Liberdade de imprensa

O direito de resposta e a Reclamação Constitucional

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7 de novembro de 2014, 6h21

Como é sabido, no dia 1º de abril do ano de 2009, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, tendo como relator o já aposentado ministro Carlos Ayres Britto. Neste processo constitucional, ajuizado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), discutia-se a constitucionalidade da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67). Naquela oportunidade, o ministro Ayres Britto entendeu que a Lei de Imprensa não poderia permanecer no ordenamento jurídico brasileiro, por ser incompatível com a Constituição Federal de 1988. Nesta mesma sessão, o ministro Eros Grau, também já aposentado, adiantou seu voto, acompanhando o relator. O julgamento foi suspenso com um pedido de vista do então ministro Menezes Direito. Na sessão do dia de 30 de abril de 2009, a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental foi retomada.

Nesta segunda oportunidade, o ministro Menezes Direito seguiu o entendimento do relator, destacando que a imprensa é a única instituição "dotada de flexibilidade para publicar as mazelas do Executivo", sendo reservada a outras instituições a tarefa de tomar atitudes a partir dessas descobertas. Segundo ele, a imprensa apresenta uma missão democrática, pois o cidadão depende dela para obter informações e relatos com as avaliações políticas em andamento e as práticas do governo. Por isso, essa instituição precisa ter autonomia em relação ao Estado. "Não existe lugar para sacrificar a liberdade de expressão no plano das instituições que regem a vida das sociedades democráticas", disse o ministro, revelando que há uma permanente tensão constitucional entre os direitos da personalidade e a liberdade de informação e de expressão.

"Quando se tem um conflito possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade. O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação das ideias", completou, ao citar que a democracia para subsistir depende da informação e não apenas do voto. Segundo ele, "a sociedade democrática é valor insubstituível que exige, para a sua sobrevivência institucional, proteção igual a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana e esse balanceamento é que se exige da Suprema Corte em cada momento de sua história", salientando que deve haver um cuidado para solucionar esse conflito sem afetar a liberdade de expressão ou a dignidade da pessoa humana.

Ao votar no mesmo sentido do relator, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha afirmou que o ponto de partida e ponto de chegada da Lei de Imprensa é "garrotear" a liberdade de expressão. Ela acrescentou ainda que o direito tem "mecanismos para cortar e repudiar todos os abusos que eventualmente ocorram em nome da liberdade de imprensa", afirmando que o fundamento da Constituição Federal é o da democracia e que não há qualquer contraposição entre a liberdade de expressão e de imprensa com o valor da dignidade da pessoa humana: "muito pelo contrário, o segundo princípio é reforçado diante de uma sociedade com imprensa livre".

Já o ministro Ricardo Lewandowski, acompanhando o voto do relator, lembrou que a Lei de Imprensa foi promulgada em período de exceção institucional, sendo, portanto, totalmente incompatível com os valores e princípios abrigados na Constituição Federal de 1988. Para ele, o texto da lei além de não se harmonizar com os princípios democráticos e republicanos presentes na Carta Magna, é supérfluo, uma vez que a matéria se encontra regulamentada pela própria Constituição. Diversos dispositivos constitucionais garantem o direito à manifestação de pensamento — direito de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Igualmente, o ministro Cezar Peluso seguiu o voto do relator, argumentando que a Constituição Federal não prevê caráter absoluto a qualquer direito, logo "não poderia conceber a liberdade de imprensa com essa largueza absoluta". "A Constituição tem a preocupação não apenas de manter um equilíbrio entre os valores que adota segundo as suas concepções ideológicas entre os valores da liberdade de imprensa e da dignidade da pessoa humana", afirmou o Ministro, ressaltando que a liberdade de imprensa é plena dentro dos limites reservados pela Constituição. Afirmou que "talvez não fosse prático manter vigentes alguns dispositivos de um sistema que se tornou mutilado e a sobrevivência de algumas normas sem organicidade realmente poderia levar, na prática, a algumas dificuldades".

De acordo com o ministro, até que o Congresso Nacional entenda a necessidade da edição de uma Lei de Imprensa — o que, para ele, é perfeitamente compatível com o sistema constitucional — cabe ao Judiciário a competência para decidir algumas questões relacionadas, por exemplo, ao direito de resposta.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, decidindo que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) era completamente incompatível com a Constituição de 1988.

Pois bem.

A partir desta decisão, aliás, corretíssima, o Supremo Tribunal Federal passou a receber várias Reclamações constitucionais, sempre que o direito de resposta (que tinha previsão legal na lei não recepcionada pela Constituição Federal) tenha sido ou não deferido por órgão do Judiciário, ou mesmo qualquer outra decisão que diga respeito diretamente à liberdade de imprensa ou de expressão. Eis a questão: nestes casos, é cabível, efetivamente, a Reclamação constitucional, ou não?

