Condições iguais

Paridade de armas é necessária para bom combate processual

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15 de maio de 2014, 10h50

A doutrina[1], a jurisprudência[2] e a própria lei[3] por vezes se serve da analogia para se referir ao princípio da igualdade no processo difundindo a expressão paridade de armas ou igualdade de armas necessárias para o bom combate ou litigância processual entre adversários, uma forma de explicar a necessidade de que as partes, do início ao fim, tenham as mesmas condições, possibilidades e oportunidades para que possam obter uma decisão justa do órgão judicial. Tais jargões jurídicos, nos tempos atuais não estariam mais em total sintonia com o princípio da consensualidade como escopo do processo, sobretudo civil. Daí talvez fosse o caso de se cogitar da propagação de expressões mais afinadas com o processo contemporâneo, baseado na prevalência dos direitos humanos e da pacificação.

Assim, as armas, o duelo e o combate não teriam mais predominância no campo processual e deveriam concorrer ou dar lugar a outras figuras de linguagem afinadas com os sujeitos cooperantes e com os protagonistas do contraditório. Isto porque uma nova concepção do processo busca configurar um cenário menos de luta jurídica e mais de tentativas de paz; menos de briga judicial e mais de cooperação e balanceamento entre pretensões; menos de sentença exclusivamente impositiva, porém, antes de tudo, de conciliação e mediação; menos de agudeza de ânimos e mais de consenso e harmonia; menos de litigantes e mais de agentes cooperantes que buscam uma boa e serena solução; menos de rivalidade, busca de vantagens e tomadas de posições estratégicas sorrateiras e mais de diálogo franco e aberto; menos de duelo processual e mais de concordância e satisfação total das partes; menos ambiente de peleja e astúcia entre advogados[4] e mais de compreensão e coerência técnica entre representantes das partes; menos de vitoriosos e derrotados, mas, acima de tudo, de beneficiários do processo justo.

A denominada igualdade de armas, o bom combate, o duelo processual e a litigância entre adversários vencedores e vencidos muito embora percam espaço para os novos anseios dos consumidores da Justiça e das novas aspirações podem perfeitamente adequar-se ao espírito de colaboração, hoje fundamental no início do procedimento e recomendável em qualquer fase ou grau de jurisdição.

Numa visão técnica a igualdade e o devido processo constituem importantes garantias da jurisdição, esta caracterizada pela decisão consciente, segura e produto de uma analise completa da relação material conflituosa. A ressalva se centralizaria no fato de que a litigância, o duelo, o combate com paridade de armas constituem vocábulos mais pulsantes depois de tentativas e tratativas para uma solução amigável e abarcariam ainda a necessidade de colaboração entre partes e entre juiz, entre partes, entre juízes, entre juiz e ministério público, entre juiz e advogado, entre defensoria e ministério público, entre terceiros e órgão jurisdicional etc. Sem deixar também de contar com o estímulo ao contraditório, transparência e eficiência na condução da lide, que deveria ser vista não como um processo guerra, repleto de arsenais e armas, conquanto se saiba que se usem tais termos apenas no sentido figurado.

Vale lembrar que a questão posta não pode ser concebida, dentro do processo em transformação evolutiva, apenas como um jogo de palavras, mas como ecos e representações capazes de orientar regras de conduta, mentalidades dos sujeitos envolvidos, ética na produção da prova, lógica na apresentação dos arrazoados e razões convincentes nas manifestações, nos recursos e no cumprimento efetivo do mandamento judicial. Mesmo porque à realidade deve acompanhar tanto a linguagem quanto a mensagem e a simbologia no Direito.

As expressões supramencionadas, principalmente igualdade de armas, duelo justo e bom combate entre adversários que poderão ser ou vencidos ou vencedores, apesar de serem figurações, podem apontar para uma realidade em que há intensa beligerância na conduta e na intenção das partes e forte intransigência no desenvolvimento procedimental, situações que o processo contemporâneo quer eliminar ou reduzir. Portanto toda essa fraseologia guerreira poderia ser atualizada para permitir termos mais requisitados por um dos escopos mais importantes e atuais do processo civil, que é a busca do consenso e da cooperação, e a solução harmoniosa geralmente no início da lide.

Não se deve nem se pretende suprimir a igualdade, princípio processual, nem o debate jurídico, por ser da essência do processo a agudeza de argumentos e a lógica nos fundamentos, principalmente por se tratar de atividade exigida dos advogados das partes e de requisito para a melhor distribuição de justiça, especialmente nos conflitos civis. No entanto, o ânimo de disputa e de embate deve fazer-se mais presente quando o litígio não puder ser, apesar dos esforços, resolvido pelo consenso e quando a solução por uma decisão impositiva se fizer indispensável. Mesmo nesse instante ritual civil é imprescindível a comunicação aberta, as garantias asseguradas e as decisões razoáveis e motivadas. No momento azado, se frustrante a consensualidade e o diálogo intenso sem resultados, é que a parte deve sentir-se verdadeiramente como um litigante judicial no bom combate, dispondo das mesmas armas jurídicas que o seu oponente, a fim de propiciar ao Estado a sua missão pacífica de ofertar a tutela justa e a composição adequada da lide.


[1] Vide, entre outros, José Carlos Barbosa Moreira, “Duelo e Processo”, Revista de Processo 112, Ed. Revista dos Tribunais e “Paridade de Armas no Processo Penal”, Welton Roberto, Ed. Fórum.

[2] “(…) assegurar que as partes gozem das mesmas oportunidades e faculdades processuais, atuando sempre com paridade de armas” (ARE 648629/RJ, Rel. MIn. Luiz Fux).

[3] O nosso Código de Processo Civil de 1973 em diversas passagens ao tratar dos litigantes, acentua, por exemplo: “se cada litigante for em parte vencedor e vencido…” (art. 21); “contrário ao seu interesse e favorável ao adversário” (art. 348); “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor” (art. 20); “adversário do assistido” (art. 54).

[4] Também o processo visto como uma luta tem relação com a atividade do advogado, que, nas palavras de Antonio Carvalho Neto, muitas vezes “se vê forçado a mudar de armas no combate, descendo à arena do adversário com os recursos que este lhe proporciona” (Antonio Carvalho Neto, Advogados, São Paulo: Aquarela, 1989, p. 26). Ou, como ensina Eduardo Couture, o advogado tem de viver com a arma em punho (Os mandamentos do Advogado, Porto Alegre: Fabris, 1979, p. 22).

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