Direito Internacional

Brasil certamente está vinculado à Convenção de Viena

Autores

  • Arnoldo Wald

    é sócio e fundador do escritório Wald Antunes Vita Longo e Blattner Advogados advogado professor catedrático da Uerj doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris II e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e autor de diversas obras.

  • Ana Gerdau de Borja

    é advogada associada (Wald São Paulo) PhD e LLM pela University of Cambridge Reino Unido.

21 de maio de 2014, 11h02

O Senado Federal aprovou em 18 de outubro de 2012, mediante o Decreto Legislativo 538/2012, o texto da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980, chamada de Convenção de Viena. Em seguida, houve o depósito do instrumento de adesão pelo Brasil em 4 de março de 2013, o que, segundo o artigo 99(2) da Convenção, ensejaria a respectiva entrada em vigor no país em 1º de abril de 2014.

Chegou-se a 1º de abril sem a promulgação do decreto presidencial, o que suscitou discussão, entre monistas e dualistas, sobre a vigência interna e externa da Convenção no país. Do ponto de vista do direito internacional e, sob a perspectiva dos outros Estados-Partes, o Brasil certamente está vinculado à Convenção, em virtude do depósito do instrumento de adesão.

A Convenção de Viena representa uma conquista do comércio internacional, tendo sido aprovada por mais de 79 Estados Partes, dentre eles as maiores potências mundiais, exceto o Reino Unido e a Índia. Através da uniformização do direito, consegue promover maior segurança jurídica, previsibilidade quanto ao direito aplicável, assegurando, portanto, a redução nos custos de transação.

Concebida como um tratado propulsor da paz, durante a Guerra Fria, tendo a delegação brasileira participado ativamente da sua negociação, que envolveu países socialistas e capitalistas, industrializados e em desenvolvimento, assim como Estados em que imperam tanto o direito da common law, como o direito civil codificado (a civil law), pode-se dizer que a Convenção de Viena representa o “produto do exercício da comparação de direitos” e do poder de barganha desses países, como assinalou a professora Vera Fradera em estudo recente.

Mesmo antes da adesão pelo Brasil, o tratado já era potencialmente aplicável a partes residentes no Brasil, na hipótese de as regras de conflito de leis de direito internacional privado apontarem para a aplicação do direito de um Estado Parte da Convenção. Tal é, efetivamente, o caso de contrato celebrado em país signatário da Convenção, mediante a aplicação da regra de conflito que resulta na aplicação da lei do lugar onde o contrato foi celebrado (lex loci celebrationis), prevista no artigo 9 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“Lei de Introdução”).

Similarmente, a nossa Lei de Arbitragem prevê, expressamente, a autonomia da vontade das partes para escolherem o direito aplicável, o que inclui a escolha da aplicação da Convenção de Viena. Acresce que a Convenção é tema central de uma tradicional competição de arbitragem (Willem C Vis International Commercial Arbitration Moot), que ocorre na época da Páscoa, todos os anos, em Viena e Hong Kong, e da qual participam diversas universidades brasileiras há mais de 10 anos, com excelentes resultados.

A Convenção de Viena é aplicável aos contratos de compra e venda de mercadorias cujas partes tenham estabelecimento em países diferentes, independentemente da nacionalidade, muito embora as partes tenham a faculdade de optar pela sua não aplicação (6º artigo).

Por sua vez, o segundo artigo da Convenção estipula algumas exclusões do seu âmbito de aplicação, a exemplo dos contratos de consumo (submetidos ao Código de Defesa do Consumidor), vendas em hasta pública ou execução judicial, vendas de valores mobiliários, títulos de crédito e moeda, vendas de navios, embarcações, aerobarcos e aeronaves, e de eletricidade, áreas altamente reguladas pelos países signatários. Bens insuscetíveis de categorização como “mercadoria” estão igualmente fora do escopo da Convenção, a exemplo de bens imóveis, bens intangíveis, serviços de distribuição e representação comercial, etc. Outras matérias sensíveis também quedam excluídas, a exemplo da validade de contratos e suas cláusulas.

É bem verdade que há algumas diferenças entre a Convenção de Viena e as regras previstas no Código Civil. Ilustrativamente, a regra do artigo 14(2) da Convenção de Viena, segundo a qual qualquer proposta é mero “convite para contratar” ou invitatio ad offerendum, a não ser que seja dirigida a pessoas determinadas e suficientemente precisa, distingue-se daquela prevista no 427º artigo do Código Civil. De acordo com esta última, uma proposta é, via de regra, vinculante, a não ser nos casos previstos no 428º artigo.

Acresce que a Convenção prevê em seu 25°artigo o conceito de violação fundamental (“essencial”) do contrato, tornando mais difícil a extinção do contrato por mero descumprimento, por exemplo, de uma obrigação secundária, o que diverge do direito brasileiro ao prever outras formas de extinção (artigos 472-480 do Código Civil).

Outro ssim, a Convenção dispõe nos artigos 44 e 50 sobre a redução do preço, na hipótese em que as mercadorias ou sua quantidade sejam inconsistentes com os termos do contrato, enquanto o Código Civil determina (441-442) a redução do preço no caso de vícios ou defeitos ocultos. Já a Convenção prevê (55º artigo) a fixação do preço à luz do que for habitualmente praticado no ramo comercial relevante. O Código Civil, por outro lado, vai ainda mais longe, prevendo nos artigos 485 e 488 outros fatores para a fixação do preço (e.g. fixação por terceiro, vendas habituais do vendedor).

Estas diferenças pontuais não ensejam qualquer incompatibilidade sistêmica ou contrária à ordem pública, não havendo qualquer razão para não se aplicarem, como lex specialis, aos contratos de compra e venda internacional de mercadorias.

Ao contrário, a Convenção de Viena promoverá a redução dos custos transacionais das operações de compra e venda internacional, o que é importante para o nosso comércio internacional. Sua aprovação comprova a necessidade de normas especiais de direito comercial para que completem, em determinados setores, as disposições do Código Civil, o que também justifica a existência de um Código de Direito Empresarial, que está sendo discutida no Congresso Nacional.

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