Embargos Culturais

Richard Posner e as racionalidades econômica e jurídica

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

11 de maio de 2014, 8h00

Spacca
No Direito norte-americano identificam-se quatro eixos temáticos indicativos do movimento Direito e Economia. Segundo o behavioral claim a economia pode oferecer uma teoria útil para previsão dos comportamentos a serem qualificados pelas regras jurídicas. De acordo com a normative claim, o Direito deve ser eficiente, conceito evidenciado amiúde vezes ao longo do trabalho. Para o factual ou positive claim, a common law é o mais eficiente dos direitos. Por fim, nos termos da genetic claim, a common law seleciona regras eficientes. A obtenção de bons resultados deve orientar o direito. A análise econômica do direito é instrumental, adaptativa e funcional. O movimento Direito e Economia tornou-se a mais eloquente porta-voz de um pragmatismo jurídico.

O movimento mostra-se como interdisciplinar, sem os perigos de ser antidisciplinar, a exemplo do que ocorre com outros focos do antifundacionalismo pós-moderno. Cobre quase todos os campos do Direito, preocupando-se com criminalidade, uso de drogas, roubo de obras de arte, exploração do sexo, barrigas de aluguel, Direito Internacional Público, democracia, religião.

Enfrenta-se algum anarquismo decorrente das teorias críticas, permitindo que o Direito seja estudado como um sistema, que seja revelado como coerente e que seja melhorado. Para Posner a economia é ferramenta importante para analisar questões que operadores do direito não conseguem conectar com problemas concretos.

A economia é a ciência das escolhas racionais, orientada para um mundo no qual os recursos são inferiores aos desejos humanos. Nesse sentido, o homem é um maximizador de utilização racional. As satisfações são aumentadas na medida em que comportamentos são alterados.

Custos informam as opções, os custos sociais diminuem a riqueza da sociedade, os custos privados promovem uma realocação desses recursos. Quem encontra um tesouro não aumenta a riqueza da sociedade. Valor, utilidade e eficiência norteiam escolhas.

Quando percebemos decisões jurídicas ou métodos normativos como escolhas, do juiz ou do legislador, conclui-se que essas decisões poderiam se orientar pelos cânones de valor, utilidade e eficiência, que se distanciam de concepções de justiça, teóricas e contemplativas. Admite-se também, bem entendido, que o alcance da economia é limitado, dado que se centra em valor, utilidade e eficiência. Essa conclusão comprova que o pragmatismo é ponto comum na relação entre direito e economia.

A racionalidade (instrumental e convencional) instruiria as relações entre direito e economia. A chamada habilidade para uso do raciocínio como instrumento para resolução dos problemas da vida formataria os eixos epistemológicos de uma convergência conceitual e discursiva entre direito e economia.

Porém, Posner reconhece que nem sempre as escolhas racionais informam a economia. A randomização ronda as opções humanas. Decorre dessa aceitação olímpica o interesse de Richard Posner pela teoria dos jogos.

Posner ilustra com a game theory algumas orientações normativas que não promovem a eficiência. Sigo com exemplo. No Direito norte-americano, a lei relativiza a necessidade de autorização do estudante para que suas notas sejam reveladas por um empregador interessado em contratá-lo. Supõe-se que os alunos que não autorizam que as faculdades revelem seus boletins tenham notas abaixo da média. Por conta dessa presunção, não são contratados. Ou ainda, ao imaginarmos alguém com um revólver carregado com seis tiros, a enfrentar 10 assaltantes, tem-se certeza que o primeiro que avançar corre o risco de ser atingido. Qualquer norma incidente sobre o fato seria desnecessária e pouco eficiente.

O exemplo que segue, a propósito da teoria dos jogos, é ilustrativo da fina prosa de Posner, que não se deixa abalar pelo preciosismo dos referenciais dos autores metafísicos. Posner é um prático. Seus exemplos, de candura impressionante. Posner imagina que há 25 leões (racionais) e um carneiro, que coabitam uma ilha imaginária. Todos os leões sabem o número de leões, bem como sabem também o número de carneiros. O leão que matar e comer o carneiro dormirá por uma hora, quando seria devorado pelos demais leões. Posner pergunta se o primeiro leão que agarrar o carneiro irá comê-lo. Intrigante.

Posner observa que a proteção legal da propriedade incentivaria modelos mais eficientes de produção. Em sociedades primitivas o reconhecimento de direitos de propriedade custaria muito mais do que os benefícios. São aspectos econômicos que intuitivamente marcam as práticas jurídicas.

O direito ao uso de águas nos Estados Unidos bem ilustra essa premissa. Na costa leste, que reconhece regime generoso de águas, o modelo é ripário, isto é, o dono da margem aproveita-se do leito d’água. Na costa oeste, onde o clima é mais seco, direitos são absolutos e não se vislumbra divisão entre condôminos. Retoma-se, ainda que intuitivamente, alguma percepção determinista de mundo, que é inerente ao pensamento utilititarista e pragmático, que é marca da cultura norte-americana.

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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