Confissão de inocente

Livro desvenda farsa sobre assassino em série da Suécia

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4 de maio de 2014, 13h11

* Resenha publicada originalmente na Folha de S.Paulo em 3/5/2014, assinada por Patrícia Campos Mello.

Nos anos 1990, o sueco Thomas Quick confessou ter cometido mais de 30 assassinatos. Tornou-se o maior assassino em série da Suécia.

Em sessões de análise no hospital psiquiátrico em que estava preso, ele contou ter mutilado, estuprado e comido pedaços do corpo das vítimas. Durante reconstituições nas cenas do crime, disse à polícia que decepou uma das vítimas, um menino de 11 anos, comeu seus dedos e chutou sua cabeça como se fosse uma bola de futebol.

A Suécia assistiu horrorizada às confissões e Quick foi condenado à prisão perpétua no hospital por oito assassinatos. Mas o mais incrível é que tudo isso era mentira.

O jornalista Hannes Rastam passou anos pesquisando milhares de documentos relativos ao caso. Começou a se encontrar com Quick, que tinha voltado a usar seu nome original, Sture Bergwall, e tinha deixado de colaborar com a polícia em 2001.

Em uma entrevista a Rastam na TV sueca, Bergwall/Quick admitiu que todas as confissões eram falsas.

"Eu não cometi nenhum dos assassinatos pelos quais fui condenado, e nenhum dos quais confessei", disse Bergwall ao jornalista em 2008.

A história desse episódio fascinante foi transformada no livro O Caso Thomas Quick – A Invenção de um Assassino em Série, de Hannes Rastam, lançado pela editora Record.

A partir de suas pesquisas nos registros policiais, nos tribunais e nos relatórios médicos, Rastam chegou à conclusão de que não havia nenhuma prova material de que Bergwall tivesse cometido aqueles crimes. Só as confissões é que o incriminaram. E, muitas vezes, ele estava dopado com remédios fortíssimos quando confessou.

Bergwall pesquisava em jornais detalhes de crimes que nunca tinham sido resolvidos, e os usava nas confissões. Os investigadores o estimulavam e até davam dicas, ansiosos para dar os crimes por esclarecidos. Os tribunais aceitavam provas capengas.

Os jornais noticiavam sobre o "canibal da Suécia". E Bergwall continuava confessando, porque assim ganhava atenção e medicamentos, dos quais era dependente.

Para o leitor brasileiro, o livro trará ecos da "escola Base", outro exemplo de erro grosseiro (ou má-fé) da polícia e negligência jornalística. Há 20 anos, uma escola de São Paulo fechou depois de a polícia divulgar que os donos eram suspeitos de abusar sexualmente das crianças. Os jornais reproduziram tudo. Dias depois, o inquérito foi arquivado por falta de provas e os acusados inocentados.

Rastam morreu em 2012, aos 56 anos, de câncer no pâncreas e fígado. Era âncora de um programa de jornalismo investigativo na TV sueca e ganhou vários prêmios.

A série de programas de Rastam em que Quick voltou atrás em suas confissões levou à anulação das oito condenações por assassinato.

Bergwall, 64, está livre desde o ano passado, depois de passar 20 anos no hospital psiquiátrico. "O caso Thomas Quick" é leitura obrigatória para jornalistas, policiais e advogados. Mais do que isso, é leitura obrigatória para qualquer pessoa que não queira ver esses erros monumentais se repetirem. 

O CASO THOMAS QUICK
AUTOR Hannes Rastam
EDITORA Record
TRADUÇÃO Jaime Bernardes
QUANTO R$ 58 (462 págs.)
AVALIAÇÃO bom 

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