Monitoramento de e-mails

Marco Civil da Internet não se aplica à relação entre empregador e funcionário

Autor

  • Rodrigo Fernandes Rebouças

    é advogado e professor do Insper Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP pós-graduado em Direito Processual Civil especialista em Direito Tributário Direito dos Contratos e Novas Tecnologias pelo CEU/IICS e especialista em Gestão de Serviços Jurídicos pela FGV-GVLaw.

24 de novembro de 2014, 5h03

Artigo produzido por especialistas do Insper. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Desde os primeiros momentos em que as atividades internas das empresas passaram a ser influenciada pela internet com o uso constante e irreversível de correio eletrônico e, atualmente, o uso de aplicativos de mensagem instantânea, é enfrentado o dilema quanto a legalidade de monitoramento do uso de tais meios na rede de computadores do empregador pelos funcionários, e na maioria das vezes, com o uso de hardwares disponibilizados pelo próprio empregador.

A experiência tem demonstrado que o empregador possui todo o direito ao monitoramento das comunicações feitas no ambiente de trabalho, pois ao ser utilizado a rede de computadores, hardwares, demais meios de conexão e o próprio domínio de propriedade do empregador, este último está automaticamente vinculado a eventuais declarações de vontade por força da teoria da aparência, ou ainda, vinculado a eventuais atos ilícitos (cíveis ou criminais) que venham a ser praticados por seus colaboradores.

Havendo a vinculação direta da pessoa jurídica e seus dirigentes que disponibilizam tais meios de acesso à internet, por questão lógica, resta ao empregador o dever de vigilância e fiscalização pois, do contrário, ainda poderá responder perante o Poder Judiciário por eventuais atos praticados por seus funcionários com base na denominada teoria do domínio do fato que foi recentemente aplicada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470.

No mesmo sentido de criar uma responsabilidade objetiva, foi a edição da Lei 12.846/2013, a denominada lei anticorrupção, a qual prevê critérios de responsabilidade objetiva na esfera cível e penal por atos que venham a ser praticados pelos funcionários de uma denominada sociedade empresária, criando responsabilidades aos seus gestores, mesmo que estes não tenham praticado diretamente tais atos. Pela referida lei, criou-se inclusive uma responsabilidade solidária e automática para todas as sociedades controladas, controladores, coligadas etc. que estejam vinculadas econômica ou societariamente àquela que possua um funcionário que tenha praticado qualquer dos ilícitos previstos na referida lei. Tais conclusões são facilmente verificadas da simples leitura dos artigos 2º e 3º, parágrafo 2º da Lei 12.846/2013.

Frente a tantos critérios de responsabilidade objetiva cível, administrativa e criminal, entendemos que não há o que se falar em vedação ao direito de monitoramento aos e-mails e aplicativos de mensagem instantânea, especialmente quando estes utilizam o domínio na internet do empregador, ou ainda, quando simplesmente utilizando o acesso à internet disponibilizado pelo empregador, pois nesta última hipótese o IP que ficará vinculado ao ato praticado pelo funcionário é o IP disponibilizado pelo empregador.

Especificamente quanto aos e-mails, e o mesmo é aplicado à mensagem instantânea, é oportuno destacar que tais formas de comunicação são em regra enviadas em formato aberto e sem qualquer proteção, sendo possível de serem lidas por qualquer um que tenha acesso a rede de comunicação. “Elas são usualmente enviadas sem serem criptografadas, o que torna possível sua leitura e interceptação por terceiros antes do recebimento pelo destinatário; […]”[1]. Podemos dizer que seria o mesmo que encaminhar uma carta aberta a um amigo e sendo ela depositada na frente da sua residência, portanto, com a possibilidade de que qualquer um que por lá venha a passar, ter livre acesso ao seu conteúdo. Nestas hipóteses não há o que se falar em violação de sigilo ou da intimidade.

Vale destacar que este direito, que hoje em dia, pode se dizer que passou a ser um DEVER da sociedade empregadora quanto ao monitoramento de e-mails e aplicativos de mensagem instantânea, é necessariamente vinculado a três requisitos condicionais, quais sejam: 1) Prévia e expressa informação a ser prestada pelo empregador ao funcionário de que o ambiente de Tecnologia da Informação e respectivos meios de comunicação (e-mail e mensagem instantânea) estão sendo constantemente monitorados; 2) Transparência e informação clara e adequada quanto ao monitoramento; 3) Atender ao princípio (embora seja uma regra e não princípio) da necessidade e o princípio da razoabilidade.

