Paradoxo da Corte

Prescrição da ação de improbidade preserva o princípio da isonomia

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27 de maio de 2014, 8h01

O instituto da prescrição é contemplado no Código Civil como uma exceção de direito material que o réu pode arguir na defesa (artigo 193). Uma vez verificada, provoca a extinção da pretensão do autor (artigo 189).

No Código de Processo Civil, a prescrição é regida ao lado da decadência, como tema próprio da resolução do mérito da causa (artigo 269)(cf., a respeito, Humberto Theodoro Júnior, A exceção de prescrição: aspectos substanciais e processuais, As novas reformas do Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 41).

Assinala, a propósito, Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, vol. 3, 6ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1954, p. 370) que a prescrição "é um modo de extinguir o direito pela perda da ação que o assegurava, devido à inércia do credor durante um decurso de tempo determinado em lei".

Nessa mesma linha de raciocínio, escreve Câmara Leal, na clássica monografia Da prescrição e da decadência (2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 52), que: "A ação judicial tem por fim fazer cessar a incerteza, restabelecendo o direito em sua situação anterior ao fato que o modificou. Se o titular do direito deixa de exercitar a ação e nova situação do direito permanece durante um certo lapso de tempo, a lei, que tem um interesse social na estabilidade do direito, retira ao titular o direito de ação, ao fim de certo tempo, decretando a sua prescrição, e a nova situação se estabiliza".

A prescrição é, pois, um fenômeno geralmente “pré-processual”, que tem por escopo precípuo imprimir segurança jurídica aos jurisdicionados.

Nesse particular, a técnica escolhida pelo legislador, como pondera José Fernando Simão (Tempo e direito civil – prescrição e decadência, São Paulo, tese de livre-docência, Faculdade de Direito da USP, 2011, p. 307), tem como primordial objetivo “a celeridade na prestação jurisdicional, como decorrência de uma política judiciária de redução de processos”.

No que se refere particularmente às ações de improbidade administrativa, o artigo 23, I, da lex specialis (Lei 8.429/92) deixa patente que, no caso de atos cometidos por agentes públicos comissionados ou exercentes de funções de confiança, a ação deverá ser proposta no prazo de cinco anos, considerando-se como dies a quo precisamente aquele subsequente ao término do exercício do mandato, não pendendo causa interruptiva ou suspensiva da fluência do tempo.

Ademais, na hipótese de mandatos sucessivos, a lei em vigor não faz distinção acerca do encerramento de qual deles é que se deve iniciar a fluência de tal prazo.

Não obstante, importa ressaltar que a tendência pretoriana que atualmente tem predominado secunda a tese de que a prescrição deve ser computada a partir do término do segundo mandato.

Com efeito, a 1ª Turma do STJ, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 23.443-SP, de relatoria do ministro Francisco Falcão, com lastro em inúmeros precedentes, deixou assentado, em recente acórdão, que: “Em se tratando de reeleição de prefeito municipal para mandatos sucessivos, o prazo prescricional previsto no inc. I do art. 23 da Lei 8.429/92 começa a fluir a partir da extinção do segundo mandato. Precedentes: REsp n. 1.153.79/BA, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 29/04/2010; REsp n. 1.107.833/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 18/09/2009”.

Idêntica orientação foi seguida no recentíssimo julgamento da 2ª Turma, do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 1.208.201-RJ, relatado pelo ministro Humberto Martins: “Em regra, opera-se a prescrição quinquenal às ações de improbidade administrativa, excetuando-se a pretensão de ressarcimento ao erário. Quando o prefeito e outros agentes públicos ocuparem o polo passivo da ação, inicia-se a contagem do prazo com o fim do mandato”.

Aduza-se, outrossim, que para o terceiro, não agente público, parte passiva da ação de improbidade, o prazo prescricional, à toda evidência, é o mesmo, ou seja, é igualmente de um quinquênio.

Como bem pontua Waldo Fazzio Júnior, se prescrito eventual direito de ação, por exemplo, contra prefeito ou secretário estadual, “não teria sentido permanecer aberta a possibilidade de acionar o terceiro”. Se a lei determina que, depois de transcorridos cinco anos do término do mandato, o agente público, não poderá mais ser acionado por ato de improbidade praticado no exercício daquele, por que o terceiro não servidor teria sorte diferente? (Improbidade administrativa e crimes de prefeitos, São Paulo, Atlas, 2000, p. 300. Cf., também, em senso análogo, Marino Pazzaglini Filho, Lei de improbidade administrativa comentada, 4ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 311; Sérgio Ferraz, Aspectos processuais na lei sobre improbidade administrativa, na obra coletiva Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 377).

Este igualmente é o posicionamento que tem sido prestigiado no STJ, como se infere, e. g., do julgamento proferido pela 2ª Turma, no Recurso Especial 1.156.519-RO, de relatoria do ministro Castro Meira, textual: “Em relação ao terceiro que não detém a qualidade de agente público, incide também a norma do art. 23 da Lei 8.429/92, para efeito de aferição do termo inicial do prazo prescricional”.

Mais incisivo ainda é o julgado do mesmo órgão colegiado, no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.159.035-MG, com voto condutor da ministra Eliana Calmon, ao decidir que: “Nos moldes da jurisprudência firmada do STJ, aplica-se aos particulares, réus em ação de improbidade, a mesma sistemática cabível aos agentes públicos, prevista no art. 23, I e II, da Lei 8.429/92, para fins de fixação do termo inicial da prescrição”.

Verifica-se, pois, que esta correta interpretação pretoriana tem o condão de preservar, sob todos os aspectos, o princípio constitucional da isonomia.

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