No sentido positivo, o ministro Gilmar Mendes suspendeu, monocraticamente, decisão do Tribunal Superior Eleitoral que obrigava a uma revista semanal dar a um determinado partido político direito de resposta por causa de uma reportagem. O ministro afirmou em liminar que o Supremo Tribunal Federal, na decisão que declarou a Lei de Imprensa inconstitucional, fixou o entendimento de que o direito de resposta só é cabível contra a divulgação de informações falsas. No caso da revista, escreveu o ministro, todos os fatos foram noticiados com as devidas fontes. Embora reconhecesse que a medida cautelar não era o meio mais adequado de se investigar a veracidade de informações noticiada pela imprensa, a revista creditou tudo o que divulgou em depoimentos dados à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal: "estando os fatos sob investigação, não é possível concluir sobre sua incorreção ou inveracidade.” Para ele, “afigura-se bastante provável que o ato reclamado tenha, ao emprestar interpretação excessivamente limitadora da liberdade de imprensa, destoado das decisões proferidas por esta corte na ADPF 130 e na ADI 4.451 que discutiram a Lei de Imprensa, ambas de relatoria do ministro Ayres Britto”. Ele afirmou, outrossim, que a concessão do direito de resposta nesse caso foi “bastante lesivo à liberdade de imprensa”, inclusive porque contrariou a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal. O ministro citou diversos precedentes do próprio Tribunal Superior Eleitoral que demonstravam a preocupação da corte com a liberdade de expressão, como, por exemplo, um voto do ministro Sepúlveda Pertence, já aposentado, que dizia: “é a imprensa escrita a área de eleição de toda a história da afirmação da liberdade de expressão, de pensamento, de informação, de crítica”.

Na verdade, justifica-se esta decisão singular do ministro Gilmar Mendes, pois, quando do julgamento da referida Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ele votou, diversamente do relator, apenas pela parcial procedência da ação, mantendo as regras que disciplinavam o direito de resposta presentes na Lei de Imprensa. Naquela oportunidade, ele abriu divergência exatamente para afirmar que "o direito de resposta é assegurado no plano constitucional, mas necessita no plano infraconstitucional de normas de organização e procedimento para tornar possível o seu efetivo exercício", dizendo expressamente que via com grande dificuldade a supressão das regras da Lei de Imprensa. "Nós estamos desequilibrando a relação, agravando a situação do cidadão, desprotegendo-o ainda mais; nós também vamos aumentar a perplexidade dos órgãos de mídia, porque eles terão insegurança também diante das criações que certamente virão por parte de todos os juízes competentes", defendeu. Ele previu "fenômenos" que poderiam surgir a partir da jurisprudência no sentido da revogação da lei, especialmente o direito de resposta: "um de completa incongruência da aplicação do direito de resposta, com construções as mais variadas e eventualmente até exóticas, ou um caso estranho de ultratividade dessa lei que não foi recebida".

Esta parece ser, nada obstante, uma posição isolada na Corte Suprema, pois deve prevalecer o entendimento pelo não cabimento da Reclamação em casos como tais.

Neste sentido, o ministro Luix Fux negou seguimento à Reclamação 18.844, ajuizada exatamente contra uma decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul que concedeu direito de resposta a um candidato que disputava o cargo de governador de Estado. Em sua decisão, o ministro Fux salientou que “embora se tenha assentado pela não recepção da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) —, foi ressalvada permanência do direito de resposta em seu caráter autônomo para aquele que se sentiu ofendido para sanar eventual dano a sua imagem ou restaurar a verdade dos fatos”. Segundo ele, o juízo de valoração para assegurar ou não esse direito é do magistrado originário da causa que, por estar mais próximo dos fatos, poderá emitir uma decisão mais adequada a eles, acrescentando que, no caso em questão, a liberdade de imprensa estava plenamente assegurada, já que o processo não trata de impedimento de veiculação da matéria, mas sim sobre eventual direito de resposta a ser publicada por determinação direta do Tribunal Regional Eleitoral. “Ao alegar que a decisão atacada é extra petita, o reclamante trata de matéria que não guarda identidade material com decisão proferida por esta Corte nos autos da ADPF 130", afirmou. Ele acrescentou que a reclamação “não se qualifica como sucedâneo recursal nem configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade revela-se estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual”.

Igualmente, o ministro Dias Toffoli negou seguimento à Reclamação 18.776, na qual foi questionada decisão da Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro que determinou a retirada de um vídeo do canal de uma produtora no youtube. O ministro entendeu que a via processual escolhida é inadequada, uma vez que o entendimento constante na decisão atacada — proferida pela juíza coordenadora da fiscalização da propaganda eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro — não desafiou frontalmente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Disse ele: “No caso dos autos, não verifico a identidade entre o debate travado na presente reclamação e o entendimento vinculante apto a instaurar o exercício da jurisdição, em sede reclamatória, pelo Supremo Tribunal Federal”. Segundo o relator, além de a decisão questionada não configurar censura prévia, está fundamentada em indícios de violação ao direito a imagem e vida privada de candidato a cargo eletivo, previstas no Código Civil, e não consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte.

Para o ministro, "se entendermos que caberá reclamação mesmo fora das hipóteses constantes na parte dispositiva da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, passará o Supremo Tribunal Federal a julgar diretamente, afrontando o sistema processual recursal, toda causa cuja matéria seja a liberdade de imprensa ou expressão”, significando atrair para a Corte Constitucional a competência originária dada aos juízes e tribunais do país, bem como abriria possibilidade de analisar todas as ações sobre a temática da liberdade de imprensa e de manifestação de pensamento em trâmite no País.

Aliás, nem mesmo o fato do Supremo Tribunal Federal ter referendado uma liminar concedida parcialmente pelo ministro Carlos Ayres de Britto na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451, em que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão contesta os incisos II e III do artigo 45 da Lei 9.504/97[1], é suficiente para determinar a competência do Supremo Tribunal Federal.

Em conclusão: nem sempre será adequada a via constitucional da Reclamação apenas e tão somente por ser a matéria questionada relativa à liberdade de imprensa ou à liberdade de expressão, sob pena de evidente supressão de instâncias.


[1] "Art. 45. A partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário: (…) II- usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; III- veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes."

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