Diário de Classe

Sorria, estudante de Direito, você virou recebível no mercado financeiro

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1 de novembro de 2014, 7h00

Spacca
Boa parte da crítica ao ensino jurídico não se dá conta de que os grandes conglomerados econômicos decidiram investir em ensino superior não pela melhoria do país e, muito menos, pela formação qualificada dos estudantes. O ensino de qualidade é uma externalidade positiva. Na verdade boa parte das faculdades e universidades de Direito (privadas) procura manter o mínimo que o Ministério da Educação exige fazendo malabarismos absurdos com a quantidade de doutores e mestres pertencentes ao corpo docente. Usam os doutores e mestres em diversos campi para justificar a quantidade exigida, muitas vezes considerando esses professores itinerantes. Não estou defendendo que o fato de serem portadores do título de mestrado ou doutorado os torna melhores. A questão é que se joga com as regras no colo. Se são necessários dez doutores, aluga-se o título de alguns, não raro, pagando pouco. Professores exclusivos se submetem para sobreviver, por suas razões pessoais e não quero problematizar isso.

Mas o fundamental da reflexão reside noutro patamar. Algo que não nos é dito. Imagine, caro leitor, que você é acionista de um conglomerado educacional com ações na bolsa de valores ou investiu num Fundo de Recebíveis Educacionais. O investidor quer o ensino de qualidade ou lucro? Claro que a manutenção de alunos exige que o ensino possa se sustentar minimamente e não haja êxodo dos acadêmicos. Por isso, ao mesmo tempo em que se pretende lucro também deve-se divulgar a qualidade do ensino. Para isso o marketing das instituições é campeão. Quatro, três, cinco estrelas nas avaliações é o fundamental. E, para tanto, as instituições estudam as regras. Cumprem os requisitos necessários e depois formam os alunos para as provas que darão a ilusão de garantia. Depois todo mundo publica no Facebook que a IES possui tantas estrelas, respira feliz e acha que está no caminho certo. Felizes? O ensino do Direito passou a ser: se não está na prova da OAB, não está na grade escolar (leia aqui). Aliás, essa crítica é reiterada na coluna Diário de Classe pelos colegas André Karam Trindade, Rafael Tomaz de Oliveira e Lenio Luiz Streck. Com esse modelo formamos técnicos em provas e não juristas.

Quando um aluno assina um contrato de prestação de serviços educacionais a instituição financeira, digo, educacional, insere o contrato num Fundo de Recebíveis, ou seja, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), com o qual as mensalidades futuras, normalmente o contrato anual/semestral de ensino, passa a ser operado (cedido ao fundo) e gera lucros maiores do que a renda fixa. O fundo adquire os valores a receber e promove, com esse estratagema, dinheiro virtual. Anoto, desde já, que a operação é licita. Existem fundos que aceitam cheques, títulos a vencer, enfim, toda uma gama de operações legais. A questão é que se negocia com o seu contrato de ensino. Você virou mercadoria e é bom que saiba.

O acadêmico acredita que a instituição de ensino recebe as mensalidades e paga os professores, as despesas e depois apura o lucro. Essa mentalidade é de IES que não entendeu que podem criar recebíveis. São as que andam em dificuldades financeiras. Não raro são IES com administradores atrasados ao que desponta no mercado financeiro e depois não entendem porque várias marcas nacionais compram as faculdades pequenas. Bingo. A compra de pequenas Faculdades, na análise custo benefício, dá-se pelo potencial dos recebíveis. Aliás, quando um grande grupo compra uma Faculdade pequena quer saber o número de alunos e o valor da mensalidade. Daí se calcula quanto vale o negócio.

Repito que é tudo lícito. O que devemos superar é o romantismo de que as entidades que aplicam no mercado financeiro com a sua mensalidade estão, de fato, preocupadas com a qualidade de ensino. O ensino virou meio de captação de recebíveis, não o fim de sua atividade. Consulte seu contrato de prestação de serviços e veja se não há uma cláusula autorizando a venda dos recebíveis? Bingo novamente. Por aí você pode entender porque não há laboratórios, investimento em pesquisa e demais componentes de Instituições Públicas. Evidente que não estou defendendo o fim do investimento público em universidades e faculdades privadas, até porque o programa de financiamento público realizado nos últimos anos implicou na ampliação significativa do acesso ao ensino superior. Boa parte das privadas possui alunos financiados pelo governo federal, ou seja, melhorando o rating (a classificação do risco) e propiciando maior rentabilidade. Ficou curioso para ver como funciona? A Febraban explica. Por essa operação se vende o contrato de 12 ou 6 meses à taxa pré-fixada, transformando a mensalidade em mecanismo de alavanca de capital.

Entendendo, portanto, que no atual estado da arte a finalidade de boa parte das Instituições de Ensino Superior é o mercado financeiro — quem sabe, o leitor possa entender as dificuldades dos coordenadores dos cursos de Direito. Muitos estão de boa-fé, mas encontram nas diretrizes das Mantenedoras limitações intransponíveis. A finalidade é o lucro, não o ensino. Fale-se baixinho.

Esse novo desenho da estrutura não dita do ensino jurídico no Brasil faz entender o que se passa. Talvez seja ilusão de minha parte mostrar isso a vocês. Contudo, basta consultar a rentabilidade dos fundos, muitas vezes criados com o próprio nome da mantenedora, e se possa compreender o que se passa. Daí que “alunos alunos, negócios à parte”. Discutam entre vocês. Podemos não conseguir mudar as coisas, mas pelo menos entendemos que o acadêmico de direito não é só estudante e sim recebível no mercado financeiro. Lembre-se de estudar e ir bem nas provas de avaliação porque assim vocês poderão melhorar as perspectivas financeiras da Instituição. Parabéns. Afinal, estão aí para isso mesmo: gerar lucro. Boa formatura e perdão por estragar a festa de alguns.

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