Jurisprudência Fiscal

Carf, a receita bancária e outras questões fiscais

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

6 de novembro de 2014, 7h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]O Fisco tem o entendimento, quanto ao PIS/Cofins das instituições financeiras, que são tributáveis, como receitas típicas da atividade, as decorrentes de operações bancárias em geral (spreads, prêmios, deságios, juros de intermediação ou aplicação, empréstimos, arrendamento mercantil etc.). Ao passo que os contribuintes defendem que deveriam só ser tributadas as receitas advindas dos serviços prestados em sentido estrito (tarifas de abertura, manutenção, administração de conta etc.).

A questão chegou à Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf que debateu, para o caso, o alcance da decisão do STF no RE 346.084, no qual foi afastada a base alargada e restou fixado que “é inconstitucional o §1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada”. E a CSRF decidiu que, até que o STF julgue um precedente específico para instituições financeiras, a inconstitucionalidade o parágrafo 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98 não atinge a tributação de toda e qualquer receita da atividade típica de uma instituição financeira; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 9303-002.994 (publicado em 31.10.2014)
PIS/PASEP. BASE DE CÁLCULO. LEI 9.718/98. INCONSTITUCIONALIDADE. DECISÃO STF. REPERCUSSÃO GERAL.

As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecidas como de Repercussão Geral, sistemática prevista no artigo 543-B do Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas no julgamento do recurso apresentado pelo contribuinte. Artigo 62-A do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Declarado inconstitucional o § 1º do caput do artigo 3º da Lei 9.718/98, integra a base de cálculo da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social COFINS e da Contribuição para o PIS/Pasep o faturamento mensal, representado pela receita bruta advinda das atividades operacionais típicas da pessoa jurídica.

Recurso Especial do Contribuinte Negado.

Voto Vencido (…)

É importante também observar que somente com a alteração ocorrida a partir de 2014, pela edição da Medida Provisória nº 627/2013, art. 49 – transformada na Lei nº 12.973, de 2014, que alterou a legislação federal – as instituições financeiras terão que recolher PIS e Cofins sobre uma base maior, ou seja, o faturamento incluindo o spread. Se foi preciso alteração da norma é porque antes não era devido a inclusão de receitas sobre o conceito mais largo de Receita. (…)

Penso, com todo o respeito àqueles que de mim divergem, que uma vez reconhecido a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98, seja a empresa financeira, comercial ou industrial, a revogação da norma se aplica indistintamente para todos os seguimentos. É estranho se pensar que a depender da atividade econômica possa se ter um conceito de receita/faturamento diferente. A base de cálculo deve estar limitada à receita bruta das vendas de mercadorias e da prestação se serviços, sem a inclusão da receita financeira decorrente das operações bancárias.

Voto Vencedor (…)

Com efeito, o alinhamento do entendimento aplicável à matéria depende, em última análise, do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, em Regime (já determinado) de Repercussão Geral, do Recurso Extraordinário nº 609.096, a partir de quando, pelo menos no contexto atual e na presente instância, as opiniões pessoais cederão à hierarquia da jurisdição. Enquanto não consumado o julgamento do RE pelo Pretório Excelso, cumpre a este Colegiado escolher a interpretação que considera correta e determinar o cumprimento da decisão em âmbito administrativo. (…)

A conclusão a que se chega é que depois da Lei 9.718/98 e da declaração da inconstitucionalidade do parágrafo 1º de seu artigo 3º, apenas a receita típica da pessoa jurídica e não a totalidade das receitas auferidas por ela poderiam integrar a base de cálculo das Contribuições. (…)

Já no que concerne à alteração introduzida recentemente pela Lei 12.973/04 e a correspondente exposição de motivos, importante observar que se trata de uma inovação na definição da receita bruta que alcança a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social Cofins e Contribuição para o PIS/Pasep, essas duas últimas, também quando calculadas no Sistema Não-Cumulativo de apuração. A exposição de motivos não deixa claro para qual desses tributos e contribuições estar-se-ia passando a tributar fato gerador novo, inaugural no mundo jurídico tributário. A despeito disso, não há como interpretar que a Lei tenha encerrado a questão da incidência ou não das Contribuições sobre o spread bancário para fatos geradores anteriores a sua entrada em vigor. As manifestações colhidas da mais alta instância da jurisdição brasileira mostram que trata-se de um assunto em aberto, que será decidido apenas quando com o trânsito em julgado do Recurso Extraordinário nº 609.096.


