Regra da transparência

Inquérito sobre corrupção em ajuda ao Iraque pode virar notícia

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26 de março de 2014, 17h06

Os escândalos de corrupção envolvendo uma campanha humanitária para o Iraque podem vir à tona em breve na Inglaterra. É que, nesta quarta-feira (26/3), a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que, como regra, os inquéritos, judiciais ou administrativos, são públicos. Com isso, a agência reguladora que fiscalizou a campanha humanitária pode ser obrigada a revelar para a imprensa toda a investigação conduzida por ela.

O julgamento refere-se especificamente à interpretação da lei britânica que garante o acesso à informação, chamada de Freedom of Information Act 2000 (Foia). Ao interpretar a legislação, os juízes consideraram que ela não obriga que investigações internas conduzidas pela agência reguladora sejam reveladas por até 30 anos depois de concluídas. A corte, no entanto, considerou que a jurisprudência nacional dita a transparência como regra e, com base nela, toda e qualquer informação de interesse público deve ser divulgada, exceto quando há motivos razoáveis para manter o sigilo.

O caso julgado pela corte trata da briga travada pelo jornalista Dominic Kennedy, do jornal The Times, com a Charity Commission, agência que regula as entidades de caridade no Reino Unido. Ele pede acesso ao inquérito conduzido pela agência sobre denúncias de corrupção na campanha de ajuda ao Iraque batizada de Mariam Appeal.

A decisão da Suprema Corte não garante a Kennedy o acesso a esses documentos, já que ele contestou o sigilo do inquérito apenas com base na Foia, mas torna mais difícil para a Charity Commission recusar um novo pedido baseado na jurisprudência reconhecida pelo tribunal. Pelo julgamento desta quarta, caso Kennedy faça uma nova solicitação, a agência terá de apresentar motivos razoáveis que justifiquem o sigilo. Caso contrário, terá de entregar os documentos solicitados. Clique aqui para ler a decisão em inglês.

Desvios de solidariedade
A história que está por trás do pedido de Kennedy começou na década de 1990. O Iraque vivia um período difícil por conta das sanções impostas pela ONU ao governo de Saddam Hussein. Em 1998, um político britânico chamado George Galloway resolveu começar uma campanha contra essas sanções. A proposta era oferecer medicamentos e tratamento médico para os iraquianos que sofriam sem a ajuda dos outros países. A campanha foi chamada de Mariam Appeal, em referência a uma criança que foi levada do Iraque para a Inglaterra para tratar leucemia.

O apelo durou até 2003, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque e deram um fim ao governo de Saddam. O fim da campanha foi marcado por denúncias de corrupção envolvendo seu fundador, George Galloway. Ele teria usado dinheiro arrecadado para pagar viagens de integrantes do movimento. Galloway ainda foi acusado de receber ilegalmente dinheiro destinado ao programa da ONU Oil for Food, que permitia que o Iraque vendesse petróleo para outros países em troca de comida e remédio.

Com o fim da Mariam Appeal e a enxurrada de acusações publicadas pela imprensa, a Charity Commission resolveu abrir um inquérito sobre a campanha. Foi quase um ano de investigação. Em maio de 2004, o relatório final foi divulgado. A grande questão é que a campanha nunca foi registrada como uma entidade de caridade, mas a agência considerou que isso foi um erro de orientação dada a Galloway sem maiores consequências. Sobre o desvio de verba, foi considerado que não havia evidências de que o dinheiro arrecadado tenha sido usado de maneira inapropriada.

O problema do inquérito conduzido pela Charity Commission é que, por a campanha nunca ter sido registrada como uma entidade, não manteve registro de caixa. Com seu fim, todos os documentos foram, pelo menos teoricamente, perdidos e qualquer prova, apagada. George Galloway, que é deputado, foi alvo de inquérito também no Parlamento e acabou suspenso por 18 sessões, mas a história se encerrou aí. Ele nunca admitiu qualquer irregularidade na campanha.

Desde então, o jornalista do Times Dominic Kennedy tenta ter acesso a todo inquérito conduzido pela Charity Commission. Ele defende que, por lei, tem direito de vasculhar todos os documentos recolhidos pela agência. Em 2012, a Corte de Apelação rejeitou o pedido de Kennedy. O tribunal considerou que a legislação sobre o assunto não obriga uma entidade a revelar inquérito conduzido por ela mesma. Clique aqui para ler a decisão em inglês.

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