Poder de ingerência

Supremo decidirá se Justiça pode obrigar Executivo a reformar presídios

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10 de novembro de 2014, 11h58

Nelson Jr./SCO/STF
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski (foto), pretende levar em breve a julgamento na corte recurso em que será discutido se a Justiça pode obrigar o Poder Executivo a reformar presídios. O ministro é relator do processo principal sobre a questão, que tem repercussão geral reconhecida. A decisão que for proferida terá impacto em 32 ações paradas nas instâncias inferiores à espera do posicionamento do Supremo.

Segundo Lewandowski, o assunto foi discutido na última semana no Conselho Nacional de Justiça. No entanto, por maioria de votos, os conselheiros decidiram que não caberia ao órgão a imposição de prazo para reforma das prisões. O tema foi debatido durante a análise de um relatório do Mutirão Carcerário, programa que visita as unidades prisionais para verificar as condições dos presídios.

“A questão é saber se o Judiciário, a partir de uma provocação do Ministério Público, pode exigir do Poder Executivo que faça reformas em estabelecimento prisional. Até agora, se tem entendido que seria uma espécie de ingerência do Judiciário em uma atribuição própria de outro poder, ou seja, obrigar que ele tenha despesas e execute determinada obra”, disse o presidente.

Para decidir a questão, o Plenário da corte vai julgar uma decisão da Justiça do Rio Grande do Sul que obrigou o governo local, em 2008, a reformar o Albergue Estadual de Uruguaiana no prazo de seis meses. Conforme a decisão, o governo deveria adequar o local para atender a requisitos básicos em favor do preso, como reforma do telhado, da parte elétrica e manutenção de rede de esgoto.

A reforma do albergue foi determinada no primeiro grau, mas, em segunda instância, a Justiça aceitou recurso do governo do Rio Grande do Sul. Após a decisão, o Ministério Público do estado recorreu ao Supremo.

As péssimas condições dos presídios brasileiros foi o argumento apresentado pela Corte de Apelação de Bolonha, na Itália, para rejeitar a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado na Ação Penal 470, o processo do mensalão. De acordo com a decisão, os juízes relataram duas mortes ocorridas neste ano no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, onde Pizzolato cumpriria pena se fosse extraditado. 

Amicus curiae
O Distrito Federal, inclusive, é um dos terceiros interessados aceitos pelo Supremo no Recurso Extraordinário. Além dele, o STF aceitou como interessados a União e os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, São Paulo e Santa Catarina.

Tanto os estados e o DF quanto a Advocacia-Geral da União se manifestaram pelo desprovimento do Recurso Extraordinário. Em sua petição, a AGU reconhece que as condições orçamentárias e financeiras do Rio Grande do Sul não são as mais satisfatórias para garantir o pleno atendimento das reivindicações assistenciais dos presos. Entretanto, a AGU observa que a administração estadual vem avançando na busca de soluções para o problema. Tanto que, em cooperação com a União, traçou um programa de administração penitenciária para solucionar a crise carcerária, não havendo espaço para a interferência do Poder Judiciário.

Renato Araujo/ABr
“A crise do sistema prisional brasileiro surge como sintoma de uma disfuncionalidade sistêmica. Por depender de uma reforma institucional (e não apenas de um ajuste na política pública em questão), a ser desenvolvida da forma mais legítima possível, no campo decisório próprio das democracias, não cabe ao Poder Judiciário, no caso concreto, determinar qualquer tipo de intervenção na administração penitenciária estadual”, concluiu a AGU na petição de 2010, assinada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams (foto).

Já os estados e o DF alegam que todos têm adotado medidas para melhorar o sistema prisional, não cabendo ao Judiciário intervir. “O Poder Judiciário não tem condições de aferir, ao contrário do Poder Executivo, qual é o local mais necessitado de reforma; se há verbas; se há outro local melhor para transferir os presos; se a transferência pode ser feita em determinado momento sem por em risco a segurança dos presos e da população; quais os locais são mais aptos à re-socialização dos presos", afirmam. Eles defendem que o Poder Executivo tem condições de visualizar a situação da Segurança Pública como um todo, enquanto que cada Juiz só terá ciência do caso particular que lhe é trazido.

Desvio de finalidade
Já para a PGR, o Judiciário pode determinar as reformas que devem ser feitas nos presídios. Em manifestação de 2009, assinada pela então subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho, o órgão aponta que o Rio Grande do Sul não contestou as más condições do presídio, nem comprovou não haver recursos orçamentários.

De acordo com ela, o estado apenas sustentou que o Judiciário não pode impor a reforma, porque o Executivo sabe o que convém fazer. “Entretanto, se o estado não prioriza a garantia do mínimo existencial, verifica-se o desvio de finalidade de seus atos, restando justificada a intervenção do controle jurisdicional”.

O parecer da PGR ainda pode ser alterado. Como ele foi dado antes de ser reconhecida a repercussão geral no caso, o atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu vistas dos autos para oferecer uma nova manifestação. O ministro Ricardo Lewandowski atendeu ao pedido e agora aguarda o retorno dos autos para análise do recurso. Com informações da Agência Brasil.

Clique aqui para ler a decisão que reconheceu a repercussão geral.
Clique aqui e aqui para ler as manifestações dos estados, do DF e da AGU.
Clique aqui para ler a manifestação da PGR de 2009.

RE 592.581

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