Protestos e desesperança

Eleitorado não se vê representado por políticos

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19 de maio de 2014, 9h14

Se a lei permitisse, a maioria dos brasileiros não votaria. Pesquisa Datafolha recente estima que 57% dos eleitores não votariam no próximo dia 5 de outubro, ao passo que 61% são contra o voto obrigatório. Surpreendentemente, a oposição cresce na proporção do aumento da idade, da renda e da escolaridade. Os números representam uma superação dos resultados obtidos em pesquisas anteriores.

Um outro recorde apontado, caso a eleição fosse hoje, é o percentual de 16% de votos nulos ou brancos — com destaque dos que têm ensino superior (22%) e moradores da região sudeste (21%) — e de 8% de indecisos, totalizando 24% de eleitorado distanciado ou desinteressado dos presidenciáveis lançados pelos partidos. A maioria (58%) justifica o branco ou nulo pela percepção de despreparo dos candidatos; outros (29%) como forma de protesto.

Aliás, a desconfiança acerca do despreparo dos candidatos é exposta até mesmo por aqueles que dizem já haver escolhido o candidato em quem votar, na falta de opção melhor. No caso, os eleitores de Dilma surgem como os mais fiéis, pois, comparativamente, tem a menor porcentagem daqueles que votam por ausência de candidato melhor, além de uma maior proporção dos que veem a presidenta como a candidata ideal.

Como sempre, não faltam especulações de cientistas políticos acerca do fenômeno. Entre os condicionantes aventados, estão o descrédito nas instituições, a fadiga com um calendário eleitoral de breves interregnos, a correlação equivocada entre voto e satisfação com o atual governo, a sensação de impotência de parte de um eleitorado que se percebe como não decisivo para o resultado das eleições.

Não é preciso ser especialista para concluir que no âmago da crise da política brasileira se acha uma profunda desconfiança em relação a todas as formas de organização — em especial as representativas — inseridas no nosso acanhado, inepto e bisonho sistema democrático. O ceticismo face aos políticos e aos partidos políticos, o qual tem sofrido um aumento progressivo pari passu com o crescimento ostensivo dos votos brancos e nulos nas eleições, é forma óbvia de protesto ou crítica à representação política que, em países onde o voto não é obrigatório, é realizada pela pura e simples abstenção.

O eleitorado não mais consegue se ver representado por líderes e partidos políticos, a exemplo do que se constatou nas manifestações de junho do ano passado. Sabe-se que o poder político tem sofrido contestações, e não apenas no Brasil. A diferença é que aqui a política tem passado por um processo corrosivo e acintoso de mercantilização que, eleição após eleição consolida uma "partidocracia" e um governismo que só aprofundam o fosso entre o cidadão médio e a classe política.

O debate público e programático foi esvaziado, o fisiologismo é praticado às escâncaras, as decisões políticas são tomadas nos escaninhos do poder, e as disputas, muitas tão somente aparentes, são marcadas por artificialismos e superficialidades que nada acrescentam. Para agravar a situação, as oposições não tem conseguido convencer o eleitorado com alternativas de poder descompromissadas com as alianças entre partidos e os interesses dos grandes doadores de campanha, esses na base de muitos escândalos de corrupção que ora assolam o país.

Apesar de tudo, o partido político persiste uma organização essencial aos regimes democráticos, a assegurar o caráter pluralista de representação no parlamento. A história é rica em exemplos do quanto é arriscada a supressão dos partidos — o mais notório antecedeu à eclosão do nazismo. Resta, portanto, repensar o partido, depurá-lo dos palanques multíplices, dos acordos regionais ideologicamente distintos ou mesmo contraditórios, das elites que se concentram na defesa dos próprios interesses e se mostram ineptas para atender as demandas da sociedade.

Resta ainda ouvir um discurso que proponha um projeto de institucionalização agregado a uma mobilização social ampla, a transmitir credibilidade, poder de aglutinação de forças polarizadoras, firmeza de princípios e propósitos, inclusive o de reformar o próprio sistema político e realizar os anseios democráticos por efetiva participação e transparência e ética na política. Tarefa que, convenhamos, é deveras difícil em curto prazo. Não é sem razão que tantos protestam ou se desesperançam.

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