Mudança jurídica

Nova lei de organização criminosa trouxe ferramentas contra o crime

Autores

  • Eliana Cristina Fernandes de Miranda

    é advogada autônoma pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e participante do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica.

  • João Vitor Serra Netto Panhoza

    é pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (especialização ) palestrante membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e sócio do escritório Fonseca Iasz Advogados.

25 de junho de 2014, 8h42

Um dos fatos criminais que, nos dias atuais, vem ganhando abrangência cada vez maior no âmbito mundial é a chamada criminalidade organizada. Tamanha sua importância que, há pouco tempo, o Brasil editou nova lei a fim de efetivamente regulamentar o delito denominado de organização criminosa, bem como seus meios investigativos e auxiliares.

A Lei 12.850/2013 traz, em tempo, o conceito de organização criminosa de forma legal, expressa e positivada, dispondo, ademais, dos meios de investigação criminal, de pequenos crimes correlacionados e da obtenção de provas, as quais serão a seguir trabalhadas de forma a discorrer sobre a praticidade e maior auxílio ao corpo investigativo.

Por muito tempo, a lacuna legal fez com que o Ministério Público, com intuito de proteção social e maior abrangência relacionada à tipificação do delito em questão, valesse da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil pelo Decreto 5.015/2004, a fim de definir o que viria a ser organização criminosa e suas decorrências legais.

Ocorre que a indefinição legal e a problematização em relação à utilização de uma convenção que, embora promulgada no território brasileiro, trabalha com crimes transnacionais, levou margem a discussões entre todos os sujeitos da ação criminal, de modo que a aceitação de tal conteúdo jamais fora pacifica.

A onda de violência e o temor dos magistrados em relação ao julgamento de membros efetivos de organização criminosa arrazoou a introdução em nosso ordenamento da Lei 12.694/2012, a qual traz como escopo o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas.

Podia-se, desta forma, contar com uma definição legislativa, a qual em muito se baseara na Convenção anteriormente adotada.

Contudo, a tentativa de finalmente tipificar o crime de organização criminosa em nosso país fora em vão eis que o legislador, ao definir o que viria a ser organização criminosa, estipulara que tal conceito somente seria válido para os fins da lei que o editara, dando margens à interpretações variadas, extremadas e conservadoras, abarcando críticas ferrenhas quanto à real intenção legislativa.

A Lei 12.694/2012 não trouxe qualquer tipificação de condutas, apenas o conceito de organização que somente seria utilizado quando da aplicação da lei supra, isto é, entendeu-se que o conceito de organização não poderia ser aplicado fora do contexto da Lei 12.694/2012, pois tratar-se-ia de analogia in malam parte.

Após discussões da doutrina pátria a respeito do tema, a solução veio meses depois, com a promulgação de nova lei, com o intuito de por fim à discussão. Ademais, o novo texto trouxe não somente o conceito de organização criminosa como também tipificou condutas relacionadas a ela, bem como trouxe meios de combate ao crime organizado brasileiro e transnacional, auxiliando fortemente a repressão destes crimes.

Por ser a Lei 12.850/2013 mais recente e muito mais específica que a Lei 12.694/2012, esta acabou por ser revogada tacitamente.

Vê-se que a principal mudança trazida pela Lei 12.850/2013 é a necessidade de quatro pessoas para que se considere como organização criminosa, e não mais três como era previsto na lei de 2012. Assim sendo, após efetiva conceituação legal do que vem a ser organização criminosa, passemos a uma breve dos meios de prova trazidos pela nova lei.

Colaboração premiada
A primeira lei brasileira a abarcar tal instituto foi a Lei 7.492/86, que trata de crimes contra o sistema financeiro, o qual previa no seu artigo 25º, § 2º, que, nos crimes da referida lei, quando cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judiciária toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

Vale aqui ressaltar a diferença entre colaboração premiada, considerada gênero, e a delação premiada, considerada espécie em que há a efetiva nomeação de membros, tanto da organização criminosa, como em casos de crimes financeiros.

A Lei 12.850/2013 previu o benefício em seu artigo 4º, entendendo-se, desta forma, que a concessão do benefício está vinculada a uma série de requisitos cruciais para sua efetivação, que, quando não cumpridos, torna infrutífera qualquer tentativa de beneficiação do acusado, ainda que este deseje.

Além das exigências objetivas determinantes, críticas ferrenhas foram direcionadas à colaboração premiada, como a ideia de rompimento do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que os agentes responsáveis por um mesmo fato criminal seriam apenadas de maneira diversa.