Nesse mesmo sentido diz a experiência estrangeira, embora com as devidas limitações impostas pela Directiva 95/46 da Comunidade Europeia, que “A monitorização do correio electrónico, bem como ao acesso e à navegação na internet no local de trabalho, aplicam-se diversos princípios gerais, de que merecem destaque alguns […] A) Princípio da necessidade e da proporcionalidade; B) Princípio da transparência.”[2] O princípio da transparência, por sua vez possui duas vertentes, a primeira no sentido de que o empregador deve manter informação prévia, clara e adequada quanto as práticas de monitoramento dos e-mails e mensagens instantâneas, e o segundo, que seja garantido ao trabalhador o direito de acessos aos seus dados pessoais que eventualmente tenham sido objeto de guarda ou tratamento pelo empregador.[3]

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, até onde é do conhecimento deste autor, após um longo período de oscilação entre a autorização do monitoramento praticado pelo empregador e a sua vedação, têm nos últimos anos consolidado o entendimento de que o monitoramento não viola a intimidade e a privacidade do funcionário, desde que, não seja posteriormente exposto aos demais funcionários da empresa, nem tão pouco, que seja feito com abuso do direito, hipóteses em que o empregador deixaria a esfera dos atos lícitos para adentrar a esfera dos atos ilícitos. Nesse sentido são os seguintes posicionamentos:

TST – Processo: AIRR – 7-96.2011.5.10.0003. Data de Julgamento: 08/04/2014, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/04/2014 – “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA Nº 126 DO TST. DIVULGAÇÃO DE E-MAILS PESSOAIS DO AUTOR NO ÂMBITO DA EMPRESA. […] Não resta dúvida acerca da possibilidade de a empresa ter acesso ao conteúdo das mensagens recebidas e enviadas para o endereço eletrônico corporativo, ainda mais se tal acesso decorre de investigação sobre a conduta do reclamante.

    Mesmo sob o ângulo da transparência, que complementa e também realiza o exercício do direito à intimidade, entendo que o empregador estava autorizado a monitorar as mensagens transmitidas pelo e-mail da instituição, ainda que seu conteúdo pudesse ser pessoal ou privado. Não houve, nesse ponto, invasão da privacidade do empregado, porquanto esse meio de comunicação estava restrito ao uso profissional, cujo conteúdo é de interesse do empregador e de responsabilidade do usuário do sistema. Mas não se cuida aqui, de discutir o direito de acesso às correspondências eletrônicas do autor, mas a licitude da divulgação daquelas cujo conteúdo é estritamente íntimo e pessoal.

    O regular exercício de um direito reconhecido, que é excludente da obrigação de indenizar (CCB, art. 188, inciso I), contém perímetro mais restrito que a divulgação procedida pela empresa, que em suma expôs a imagem do autor ao permitir que tais e-mails fossem difundidos no âmbito da empresa.

    Decorrente de ato culposo da empresa, o autor foi exposto a situação vexatória, que no mínimo agravou sua reputação – já combalida – perante os demais empregados. E segundo os padrões médios de suscetibilidade e comportamento vigentes na sociedade brasileira, o resultado é claramente presumível, qual seja, a dor e o desconforto pessoal. […]”

 

TST – RR – 996100-34.2004.5.09.0015, 7ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 20.02.2009

“RECURSO DE REVISTA OBREIRO: I) DANO MORAL – NÃO CARACTERIZAÇÃO – ACESSO DO EMPREGADOR A CORREIO ELETRÔNICO CORPORATIVO – LIMITE DA GARANTIA DO ART. 5º, XII, DA CF. 1. O art. 5º, XII, da CF garante, entre outras, a inviolabilidade do sigilo da correspondência e da comunicação de dados. 2. A natureza da correspondência e da comunicação de dados é elemento que matiza e limita a garantia constitucional, em face da finalidade da norma: preservar o sigilo da correspondência – manuscrita, impressa ou eletrônica – da pessoa – física ou jurídica – diante de terceiros. 3. Ora, se o meio de comunicação é o institucional – da pessoa jurídica -, não há de se falar em violação do sigilo de correspondência, seja impressa ou eletrônica, pela própria empresa, uma vez que, em princípio, o conteúdo deve ou pode ser conhecido por ela. 4. Assim, se o "e-mail" é fornecido pela empresa, como instrumento de trabalho, não há impedimento a que a empresa a ele tenha acesso, para verificar se está sendo utilizado adequadamente. Em geral, se o uso, ainda que para fins particulares, não extrapola os limites da moral e da razoabilidade, o normal será que não haja investigação sobre o conteúdo de correspondência particular em "e-mail" corporativo. Se o trabalhador quiser sigilo garantido, nada mais fácil do que criar seu endereço eletrônico pessoal, de forma gratuita, como se dá com o sistema "gmail" do Google, de acesso universal. 5. Portanto, não há dano moral a ser indenizado, em se tratando de verificação, por parte da empresa, do conteúdo do correio eletrônico do empregado, quando corporativo, havendo suspeita de divulgação de material pornográfico, como no caso dos autos".

