Protesto litigioso

Procuradores federais param de fazer acordos para fazer pressão política

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14 de novembro de 2014, 16h34

Os advogados da União e procuradores federais decidiram não fazer mais acordos em processos judiciais. Com o que vêm chamando de "política de acordo zero", eles pretendem pressionar a Justiça Federal e chamar atenção para o momento que consideram de desvalorização da advocacia pública federal.

A ideia de congelar os acordos judiciais foi concretizada na semana passada por um grupo de procuradores federais e membros da Advocacia Geral da União que discutem em grupos de debate online. Eles reclamam da “quebra da promessa”, pelo governo, de pagar honorários aos advogados públicos e da falta de empenho do Planalto em atualizar os salários dos procuradores.

O movimento afeta principalmente processos envolvendo o INSS. Estima-se que 80% dos casos em trâmite na primeira instância da Justiça Federal sejam casos previdenciários. E segundo os membros da AGU envolvidos no movimento de paralisação, quase 70% deles são resolvidos por meio de acordos entre a autarquia e os beneficiados.

A maioria dos acordos envolve o pagamento, pelo INSS, de 70% do valor cobrado na Justiça. Em troca, o beneficiário desiste da ação judicial. Com a política do acordo zero, os procuradores federais do INSS obrigam os juízes federais a dar andamento aos casos, e não apenas a homologar os acordos, o que é bem mais fácil e mais rápido. Em varas federais do Nordeste, por exemplo, é normal em um dia com 30 audiências, 15 ou 20 resultarem em acordo.

O movimento contra os acordos como forma de protesto político nasceu de um grupo fechado de membros da AGU no Facebook. Eles calculam que cerca de 3 mil pessoas participem da comunidade na rede social. Eles optaram pelo acordo zero como forma de mostrar que não têm condições de analisar com a cautela necessária todos os processos que recebem.

Gota d’água
Diante do volume de manifestações espontâneas favoráveis ao movimento, a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe) decidiu apoiar a iniciativa.

Em nota publicada na terça-feira (11/11), a entidade “recomenda” que a suspensão dos acordos quando, “por qualquer motivo”, eles não tenha “condições de analisar adequadamente os requisitos que os autorizam”. Mas a Unafe ressalva que a política de acordo zero deve ser usada “como forma de preservação do interesse público e não como forma de pressão política ou salarial”.

O gatilho para o acordo zero foram as decisões judiciais determinando o pagamento de auxílio-moradia para juízes federais e membros do Ministério Público da União. O governo federal costuma divulgar os acordos judiciais com grande orgulho, anunciando a economia ao erário que eles proporcionaram.

Por meio da suspensão dos acordos, os procuradores conseguem chamar atenção do governo e pressionar a Justiça Federal, que passa a ter mais trabalho, ao passo que não causam danos aos cofres públicos e nem cometem infração funcional, já que o acordo não é obrigatório.

Com a paralisação, os procuradores também aproveitam para pressionar o governo para que articule a aprovação da PEC 82, que dá mais autonomia aos membros da AGU. Também pedem que conste do projeto de reforma do Código de Processo Civil artigo que prevê o pagamento de honorários para os advogados públicos.

Déficit previdenciário
A ideia nasceu de maneira incipiente no fim de 2013, quando os membros do grupo no Facebook tomaram conhecimento de uma decisão do Tribunal de Contas da União que tratou do déficit na Previdência Social.

No acórdão 715/2012, o TCU discute o pagamento de benefícios previdenciários irregulares e investiga se não era essa a causa do déficit previdenciário registrado em 2010. Naquele ano, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, a arrecadação do sistema previdenciário rural foi de R$ 4,8 bilhões, ao passo que a concessão de benefícios somou R$ 55,4 bilhões.

Somando a isso o fato de que a clientela urbana do sistema apresentou superávit de R$ 7,7 bilhões, a Previdência Social fechou 2010 com um rombo de R$ 42,9 bilhões, segundo a Secretaria do Tesouro.

Chamou atenção do TCU, além dos benefícios cuja concessão considerou ilegal, o fato de 46% dos benefícios analisados terem sido pagos por meio de decisão judicial — aí envolvidos sentenças de mérito e homologatórias de acordo. O próprio acórdão do TCU aponta para “número insuficiente de procuradores e, especialmente, das equipes ou agências da Previdência Social que atendem às demandas judiciais, frente à expressiva quantidade de processos desse tipo”.

“Nos benefícios concedidos por decisão judicial, muitas vezes, um indício de irregularidade que seria tratado em um processo administrativo não é abordado nem pelo juiz nem pela Procuradoria do INSS, como foi possível observar nos processos examinados. Em alguns casos, o procurador já busca a alternativa do acordo, que reduz o custo do processo para o INSS. Além disso, muitos processos judiciais não foram precedidos por um requerimento administrativo, o que permitiria à procuradoria uma análise dos motivos que ensejariam a negativa ou aceitação do requerimento”, diz o acórdão 715/2012 do TCU.

De acordo com o órgão, esses acordos resultaram em prejuízo de R$ 16,3 bilhões para a Previdência e com certeza agravaram a situação deficitária. Por isso o TCU determinou ao INSS que revesse, em até 180 dias, todos os benefícios concedidos por meio de decisão judicial.

Intromissão
A decisão do TCU desagradou os advogados da União e procuradores federais de maneira geral, e quase unânime. Consideraram o posicionamento do órgão, ligado ao Legislativo, uma intromissão indevida no trabalho deles. Acusaram os ministros do TCU de não conhecerem a realidade do trabalho dos procuradores e advogados públicos.

No entanto, naquela época, decidiram não agir. Procuradores ouvidos pela ConJur contaram ter optado pelo silêncio por terem consciência de que nada de ilegal havia sido feito.

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