Tal crítica pode ser facilmente afastada, uma vez que prevalece sob o processo penal a individualização das penas, princípio constitucional (Art. 5º, XLVI da CF) o qual afirma que, mesmo com condutas idênticas, o histórico pessoal do agente deve ser levado em conta, razão em que nada se obsta a modificação e diferenciação das penas dos agentes.

Ademais, não pode ser tal medida considerada desproporcional eis que, na concepção de Virgílio Afonso da Silva[1], em meio à Teoria dos Degraus, a proporcionalidade de maneira geral abarca também a adequação, a necessidade e, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito e, estando ambas presentes no caso concreto, não há que se falar em desproporcionalidade.

Outra crítica é a de que o Estado, ao se utilizar da colaboração premiada por meio de seus agentes, acaba pressionando o investigado ou acusado, o qual se encontra psicologicamente fragilizado. Assim, a prova obtida por meio deste instituto não teria validade, ou ao menos não poderia ser usada como prova principal para a acusação do agente.

Trata-se de outro argumento que não merece guarida, uma vez que a pressão exercida pelo Estado para que o investigado colabore com a investigação é totalmente legal, eis que prevista em lei, além do que apenas oferece benefícios a ele, na medida que a não colaboração apenas cominará na condenação a que já estava sujeita.

Ademais, a ideia de voluntariedade afasta qualquer pressão colocada sob o investigado/acusado na medida em que não se obriga, de forma alguma, a efetiva colaboração com a autoridade administrativa e membros do parquet, aplicando-se determinado instituto com a efetiva concordância, voluntária e pacífica, do réu.

Outra característica a ser abordada é a da aplicação da colaboração premiada após a sentença condenatória do agente, podendo, desta forma, a pena ser reduzida até a metade ou então ser admitida progressão de regime e, assim como na aplicação do instituto antes da sentença, somente será beneficiado o agente caso o resultado se enquadre nas hipóteses previstas em lei.

Vale ressaltar que a colaboração traduz-se em negociação, não podendo haver qualquer pressão ou imposição de uma parte sobre a outra.

E de tal negociação não poderá participar o juiz, que somente primará pela ordem pública e direitos do acusado, podendo deixar de homologar o acordo ou adequá-lo, quando o caso.

Tal imparcialidade, garantida constitucionalmente, deve ser preservada a fim de primar pelo bom andamento processual e a efetiva, correta e coerente aplicação do instituto de forma a eivar qualquer dúvida relacionada à parcialidade do benefício, sanção e posterior (ou anterior) julgamento.

Outro ponto a ser levado em conta é que, ao fixar o acordo de colaboração, estando diante de seu defensor, o colaborador renunciará ao direito de se manter em silêncio, estando submetido ao compromisso de dizer a verdade, assim como uma testemunha, e não mais como acusado no processo relacionado.

Trabalha-se não com a ideia de renúncia a um direito constitucional, e sim com a segurança e efetivação do instituto. O acusado é livre quanto à aceitação das condições, devendo estas serem explanadas de forma clara. Incoerente seria caso, após a mobilização dos auxiliares da Justiça, após concordância expressa da participação do acusado como colaborador, este simplesmente se mantenha em silêncio.

Assim sendo, para uma maior efetivação da colaboração em si, entende-se por constitucional dada exigência, de maneira a não privar o acusado a um direito constitucional, e sim com sua concordância voluntária, efetivar o instituto ao qual o réu escolheu fazer parte.

Por fim, outra hipótese questionada seria a determinação de sigilo do conteúdo das investigações, inclusive ao defensor, até que seja recebida a denúncia. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, lei federal, portanto com a mesma força legislativa, determina amplo acesso aos defensores, ainda que em casos sigilosos, desde que devidamente constituídos, razão que se faz questionar a insurgência da nova lei.

Entretanto, ao ser analisado o contexto concreto, ou seja, em meio a organizações criminosas, a ausência de sigilo em alguns atos específicos traria grandes dificuldades para a investigação, razão em que se faz necessário para o bom andamento processual.

Desta forma, a vista dos autos de investigação somente poderá ser negada aos defensores quanto às diligências ainda em curso, visando a efetivação destas, uma vez que perderiam sua função se houvesse publicidade.

Posto isto, colaboração premiada, já utilizada em inúmeras leis contra crimes financeiros na modalidade delação, ganha uma roupagem mais pormenorizada e específica, o que auxilia não só na garantia do colaborados, mas também na efetivação da informação prestada.

Ação controlada
O instituto que antes era abarcado pela Lei 9.034/95, antiga lei de crimes organizados, também foi tratado na Lei 12.850/2013, em seu artigo 8º, mas de uma forma mais ampla do que anteriormente previsto.

