Interpretação ultrapassada

PT vai ao Supremo contra exigência de um sexto da pena para trabalhar

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26 de maio de 2014, 10h29

O Partido dos Trabalhadores quer que o Supremo Tribunal Federal discuta a constitucionalidade da exigência do cumprimento de um sexto da pena para que o preso possa trabalhar fora da prisão. O partido ajuizou no domingo (25/5) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para que “seja afastada a aplicação do requisito objetivo prévio de um sexto da pena para prestação de trabalho externo por apenados em fase de regime semiaberto”.

De acordo com a inicial da ação, assinada pelo advogado Rodrigo Mudrovitsch, essa parte do artigo 37 da Lei de Execução Penal não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. O argumento é que o dispositivo não é compatível com o inciso XLVI do artigo 5º da Constituição, segundo o qual a lei deve regular a individualização da penal, e com o inciso XLIX do mesmo artigo, que diz: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

O contexto político da ação são as recentes decisões do ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470 (mensalão), de cassar as permissões dos réus que cumprem pena no regime semiaberto de trabalhar fora do presídio. Barbosa já cassou as permissões dos ex-deputados Valdemar da Costa Neto, Bispo Rodrigues, ambos do PR, e Pedro Corrêa (PP); do ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas; do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares; do advogado Rogério Tolentino; e do ex-deputado Romeu Queiroz.

Em suas decisões, Joaquim Barbosa afirma que, embora haja precedentes do Superior Tribunal de Justiça afastando a aplicação do artigo 37 da LEP a condenados ao regime semiaberto, há também decisões das turmas do Supremo que não autorizam o afastamento da aplicação da regra.

Criminalistas ligados à discussão atestam que os tribunais de Justiça do país inteiro não aplicam a regra da Lei de Execução Penal para autorizar o trabalho interno. A interpretação é a de que a exigência de cumprimento de fração da pena só se aplica aos condenados em regime fechado. Por mais que o regime inicial de cumprimento seja o semiaberto, não deve haver essa exigência, afirmam.

Nova ordem
O contexto jurídico da ADPF é que o artigo consta da redação original da lei, de 1984. Mudrovitsch explica que a norma não diferencia se as exigências nela descritas se aplicam a condenados no regime aberto, semiaberto ou fechado. No entanto, vigia no Brasil, na época em que a lei foi editada, a Constituição de 1967, alterada pela Emenda Constitucional 1, de 1969. Isso significa que, à época, “as técnicas de ressocialização do apenado ainda se fundamentavam essencialmente no seu encarceramento”.

Não havia, segundo a inicial da ADPF, maiores preocupações com a ressocialização do condenado. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a redemocratização do país, diz a ação, “a interpretação do ato ora impugnado sofreu considerável alteração, uma vez que não se afigura compatível com a nova ordem constitucional a exigência dos requisitos legais para que os condenados ao regime semiaberto possam exercer trabalho externo”.

A ADPF cita inúmeros julgados do STJ em que a aplicação do artigo 37 da LEP é afastada para condenados que cumprem pena no semiaberto, ainda que o regime tenha sido o inicial da pena. “É fácil reconhecer, portanto, que o posicionamento jurisprudencial pátrio evoluiu no sentido de que o requisito temporal objetivo fixado pelo artigo 37 da LEP não deve ser aplicado aos condenados em regime semiaberto, adequando-se a interpretação legal aos ditames constitucionais instituídos pela Carta Política promulgada em 1988.”

Segundo Rodrigo Mudrovitsch, há mais de dez anos não se encontra na jurisprudência do STJ decisões determinando a aplicação da regra do cumprimento de um sexto da pena. As decisões que ele encontrou do Supremo em que a regra é aplicada são apenas as do ministro Joaquim Barbosa, no processo do mensalão. Para o advogado, o resultado dessas decisões foi a “ressurreição da ultrapassada interpretação” de que a regra do artigo 37 se aplica aos condenados em regime semiaberto.

Pena e dignidade
A inicial da ação afirma que a Constituição Federal de 1988 traz como direitos fundamentais a individualização da pena e de seu cumprimento e a garantia de integridade física e moral. Para o autor da ação, não se trata de “benefício de ordem garantista”, mas de formas de garantir “a reinserção do condenado ao convívio social”.

“Trata-se, portanto, de preceitos fundamentais à concretização da pena estatal, a qual, em nossa contemporaneidade, despe-se do viés punitivo, até mesmo vingativo, que permeou sua aplicação primitiva”, diz a ADPF.

De acordo com as alegações do PT na ação, a exigência abstrata do cumprimento de um sexto da pena atenta contra o princípio da individualização, já que cria regras para o retorno do condenado ao convívio social “de modo alheio às condições individuais do apenado”. Por isso, continua a ação, enquanto a Constituição determina que a finalidade da pena seja ressocializar, a exigência do cumprimento de um sexto da pena “impõe óbice em sentido contrário”.

O PT também afirma que a individualização da pena não é uma garantia só do condenado, mas também da sociedade. “De acordo com a concepção contemporânea, o cumprimento particularizado da sanção penal não se caracteriza exclusivamente como uma relação vertical entre o encarcerado e o poder público”, diz a ação. “Pelo contrário”, continua, “a individualização da execução da pena adquire contornos majoritariamente prestacionais, exigindo, inclusive, ações positivas do Estado voltadas a permitir a efetiva reintegração do apenado à sociedade”.

Clique aqui para ler a petição inicial.

ADPF 321

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