Justiça Tributária

A irregularidade das exigências relativas à entrega da DCTF

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

30 de junho de 2014, 13h29

Uma das inúmeras obrigações fiscais a que se submetem os contribuintes é a criação indiscriminada de obrigações acessórias para fornecer ao Fisco informações que muitas vezes não servem para nada.

Quando as deixam de cumprir, sofrem multas pecuniárias. Ocorre, porém, que nem sempre essas obrigações são criadas por lei. Muitas vezes, basta um ato administrativo para que sejam exigidas dos contribuintes.

Uma dessas obrigações totalmente ilegais é a entrega da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais. Todavia, é ilegal, pois não resulta de lei, mas de ato administrativo. Sua instituição ocorreu pela Instrução Normativa 129, de 19 de novembro de 1986, com base no Decreto-lei 2.124/1984. Depois, surgiu a Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003.

Ora, o DL acima, em seu artigo 5º, parágrafo 3º, afirma:

Art. 5º – O Ministro da Fazenda poderá eliminar ou instituir obrigações acessórias relativas a tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal.”

§ 3º – Sem prejuízo das penalidades aplicáveis pela inobservância da obrigação principal, o não cumprimento da obrigação principal acessória na forma da legislação sujeitará o infrator à multa de que tratam os §§ 2º, 3º e 4º do art.11 do decreto-lei nº 1.968 de 23 de novembro de 1982, com a redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 2.065 de 26 de outubro de 1983.”

Por outro lado, a Lei 10.833/2003, no artigo 18, fala:

“Art. 18.  O lançamento de ofício de que trata o art. 90 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, limitar-se-á à imposição de multa isolada em razão de não-homologação da compensação quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.”

Ocorreu, portanto, delegação de poderes que o decreto-lei fez ao ministro. Ou seja: um decreto-lei dá poderes de legislador ao ministro não eleito pelo povo e este os transfere a um subordinado.

Mas a Constituição determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. A DCTF surgiu não de um decreto-lei, mas de IN.

Além disso, o artigo 7º do CTN diz que a competência tributária é indelegável. Isso não se aplica apenas à obrigação principal, que é uma obrigação de dar, mas também às obrigações de fazer, que são as acessórias. Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI 1.296/PE).

Outras decisões no mesmo sentido:

“Somente a lei pode criar obrigação. A obrigação tributária acessória, consubstanciada em aplicação de multa àquele que não apresentar a DCTF, por intermédio de instrução normativa, é ilegal (TRF-5 AC 1999.01.00.032761-2).”

“DCTF. INSTRUÇÃO NORMATIVA 129/86. ILEGALIDADE. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. A criação da obrigação tributária deve ser antecedida por lei ordinária, constituindo ilegalidade sua instituição via instrução normativa. Apelação e remessa oficial tida como interpostas improvidas" (TRF-5 AP em MS 96.05.21319-2/AL).

Pretenderam alguns intérpretes da norma que a obrigação acessória, quando não cumprida, fica convertida em principal para efeito de aplicação da penalidade e sua criação poderia dar-se por decreto ou ato administrativo.

Mesmo antes da vigência da atual CF, esse entendimento choca-se com o princípio da legalidade que, sendo cláusula pétrea, não admite discussão, conforme o artigo 60 ordena.

O princípio da legalidade é absoluto e a administração pública não pode dele afastar-se em nenhuma hipótese, como se vê do artigo 37 do texto constitucional.

Embora a ilegalidade da DCTF seja mais do que evidente, a Receita Federal autua contribuintes que não a apresentam ou que o fazem em atraso. Mesmo quando não há qualquer tributo a ser recolhido, a multa vem sendo aplicada como forma de “multa isolada”.

Tal multa foi considerada indevida pelo 1º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda no Recurso 12.907 (DOU 7/6/2002):

“A multa isolada de lançamento de ofício só tem cabimento na existência do seu pressuposto fundamental, como seja a falta de recolhimento de imposto. Não enseja assim sua aplicação à prática de qualquer ilícito, com ênfase para formal, que não denote inadimplência do sujeito passivo a qualquer obrigação principal” (Proc.10680.016850/00-17 – DRJ- Belo Horizonte -MG – Acórdão 103-20931).

O Legislativo aprova leis sobre matéria tributária sem que faça uma análise criteriosa de seu texto. Assim, a Lei 10.426/2002, que resultou da MP 16/2001, diz:

“Art. 7º – O sujeito passivo que deixar de apresentar… Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF … nos prazos fixados será intimado a apresentar declaração original, no caso de não-apresentação, ou a prestar esclarecimentos, nos demais casos, no prazo estipulado pela … SRF, e sujeitar-se-á às seguintes multas:

II – R$ 500,00 (quinhentos reais), nos demais casos”.

Apesar disso, a multa não é legal, pois é resultado do não cumprimento de obrigação que não foi criada por lei. Trata-se, portanto, de obrigação inexistente. Daí resulta que o contribuinte, multado por simples não apresentação da DCTF, deve recorrer tanto na esfera administrativa quanto na judicial, observados os prazos legais. Poderá, assim, obter justiça tributária sem se submeter a atos ilegais.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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