Isto porque o novo texto explicita, ainda que de forma sucinta, procedimentos a serem seguidos em casos de ação controlada. Trata-se, assim, de uma das hipóteses de flagrante diferido, permitido em lei, em que o agente policial deixa de realizar o flagrante de um determinado crime, postergando para que possa colher mais provas ou que venha a fazê-lo por crime mais grave.

Desta forma, posterga-se o momento do flagrante para um momento posterior, que auxiliará os agentes a colherem um número maior de provas, facilitando a repressão e punição de um fato criminoso.

Infiltração de agentes
Considera-se agente infiltrado funcionário da polícia que, falseando sua identidade e fingindo fazer parte de organização criminosa, penetra em seu âmago a fim de obter informações a seu respeito, podendo, assim, ser usado como prova a fim de futura condenação quanto aos crimes específicos, bem como por fazer parte de organização criminosa. [2]

A primeira ideia de organização criminosa que se tem quanto à infiltração de agentes seria àquela envolvida com o tráfico de entorpecentes. Ocorre que, assim como a mais influente, é também a mais perigosa, colocando em risco a vida do agente que se dispõe a se infiltrar.

Entra, nesta fase, o embate pela vida e pela eficácia da investigação, em que se permeia os liames de tais bens jurídicos abrangidos. Deve, desta forma, primar pela razoabilidade, sopesando a vida do agente infiltrado à conduta e atitude a ele determinada e acordada. Neste sentido, nada seria mais importante do que a vida, ou a dignidade da pessoa do agente do Estado.

Ademais, quando outras provas puderem suprir a utilização deste meio, assim deve ser feito, a fim de preservar a vida do agente, bem como sua integridade física e honra, bens que também poderiam ser por ventura violados.

Crimes financeiros
Intuitivamente, ao pensar em organização criminosa, somos levados à imagem de grupos de traficância, conforme exemplo dado no item anterior, que comandam a rede de drogas nas comunidades mais carentes do nosso país, dominando os presídios brasileiros e pondo em medo toda a sociedade.

Somente em momentos como o julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, o chamado “mensalão”, é que é possível lembrar-se das organizações criminosas ligadas a planejamentos públicos e crimes financeiros, os chamados crimes de colarinho branco, que, em sua maioria, utilizam-se da estrutura de organizações para prática criminosa, visando sempre o lucro e vantagens de seus membros.

Ocorre que de forma mais elaborada, os grandes delitos contra a ordem econômica do país e todos aqueles que o circundam, de forma quase imperceptível, são planejados e executados por organizações criminosas, sendo, para tanto, abarcada e regulamentada todos os ditames da Lei 12.850/2013.

Os crimes econômicos/financeiros são relativamente novos no nosso ordenamento jurídico. Por exemplo, a lei de crimes tributários é de 1990, a de crimes contra o sistema financeiro é de 1986 e a de lavagem de dinheiro é apenas de 1998, com alteração em 2012.

Estas leis são fruto da política criminal de uma época em que as privatizações tomavam conta do cenário econômico, logo as empresas deixavam de ser estatais, para se tornarem privadas, aumentando-se a arrecadação de impostos, bem como a circulação de dinheiro no meio privado.

Ainda foram necessárias leis que pudessem prevenir e punir condutas que viessem a ser lesivas ao erário e à sociedade como um todo.

Desta forma, deve-se levar em conta o fato de que a maioria das estruturas criminosas organizadas “prescindem da influência por elas exercida da criminalidade econômica”[3], ou seja, da estrutura hierarquizada, lucro econômico e a influência exercida pelos grandes grupos dentro do sistema financeiro.

Carecendo o Estado de mecanismos úteis para a repressão destas organizações criminosas, a Lei 12.850/13 trouxe grandes ferramentas que poderão ser utilizadas no combate ao crime organizado, principalmente os delitos contra a ordem econômica e financeira do país.

Por ser ainda muito recente, não se tem dados concretos sobre a real eficiência da Lei 12.850/2013 quanto à sua aplicação nos crimes econômicos e financeiros, porém diversas operações policiais, principalmente da Polícia Federal, já foram deflagradas, com grande apreensão de valores e culminando na prisão de diversas pessoas, o que já traz um sentimento diverso da impunidade, sentido há muito tempo pela sociedade brasileira.


[1] SILVA, Vigílio Afonso. O Proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, 2002

[2] Lei 12.850/2013

[3] PRADO, Luis Regis, Op. Cit. P. 395

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    é advogada autônoma, pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e participante do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica.

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