Processo Novo

Próximo CPC romperá com passado ou será só continuidade?

Autor

  • José Miguel Garcia Medina

    é doutor e mestre em Direito professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na UEM ex-visiting scholar na Columbia Law School em Nova York ex-integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015 advogado árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados.

5 de maio de 2014, 9h57

Spacca
Caricatura José Miguel Garcia Medina - 30/07/13 [Spacca]No texto anterior desta coluna, chamei a atenção para o fato de que o projeto de novo Código de Processo Civil deveria ser analisado com cautela, em razão das sutis diferenças que há entre as versões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a serem analisadas nos próximos dias no Senado.

Hoje gostaria de tratar de uma outra questão, que muitos têm feito: O novo CPC significará uma ruptura com o passado, ou se tratará de mera continuidade?

Costumo dizer que aqueles que já vinham estudando o Direito Processual Civil à luz do que de mais moderno se tem produzido na doutrina brasileira não se surpreenderão com as inovações apresentadas no novo Código.

Por exemplo, o projeto dá especial ênfase à conciliação e à mediação. Mas não há, aí, real novidade: De acordo com a Resolução 125/2010 do CNJ, “o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa” e, “por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação”. Vê-se que, quanto a esse aspecto, o projeto de novo CPC, se convertido em lei, apenas incorporará algo que já existe, entre nós. Advogados e juízes devem se tornar aptos para lidar com a litigiosidade também através de técnicas consensuais, cujo uso, de acordo com o que se propõe para o novo CPC, deve ser estimulado.[1]

O mesmo se pode dizer, por exemplo, da preocupação do projeto em “incorporar” formalmente, ao longo de seu texto, uma série de garantias constitucionais do processo — que considero garantias mínimas. Trata-se, no caso, de se insistir em tornar de fato o que a Constituição prevê de Direito, e nesse sentido é imprescindível que algumas garantias constem, textualmente, na lei processual, e não apenas na Constituição.

Vê-se que o projeto consolida os avanços conquistados pela ciência processual, nos últimos tempos. Muitas das alterações legislativas, assim, são realizadas apenas para se acomodar a lei processual ao que já é — de Direito, repita-se, ainda que não seja de fato — o Direito Processual Civil brasileiro, em nossos dias.

É necessário que assim se faça. É evidente que algumas mudanças — culturais, inclusive — dependem do estímulo legislativo. Em alguns casos, a lei acaba insistindo no sentido de que algo deve ser feito de determinado modo, ainda que pareça algo evidente. É, ao meu ver, o que ocorre com disposições existentes no projeto de novo CPC contrárias à jurisprudência defensiva (clique aqui e aqui para ler o que já escrevi a respeito) ou relacionadas à fundamentação das decisões judiciais (clique aqui e aqui para ler a respeito), para citar alguns exemplos.

Sob esse prisma, pode-se ver que o projeto não significa uma ruptura. Suas principais inovações são, na verdade, avanços legislativos que incorporam algo que, de algum modo, já é experimentado, ainda que timidamente, em nosso sistema jurídico.

Aqui, impõe-se fazer uma ressalva importante. As novidades legislativas não devem ser empregadas exageradamente, apenas por serem novidades. Deve-se dar a elas o devido emprego e utilização adequada.

Assim, o estímulo a métodos consensuais de solução de disputas não significa que o uso de tais mecanismos seja, sempre, apropriado para o caso. Faz-se necessário compreender a natureza do conflito para verificar qual o meio mais adequado para solucioná-lo.

O mesmo se pode dizer, por exemplo, de mecanismos como o incidente de resolução de demandas repetitivas.[2] Haverá situações em que tal medida não poderá ser usada, ainda que existam muitos processos em que se controverte sobre a mesma questão de direito. O uso precipitado de tal incidente, ao invés de resolver dilemas, poderá estimular o surgimento de novos conflitos.

Por tudo isso, considero que o projeto — e, ao que tudo indica, em breve, o novo CPC — significa um caminhar adiante. O sucesso desse empreendimento dependerá sobretudo do que da nova lei nós fizermos. 


[1] Cf. art. 145, caput da versão do Senado Federal, e art. 166, caput, da versão da Câmara dos Deputados. Íntegra das referidas versões encontra-se disponível aqui, para download, num só arquivo. Vê-se que nossa concepção de modelo de justiça estatal deve passar por uma revisão, pois caminhamos para um centro de justiça mais abrangente. Esse é tema para outro texto, no futuro, nesta coluna.

[2] Cf. arts. 930 ss. da versão do Senado Federal e arts. 988 ss. da versão da Câmara dos Deputados.

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