Passado a Limpo

O hasteamento das bandeiras da monarquia portuguesa

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

8 de maio de 2014, 8h00

Spacca
Arnaldo Godoy - 21/11/2013 [Spacca]A proclamação da República em Portugal, ocorrida em 1910, resultou em algumas ocorrências no Brasil, com certo desdobramento jurídico, e que suscitaram interessante provocação por parte do Ministro da Justiça, dirigida ao Consultor-Geral da República.

Noticiou-se que cidadãos portugueses que viviam na Bahia estariam hasteando bandeiras da monarquia portuguesa em suas residências. Entendeu-se, num primeiro momento, que teria havido ato inequívoco de não reconhecimento do novo governo português. E assim, demonstrado o desrespeito para com nação amiga, caberia, ao governo brasileiro, a incumbência de proibir tais comportamentos.

No entender do Consultor-Geral deveria se avaliar a situação também à luz dos cânones do exercício da liberdade de pensamento, que era garantido pela Constituição. Concluiu-se que, na hipótese de que se tivessem tais bandeiras em prédios públicos, deveria a polícia advertir os proprietários ou, ainda, se necessário, proibir tais práticas, comprovadamente hostis ao governo republicano português, então instaurado.

Deve-se ter como pano de fundo o fato de que a República fora proclamada no Brasil em 1889, e que a Família Real fora banida de nosso país. O triunfo da República em Portugal de certa forma aproximava os dois países, agora regidos por regimes políticos idênticos, e alternativos a formula monárquica. Segue o parecer:

Gabinete do Consultor Geral da República – Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1911.

Senhor Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores. – Em resposta ao vosso Aviso 517, de 25 de março último, consultando sobre o fato de alguns cidadãos portugueses, domiciliados na Bahia hastearem, às vezes, nas casas de duas residências, o pavilhão da extinta monarquia de Portugal, não obstante a recente transformação política desse país, tenho a honra de comunicar-vos que, em minha opinião, o ato dos aludidos indivíduos, sendo uma manifestação de não reconhecimento da nova forma de governo adotada pela Nação Portuguesa, constitui violação do princípio, consagrado em direito internacional, de estrito respeito à personalidade política dos estados legitimamente constituídos e reconhecidos, cumprindo ao governo brasileiro não permitir semelhantes práticas, desde que elas tomarem a feição intencional e ofensiva da soberania, sob pena de assumir a responsabilidade desse ato de tolerância.

Em todo o caso, convirão verificar a forma precisa dos atos acima aludidos, para que a repressão não se converta numa violação da liberdade de pensamento, nem ultrapasse os limites constitucionais. Incontestavelmente, arvorar a bandeira de um regime extinto em passeatas pelas ruas ou em manifestações ruidosas de caráter popular contra o governo de um país amigo, não pode ser admitido em boa razão, sem agravo desse país; não assim quando figura em casas particulares como simples atestado de coerência daqueles que não aderiram à nova ordem das coisas. Outrossim, é necessário saber se a bandeira de que se trata é levantada nas portas ou janelas de edifícios que funcionem clubes ou associações destinadas a propaganda restauradora, porque, nesta hipótese, à polícia incumbe o dever de, pelo menos, advertir, se não coibir fatos ostensivamente hostis ao governo dos estados conosco relacionados.

T.A. Araripe Junior

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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