Sistema ineficiente

"Acordos criminais podem diminuir morosidade da Justiça brasileira"

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16 de novembro de 2014, 8h00

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“Os acordos entre réus de ações criminais e o Judiciário ou o Ministério Público é muito mais eficiente quando há confiabilidade e honestidade na Justiça." Quem afirma é o juiz federal norte americano Jeremy D. Fogel (foto), que atua no Tribunal Distrital Federal do Distrito do Norte da Califórnia. 

Em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, nessa quarta-feira (12/11), Fogel falou sobre a necessidade da população confiar no Judiciário, o problema da demora na solução de conflitos e defendeu: "Saber lidar com pessoas deveria ser um requisito para ingressar na magistratura". 

O americano veio à São Paulo para ministrar a palestra "Mediation in Criminal Courts – Plea bargaining" (Mediação em cortes criminais – acordos criminais) dentro do curso Direito Penal Federal, promovido pela Escola de Magistrados (EMAG) do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A ideia foi relatar a experiência positiva do sistema jurídico dos Estados Unidos com a negociação do réu com o MP (plea bargaining) e com a mediação — medidas que vêm sendo muito utilizadas por lá.

O número impressiona: 97% dos casos criminais são solucionados por meio do plea bargaining. “Atualmente, os Estados Unidos dependem tanto do plea bargaining que, se do dia para noite tornássemos essa prática ilegal, teríamos um grave problema para reajustar o Judiciário. Todo processo pode ser submetido a negociação antes do julgamento. Às vezes até depois de sair a sentença — mas aí já é bem mais raro”, afirmou Fogel.

Segundo o juiz federal, os acordos com os réus ganharam popularidade nas cortes urbanas do país — principalmente em Chicago, São Francisco e Nova York — por conta do rápido crescimento no volume de casos.

Tal cenário é parecido com o que o Brasil enfrenta hoje. Nesta semana, uma projeção feita pelo Conselho Nacional de Justiça apontou que o número de processos em tramitação na Justiça brasileira em 2020 chegará a 114,5 milhões se a quantidade de ações continuarem a superar a capacidade do Poder Judiciário de julgar.

Para Fogel, o Brasil poderia fortalecer o uso dos acordos criminais como um começo de mudança na lentidão. “Se o Judiciário tem muitos processos e poucas cortes e juízes para julgá-los, a demora na solução dos casos mostra aos criminosos que tal sistema é tão ineficiente e moroso que, mesmo que a pessoa seja culpada, o risco de se proferir uma sentença menos adequada é alto. E isso é um problema social”, enfatiza.

Honestidade é imprescindível
Na teoria, segundo Fogel, a delação parece uma solução ótima para o Brasil. No entanto, seria preciso atentar para os fatores que fazem com que a prática seja eficiente, como a transparência do sistema. Para o juíz americano, a palavra “honestidade” deve ser inerente ao sistema. 

“Para o plea bargaining funcionar, é preciso sentir que os promotores estão sendo honestos mostrando que a prática é uma opção porque há interesse em resolver o caso e resolvê-lo bem e rapidamente. Acho que alguns países ainda têm medo de ampliar o uso da negociação porque há incertezas. Em alguns lugares, como o procedimento não é comum e não há clareza quanto ao caso, opta-se por resolvê-lo do jeito que se sabe, pelo julgamento. Mas é aí que essa solução pode não ser tão eficiente. Os sistemas legais deveriam tentar ser melhores, seja no país que for."

Honestidade está diretamente ligada à corrupção e os casos recentes vistos no Brasil colocaram o uso da delação premiada em debate. Embora não venha acompanhando nenhum caso específico, Fogel acredita que a Lei Anticorrupção (Lei 12.846) do Brasil é um bom começo para lutar contra o problema. A Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), versão americana, influenciou o país de forma a reforçar a honestidade e corroborar a pressão para a investigação dos corruptos.

O magistrado admite que nenhum sistema é perfeito e há quem seja contra a delação argumentando de que as chances de coerção são maiores nesse caso: “Quando se atua muito numa corte, você sabe as tendências de decisão de juízes e promotores e isso, claro, afeta a prática. Não acho que o nossos sistema legal (americano) seja perfeito. Há momentos em que ele produz resultados nada perfeitos. No entanto, ele funciona bem o suficiente em um número razoável de casos e, por isso, a delação é vista como uma solução positiva para as pessoas envolvidas nos casos em que ela é utilizada”.

Julgamento rápido
Fogel afirma que o julgamento é rápido nos EUA pelo fato de haver apenas um recurso. No meu país, temos uma apelação e só, fim de caso. Claro que há maneiras de interferir, mas só se um juiz fizer algo muito maluco ou se for uma área específica na qual o Congresso precise intervir. Além disso, temos julgamentos contínuos e um prazo para finalizar o caso. A combinação dessas três coisas torna nosso sistema eficiente”.

Juiz não é Deus
“Juiz não é Deus, definitivamente. Se um juiz achar que é Deus então você tem um grande problema”, enfatizou Fogel. Bacharel em estudos religiosos, o americano acredita que uma das coisas que ajudam a melhorar significativamente o sistema Judiciário de qualquer país é a forma como os juízes se portam.

“Nós passamos muito tempo ensinando as leis aos juízes e se eles chegam à magistratura, é muito provável que ele saiba muito sobre a lei e seja bom nisso. Mas, lidar com pessoas não é necessariamente um requisito para conquistar o cargo, quando deveria ser. Juízes também precisam aprender o que significa, de fato, ser um juiz, ou seja, quais são as expectativas das pessoas e como o sistema tem que funcionar. Além disso, ele tem que tratar com muito respeito todas as pessoas, as histórias e os fatores que compõem esse cenário”, enfatizou.

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