Momento da conexão
Um contribuinte teve lavrado contra si várias autuações em torno dos mesmos fatos e buscou, via Mandado de Segurança, a obrigatoriedade de todos os recursos administrativos serem julgados em conjunto pelo Carf. Todavia, a sentença, apoiando-se na literalidade do Regimento Interno do Carf, negou a possibilidade aduzindo que eventual conexão só pode ser reconhecida no momento da distribuição e não para fins de julgamento; assim fundamentada:

MS 0027816-83.2014.4.01.3400 (publicada em 31.10.2014)

A impetrante pretende a aplicação do art. 47, do Regimento Interno do CARF para que seus processos administrativos sejam julgados conjuntamente, contudo a norma se refere tão somente a critérios de distribuição, e não de julgamento. (…)

Deste modo, nada impede que os processos administrativos sejam julgados em momentos distintos, sendo desnecessário o julgamento simultâneo dos processos administrativos tributários em questão.

A pretensão de que não haja julgamentos conflitantes enseja, tão somente, a redistribuição, se for o caso, e não a suspensão para julgamento simultâneo. (…)

Ante o exposto, RATIFICO OS TERMOS DA DECISÃO LIMINAR E DENEGO A SEGURANÇA PLEITEADA.


Ônus e bônus da Requalificação
Existem autuações da Receita Federal nas quais operações ou contratos de contribuintes sofrem requalificações jurídicas, passando o fisco a interpretar tais negócios de forma diferente e mais gravosa tributariamente. Foi o que ocorreu no caso abaixo, em que prêmio na subscrição de debênture foi requalificado para aumento disfarçado de capital.

Todavia, apreciando a questão, Turma do Carf apontou que, já que mantida a requalificação, deve ocorrer em todos os aspectos, não só nos gravosos mas também nos benéficos, devendo a autuação descontar os tributos pagos na formatação original dos fatos; o que provocou a inexistência de saldo devedor; assim ementado:

Acórdão 1102-001.228 (publicado em 30.10.2014)
RECLASSIFICAÇÃO DOS FATOS PELA FISCALIZAÇÃO. APLICAÇÃO DOS EFEITOS FISCAIS DE OFÍCIO. NECESSIDADE DE EXCLUSÃO DOS RENDIMENTOS JÁ TRIBUTADOS NO GRUPO ECONÔMICO.

Como os fatos ocorridos foram qualificados de ofício de forma diversa da adotada pelo contribuinte, deve-se aplicar a nova qualificação com todas as suas consequências.

Como os valores pagos para a aquisição das debêntures foram tratados como aumentos de capital, a remuneração das debêntures, equivalente a 100% dos lucros da controlada, deve ser considerada como distribuição de lucros à controladora, isenta do IRPJ, nos termos do art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995.

Assim, devem ser excluídos da tributação os valores referentes à remuneração das debêntures, tributados no contribuinte como receitas financeiras, após a dedução do IRPJ e da CSLL sobre eles incidentes, por equivalerem aos lucros que seriam distribuídos ao sócio sem incidência tributária.

Nos anos sob análise, a referida exclusão elimina todas as diferenças lançadas no contribuinte, devendo-se cancelar a presente autuação.


Coisa julgada em foco
Um tema que aguarda pacificação é a definição se há hipóteses nas quais a coisa julgada, que favorece um contribuinte, pode ser afastada pelo fisco. Estando a questão no aguardo da publicação de duas importantes decisões.

Na primeira, a CSRF do Carf manteve o afastamento da coisa julgada, que desonerava um contribuinte de recolher CSL, porque teria havido inovações relevantes na legislação do tributo, portanto a decisão transitada só teria eficácia para o anterior parâmetro normativo (PAF 19515.001331/2010-75 na sessão de 07.10.2014); em que pese o STJ ter pontuado, no REsp 1.118.893, sob o regime de Recurso Repetitivo, que a coisa julgada não poderia ser afastada quanto à CSL porque foram “alterações que não criaram nova relação jurídico-tributária”. Na segunda decisão, que também aguarda publicação de Acórdão e que fornecerá mais ingredientes ao debate, o STF considerou, sob o regime de Repercussão Geral, que a coisa julgada não pode ser rescindida tendo por fundamento a posterior modificação de jurisprudência do próprio STF (RE 590.809 na sessão de 22.10.2014).

Enquanto isso, as Turmas do Carf continuam a julgar, e duas decisões, publicadas no mesmo dia, chamam a atenção, pois caminharam em sentidos opostos, apesar de produzidas pelo mesmo colegiado. Na primeira, a Turma, com quórum desfalcado de um Conselheiro, manteve a soberania da coisa julgada estabelecendo por maioria que “decisão judicial se cumpre sem qualquer discussão”; assim ementado:

Acórdão 1802-002.385 (publicado em 30.10.2014)
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA

Havendo decisão judicial transitada em julgado em favor do contribuinte que considerou inconstitucional a cobrança da CSLL, nos termos da Lei nº 7.689/88, por identidade da base de cálculo com o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, incabível a cobrança de débito relativo àquela exação.