 

 

TST – RR – 4497-69.2010.5.15.0000 Data de Julgamento: 26/02/2014, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/03/2014.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA. PROGRAMA DE MENSAGEM INSTANTÂNEA (MSN). ACESSO AO CONTEÚDO DAS MENSAGENS ENVIADAS E RECEBIDAS PELOS EMPREGADOS. OFENSA AO DIREITO À INTIMIDADE. VIOLAÇÃO DO SIGILO DA CORRESPONDÊNCIA. ABUSO DO PODER DIRETIVO. 1. Hipótese em que o Colegiado de origem concluiu que o acesso, por parte do empregador, ao conteúdo das mensagens enviadas e recebidas pelos reclamantes via MSN, não enseja o pagamento de indenização por danos morais, registrando que "o direito ao sigilo da correspondência assegurado constitucionalmente não pode servir de arrimo para que o trabalhador troque diariamente por tempo considerável correspondência via MSN com colega de serviço, pois a máquina colocada à sua disposição tem como objetivo a atividade profissional".

[…]

Conforme verificado às fls. 518/519, houve o comunicado da direção solicitando as senhas dos computadores e as chaves das gavetas, com o alerta referente à proibição da utilização dos equipamentos para fins pessoais.

    Com efeito, cumpre observar que o direito à privacidade não é absoluto.

        O comportamento dos senhores Regina e Luiz Gustavo, utilizando o MSN durante o expediente diariamente por tempo considerável por cerca de 4 meses (agosto a dezembro/05), reputo lamentável, haja vista que estavam praticando lazer durante a jornada de trabalho, pois estavam utilizando de ferramentas do seu empregador (computador) colocados à sua disposição para o trabalho.

    A proteção constitucional à correspondência não pode dar guarida ao desvio de comportamento de trabalhador durante a jornada de trabalho com a utilização de computador para através do MSN, juntamente com outro colega de serviços, fazer piadinhas, chacotas a seu chefe e colegas de trabalho. A verdade é que os reclamantes não aceitavam a orientação de sua superior hierárquica e bem por isso, resolveram boicotar as suas orientações, esquecendo os princípios éticos que deve nortear a relação administrativa. […]

Embora a questão aqui tratada esteja praticamente consolidada no Tribunal Superior do Trabalho, uma nova realidade dever ser enfrentada em breve por aquele órgão Constitucional do Direito do Trabalho, qual seja, o denominado Marco Civil da Internet (Lei 12.965 de 2014) é ou não aplicável às empregadoras na qualidade de fornecedoras de meios de acesso a internet aos seus funcionários?

A resposta à questão acima é fundamental para termos qualquer segurança jurídica e manutenção sobre tudo o quanto foi dito até aqui, inclusive as recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho, haja vista que por força do artigo 7º, incisos I, II e III combinado com o artigo 8º e seu parágrafo único, todos da Lei 12.965 de 2014, qualquer cláusula contratual que tenha por objetivo monitorar correspondência eletrônica (e-mail) ou mensagem instantânea, deverá ser considerada como uma violação a intimidade e será nula de pleno direito.

Portanto, o Marco Civil da Internet pode resultar em alteração às práticas até então feitas por todas os empregadores em relação ao monitoramento de e-mails e mensagens instantâneas, sendo de fundamental relevância o enfrentamento da questão proposta acima, ou seja, o Marco Civil aplica-se às relações entre funcionário e empregador?

Somos do entendimento de que não! O fundamento de sua negativa se deve justamente pela lógica do sistema criado pelo Marco Civil Internet, o qual foi nitidamente criado e aprovado com o objetivo de proteger, regulamentar e garantir o acesso à internet em sentido lato, ou seja, quanto a relação do usuário e os provedores de acesso, tal como enunciado pelo artigo 6º da Lei 12.965/2014.

Ademais, pela exposição dos motivos da Lei 12.965/2014, resta absolutamente clara a intenção de que a lei não se aplica às conexões corporativas disponibilizadas aos seus funcionários como ferramenta de trabalho, mas sim, uma proteção ao usuário quanto ao tráfego de informações e respectiva proteção contra a interceptação das informações.

Por estas razões, somos do entendimento de que na relação entre empregador e funcionário, não há o que se falar na aplicação do Marco Civil da Internet, permanecendo a licitude quanto ao monitoramento dos e-mails e mensagem instantânea dos funcionários pelo empregador, desde que atendidos os requisitos acima apontados (dever de informação prévia, clara e inequívoca, observando a necessidade e razoabilidade) e desde que não reste configurado o abuso do direito.


[1] LEONARDI, Marcel. Tutela e Privacidade na Internet. 2012. São Paulo: Saraiva, p. 180-181

[2] MARQUES, Garcia. MARTINS, Lourenço. Direito da Informática. 2 ed., 2006, Coimbra: Almedina, p. 378

[3] Nesse sentido: MARQUES, Garcia. MARTINS, Lourenço. Direito da Informática. 2 ed., 2006, Coimbra: Almedina, p. 378

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    é mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil, especialista em Direito Tributário, Direito dos Contratos e Novas Tecnologias pelo CEU/IICS. Especialista em Gestão de Serviços Jurídicos pela FGV-GVLaw. Sócio da Fernandes Rebouças Advogados e Gerente Jurídico da Mega Sistemas Corporativos.

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