Processo Novo

Incompetência do juízo não deve anular todo o processo

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

24 de março de 2014, 15h41

Spacca
Em julgado recente, o Supremo Tribunal Federal anulou sentença que havia condenado um deputado federal. Motivo: a sentença havia sido proferida por juízo incompetente. O caso refere-se a condenação criminal. Mas algo semelhante se passa no âmbito do processo civil.

De acordo com o artigo 113, parágrafo 2º do Código de Processo Civil de 1973, reconhecida a incompetência absoluta, os atos decisórios serão nulos. À luz do dispositivo, tem-se decidido que “a declaração de nulidade tem efeitos ex tunc”, e que o reconhecimento da incompetência conduz à “anulação de todos os atos decisórios proferidos nos autos, tais como a sentença, a decisão de saneamento e outros que julguem questões processuais relevantes”.

Não nos parece correto entender, com fundamento na referida regra processual, que, reconhecida a nulidade, devem ser, sempre, automaticamente cassados os efeitos de todas as decisões judiciais proferidas.

As regras relativas à atribuição de competência aos órgãos jurisdicionais têm por finalidade aperfeiçoar a prestação do serviço jurisdicional, e os requisitos processuais existem para propiciar a obtenção, do melhor modo possível, da solução da lide.[1]

Por tal razão, deve ser afastada qualquer interpretação que não seja condizente com essa finalidade.

Temos sustentado que, nos casos em que o vício resume-se à incompetência do juízo do qual emanou a decisão judicial, devem os efeitos (substanciais e processuais) ser conservados, até que outra decisão seja proferida pelo juízo competente. No ponto, defendemos a adoção da translatio judicii.[2]

Nesse sentido, o projeto de novo Código de Processo Civil dispõe que, reconhecida a incompetência absoluta, “conservar-se-ão os efeitos das decisões proferidas pelo juízo incompetente, até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente” (artigo 64, § 3.º do projeto, que, no ponto, tem a mesma localização e redação, tanto na versão da Câmara dos Deputados quanto na do Senado Federal).

Entre nós, de lege lata, há decisões que observam a transtio judicii, embora de modo excepcional. É o que se tem admitido, com acerto, em se tratando de medidas de urgência, que podem ser concedidas pelo juízo incompetente até ulterior manifestação do juízo competente.

O princípio, no entanto, deve ser observado de modo mais amplo. É bem vinda, nesse ponto, a modificação proposta pelo projeto de novo Código de Processo Civil, que passa a adotar a translatio judicii como regra.


[1] As coisas se passam de modo diverso, a meu ver, quando está em jogo vício relacionado à parcialidade do juiz – isso é, em caso de impedimento ou suspeição do magistrado. A respeito, escrevi recentemente em outro texto desta coluna (clique aqui para ler).
[2] A respeito, cf. o que escrevemos nas obras Código de Processo Civil comentado, 2. ed., Ed. Revista dos Tribunais; Parte geral e processo de conhecimento, em coautoria com Teresa Arruda Alvim Wambier, 4. ed. no prelo, Ed. Revista dos Tribunais.

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