DECISÃO JUDICIAL. COISA JULGADA.
Impossível que a autoridade administrativa cobre qualquer exação da qual o contribuinte tenha decisão judicial favorável sob pena de desobediência.

Todavia, a mesma Turma, desta feita com composição completa e com voto de desempate do Presidente, afastou a eficácia da coisa julgada que desonerava a CSL, sob o fundamento de que essa decisão judicial não pode se projetar indefinidamente para o futuro, especialmente porque houve decisão posterior do STF com tese contrária ao entendimento que transitou em julgado; assim ementado:

Acórdão 1802-002.372 (publicado em 30.10.2014)
LIMITES DA COISA JULGADA

Não se perpetuam os efeitos da decisão transitada em julgado, que afastou a incidência da Lei nº 7.689/88 sob o fundamento de sua inconstitucionalidade, principalmente quando considerado o pronunciamento posterior do STF, em sentido contrário, cuja eficácia tornou-se “erga omnes” pela edição de Resolução do Senado Federal.


Destinação da CIDE
O Ministério da Fazenda questionou a PGFN sobre a possibilidade de mudar a conta recebedora dos recursos da CIDE-Combustível destinados para os Estados (conforme artigo 1º-A da Lei 10.336/01), pois há o pleito de que, ao invés de ficarem os valores em conta vinculada a Departamentos de Estradas e Rodagens – DER, houvesse “mudança de titularidade da conta recebedora dos recursos da CIDE – Combustível que passaria a ser, quando solicitado, a do órgão executor do Programa de Trabalho apresentado pelos estados para aplicação dos recursos oriundos da citada contribuição”.

Em manifestação, a PGFN aduziu que, independentemente da titularidade da conta recebedora, o que não pode ocorrer é a quebra da vinculação da CIDE às finalidades constitucionais, pois restaria maculada a regra matriz da Contribuição; lição que se aplica a vários tributos; assim fundamentado:

Parecer PGFN/CAT 1.771/2014 (publicado em 29.10.2014)

7. Como se pode observar o mandamento legal determina que o crédito deve ser efetivado em conta vinculada aberta para essa finalidade. Tendo em vista que se cuida de tributo finalístico, os recursos devem ser vinculados às finalidades visadas na constituição. A utilização dos recursos arrecadados com a contribuição interventiva em programas que não estejam relacionados às atividades descritas fere o objetivo da norma podendo atingir a regra matriz de incidência da contribuição. Dessa forma, o que importa, do ponto de vista tributário, é a utilização dos recursos nas destinações constitucionais e se a modificação da titularidade da conta não afasta a continuidade desses objetivos, entendemos não haver afronta à lei que exige a conta vinculada mas não nomeia o titular. (…)

9. Dado o exposto, em face das características das contribuições de intervenção no domínio econômico e dos mandamentos constitucionais relativos à CIDE – Combustível, entendemos que do ponto de vista tributário interessa a vinculação dos recursos carreados aos cofres públicos às finalidades contidas no § 4º do art. 177 da CF.


Decisões variadas
No Acórdão 1302-001.325, Turma do Carf, analisando relação de prestação de serviço entre empresas de um mesmo grupo, concluiu que, sem intensão dolosa de economia tributária, não há simulação; assim ementado: “a celebração de negócios jurídicos que estejam em pleno acordo com a legislação em vigor, não havendo razões legais para desconsiderá-los ou desqualifica-los. E, ademais, tendo as partes efetivamente desejado todos os efeitos jurídicos que pudessem advir de tais atos por elas perpetrados, não há que se falar em simulação e/ou fraude”.

Turma do Carf, tratando da dedutibilidade do ágio adquirido em reorganização societária, produziu duas decisões com resultados distintos, ficando a presença da simulação como diferencial para o resultado. No Acórdão 1302-001.508 (publicado em 30.10.2014), afastada a autuação porque as operações societárias revelaram-se “indispensáveis à conclusão do negócio pretendido”. Já no Acórdão 1302-001.465 (publicado em 29.10.2014), mantida parcialmente a autuação no ponto da simulação, porque “a descrição das condutas praticadas pela recorrente e a dinâmica dos fatos deixam clara a simulação de atos para gerar ágio e dissimular tanto o ganho de capital como o verdadeiro custo da operação”.

Autores

  • é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

  • é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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