Más condições

Presídios brasileiros são confissão pública de violação de direitos humanos

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11 de novembro de 2014, 6h10

A negativa da extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, pela Corte italiana, expôs, de maneira incontestável, a situação degradante e alarmante das prisões brasileiras. Se, como disse o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a decisão foi uma vergonha para o país em função dessa realidade prisional, mais grave ainda foi a reação de autoridades brasileiras, que, ao examinar a possibilidade de reverter aquela decisão, entenderam que estariam resgatando a dignidade do país e que, assim, garantiriam também o cumprimento da lei e de uma sentença judicial. Mesmo que para isso, a pretexto de combater um crime, admitam, publica e confessadamente, o cometimento de milhares de outros de violação dos direitos humanos.

Embora tenha reconhecido as teses jurídicas do Brasil para a extradição, a Justiça italiana negou o pedido com base nas más condições dos presídios brasileiros. No recurso, segundo se cogita, o Brasil pretende argumentar que os locais indicados para Pizzolato cumprir a pena — Papuda (Distrito Federal), Curitibanos e Canhanduba (Santa Catarina) — seriam totalmente adequados, sem a possibilidade de os presos serem submetidos a condições desumanas e degradantes. Pergunta-se: como fica a dignidade humana, numa quebra total de isonomia, dos outros mais de 500 mil detentos espalhados pelas masmorras?

O Brasil é hoje, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (dados de junho de 2014), a terceira maior população carcerária do mundo. São 563,5 mil presos em um sistema que tem 357,2 mil vagas, com déficit de 206,3 mil, além de 147,9 mil prisões domiciliares. Se forem levados em conta os 373,9 mil mandados de prisão em aberto, o déficit de vagas saltaria para 728 mil.

Sem entrar no mérito da condenação dele, Pizzolato disse que não fugiu do Brasil, mas de suas penitenciárias, para salvar a própria vida e não morrer como disse, em entrevista, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, caso fosse preso. Em defesa de sua segurança, os advogados do ex-diretor usaram essa declaração diante da Corte de Bolonha, exibindo ainda fotos da rebelião de Pedrinhas (MA), no fim de 2013, na qual presos foram decapitados. As mortes de outros dois detentos, neste ano, no presídio da Papuda, na capital federal, — tido como “completamente adequado” —, selaram a decisão italiana.

Não se trata aqui de generalizar o degradante quadro prisional, mas só o fato de reconhecer que grande parte dos presídios brasileiros é enxovia é também admitir que o sistema está falido e que o país comete essa violação aos direitos humanos do presos. Por si só, já haveria motivos de sobra para que o Estado brasileiro deixasse a inércia e a falta de vontade para enfrentar o grave problema prisional.

Menos do que lutar pela extradição, o governo brasileiro deveria se esforçar, ou manifestar interesse, por dar respostas a essa vergonhosa situação. É bom que se diga também que, ao contrário do que foi alardeado, a “derrota brasileira”, nesse caso, não foi de sua Justiça. Seria se, ao longo dos anos, o Judiciário fizesse como o Executivo, que, historicamente, negligencia responsabilidades sobre o sistema carcerário.

Diferentemente do governo, os juízes sempre reafirmaram essa sombria realidade. O que se passa neste exato momento nas penitenciárias brasileiras, que já foram chamadas de masmorras e, agora, de enxovias? É melhor nem perguntar. Se houve derrota, ela é inteiramente da omissão do governo brasileiro que tem sido incapaz de, sequer de tentar, melhorar as prisões e humanizá-las, reforçando a crença daqueles que as encaram como espaço de vingança contra aqueles que erraram em vez de instrumento de tranquilidade social e fator de reinserção social.

Não será revertendo a decisão da corte italiana que o Brasil irá resgatar a dignidade nacional. Por si só, isso não fará com que nosso sistema prisional deixe de ser medieval. Se vai recorrer ou não, que não deixe de atuar para melhorar as condições ou investir em modelos alternativos, como as Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), como grande exemplo de recuperação humanizada de presos.

A realidade precária do sistema não nos pode conduzir ao pessimismo quanto ao futuro do cárcere; ao contrário, devemos nos dedicar, de corpo e alma, à extraordinária tarefa de converter instituições totais em instituições sociais, oferecendo melhores condições aos presos e salvaguardando seus direitos como seres humanos e cidadãos.

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