Embargos Culturais

O jurista Carl Schmitt e os
experimentos de Von Pettenkofer

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

25 de maio de 2014, 8h00

Spacca
Conta-nos Francisco de Sosa Wagner que em abril de 1945, logo após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, em Berelim, um oficial russo prendeu o jurista Carl Schmitt. Schmitt, que faleceu em 1985, recorrentemente acusado de ter sido o defensor jurídico do ideário nazista, ainda que se reconheça, também recorrentemente, suas qualidades de juspublicista fino e argumentativo. O vínculo com o nacional-socialismo revela-se como uma maldição que acompanhou a tragetória desse pensador solitário, de poucos amigos, especialmente a partir do fim da guerra.

O oficial russo que interrovaga Schmitt centrava as perguntas na ligação do interrogado com o regime derrotado. Schmitt teria respondido que sua participação no regime nazista dera-se exatamente de acordo com o experimento de um sábio, Max von Pettenkofer,  químico e higienista bávaro, que viveu de 1818 a 1901.

Evidentemente, o oficial russo desconhecia o experimento do então citado sábio. Schmitt explicou que von Pettenkofer havia demonstrado que as infecções não se contraem apenas pela presença de um bacilo, mas também pela predisposição do sujeito que o aloja. Schmitt ainda explicou ao oficial russo que von Pettenkofer teria ingerido o bacilo da cólera na frente de alguns alunos, e que, provando a tese defendida, não contraiu a doença.

O oficial russo ainda nada teria entendido. A comparação, em princípio, não fazia sentido. Schmitt então concluiu que o mesmo havia ocorrido com ele. Isto é, ainda que ingerido o bacilo do nacional-socialismo, por essa moléstia não fora infectado… Portava o mal, porém a doença nele não se manifestara. Isto é, ainda que portador do bacilo do nacional-socialismo, argumentava Schmitt, essa patologia nele jamais se revelara. Sosa Wagner também nos conta que o oficial russo riu da pilhéria e que em seguida liberou o jurista.

Questiono se Schmitt de fato dissera a verdade. É dúvida que sugere excerto de texto de Schmitt, “O Füher protege o Direito” (que se encontra traduzido no belíssimo livro de Ronaldo Porto Macedo Júnior, agora em segunda edição, livro primoroso).

E ainda admitindo que Schmitt ao oficial russo falara a verdade, no sentido de que o nazismo não o afetou, o que provavelmente muitos disseram no contexto da desnazificação, verdadeira ou maliciosamente, essa instigante passagem retratada por SosaWagner provoca-nos uma reflexão em torno das relações éticas entre os intelectuais e o poder.

*Texto alterado às 18:13 do dia 26 de maio de 2014, para correção.

Autores

  • Brave

    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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