei de Execuções Penais, inova em seu artigo 130-A ao acrescentar que o cumprimento de “qualquer medida cautelar” seja computado na pena privativa de liberdade e na medida de segurança.

A proposta apresenta a seguinte redação: “Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de cumprimento de qualquer medida cautelar, prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa, o de internação em Hospital de Custódia ou estabelecimento similar”.

Tal acréscimo, contudo, deve ser visto com reservas, já que as medidas cautelares, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal com o objetivo de substituir a prisão provisória, constituem, em sua maioria (como é o caso do comparecimento periódico em juízo, da proibição de manter contato com pessoa determinada e da fiança), pequena ou ínfima restrição de liberdade para o réu/investigado.

Dessa forma, equiparar o cumprimento de qualquer medida cautelar com a pena privativa de liberdade ou com a medida de segurança, para fins de detração, importaria em indevido benefício ao condenado e, consequentemente, no aumento da sensação de impunidade.

A título de exemplo, pode-se imaginar a hipótese em que se impõe ao réu, acusado de violência doméstica, que não mantenha contato com a vítima durante a tramitação da ação penal. Sobrevindo a sentença penal condenatória definitiva após dois anos de fixação da aludida medida cautelar, o condenado teria, pela redação do artigo 130-A, um “crédito” de dois anos a ser amortizado da pena de prisão estabelecida.

Não é difícil concluir que, em muitos casos, a fixação de medidas cautelares se transformará em um verdadeiro “prêmio” ao réu, diante da grande probabilidade de que a pena de prisão fixada ao final seja totalmente absorvida, muitas vezes com sobra, pela simples observância de condições muito inferiores ao encarceramento e que em nada contribuem, especificamente, para os fins de ressocialização do apenado e prevenção dos delitos.

Portanto, a pretendida inovação legislativa, caso aprovada na forma proposta, mostra-se temerária, já que ampliará o sentimento de — e a efetiva — impunidade e, por via transversa, estimulará a utilização de expedientes e recursos meramente protelatórios no curso da ação penal, a fim de que o réu submetido ao cumprimento de medidas cautelares brandas possa, posteriormente, abatê-las do montante de eventual condenação à pena privativa de liberdade.

É fundamental, portanto, a eliminação do artigo 130-A do projeto de lei em questão, tendo em vista que o instituto da detração penal já se encontra suficientemente consolidado em nosso ordenamento jurídico, evitando-se indevida equiparação de medidas sem caráter punitivo ou privativo de liberdade com a pena de prisão.

Outrossim, em caso de manutenção da inovação proposta, faz-se necessário o estabelecimento de requisitos para a detração penal decorrente do cumprimento de medidas cautelares, seja porque nem todas elas impõem limitação efetiva de liberdade, a ponto de justificar o abatimento de pena, seja porque a possibilidade de prolongamento das condições cautelares poderia tornar inócua a fixação final de pena privativa de liberdade.

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