Procedimento validado

Escritório que não pede presença da OAB em busca e apreensão abdica do direito

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21 de junho de 2014, 9h03

O advogado que não pede a presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil durante uma busca e apreensão em seu escritório abdica da prerrogativa e torna o procedimento da Polícia válido. O entendimento é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que manteve a condenação de um advogado por retenção de documentos de um cliente. 

A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou sentença que disse que o advogado que deixa de restituir autos, documentos ou objetos que tenham valor de prova incorre no crime tipificado no artigo 356 do Código Penal. O cliente teve de registrar queixa na Polícia para reaver a papelada, que deveria ser usada para instruir ação previdenciária.

O réu arguiu a nulidade do mandado de busca e apreensão no seu escritório, por não ter sido cumprido na presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Nos dois graus de jurisdição, entretanto, a preliminar foi derrubada, já que a ordem judicial foi motivada e o réu não demonstrou prejuízo com a diligência policial. ‘‘Ademais, pelo que se extrai do citado auto, mesmo conhecedor do direito supramencionado, não exigiu ou solicitou o acusado a presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil, a demonstrar ter abdicado de tal prerrogativa’’, anotou o juiz na sentença condenatória.

‘‘Por fim, cumpre mencionar que, na certidão de antecedentes, constam outros processos, onde o apelante [o advogado réu] foi denunciado pelo mesmo crime, o que reforça a convicção da presença do dolo e de que é vezeiro nesse tipo de conduta’’, disse, no acórdão, o desembargador Gaspar Marques Batista, relator do processo. A decisão, unânime, foi tomada na sessão de 29 de maio.

Busca no escritório
O fato que detonou todo o processo teve início na manhã de 9 de fevereiro de 2011, quando um dos clientes do advogado visitou-o em seu escritório, no município de Frederico Westphalen. O cliente queria retomar a posse de vários documentos de valor probatório — certidões, bloco de notas fiscais, escritura etc —, que havia deixado com advogado há três anos para instruir um pedido de aposentadoria na via administrativa.

Segundo a denúncia, como o advogado não ajuizou o processo e vinha protelando a entrega da documentação — como fez em outras vezes —, o cliente registrou Boletim de Ocorrência na Polícia Civil. Os policiais obtiveram um mandado de busca e apreensão e se dirigiram até o escritório. A entrega dos documentos foi feita de forma voluntária por um funcionário do escritório, sem a necessidade de diligências no local.

Depois da ocorrência policial, o Ministério Público estadual ofereceu denúncia contra o advogado, dando-o com incurso nas sanções do artigo 356 do Código Penal: "sonegar papeis ou objetos de valor probatório".

Ouvido em juízo, o advogado afirmou que encaminhou o pedido administrativo de aposentadoria, inclusive fazendo recurso administrativo para Porto Alegre e Brasília. Garantiu que nunca se negou a entregar documentos e que o denunciante não entendeu bem a questão quando o procurou. Alegou ter dito que iria estudar o caso para saber se ingressaria com a ação em Iraí (RS), em Carazinho (RS), ou entraria com um novo pedido administrativo.

Demora intencional
O juiz Régis Adriano Vanzin, da 1ª Vara Judicial da comarca, disse que a palavra da vítima tem "irrefutável relevância" quando se trata de delitos praticados na relação advogado-cliente. Segundo ele, não existe razão plausível para a parte ofendida falsear a verdade. Tanto é assim que o cliente só fez o Boletim de Ocorrência depois de insistentes tentativas de obter os documentos.

Na percepção do julgador, a negativa de devolução tinha por objetivo constranger a vítima a manter a causa sob patrocínio do escritório, para garantir o recebimento de honorários. Com isso, fica ‘‘cristalino’’ o dolo do réu.

‘‘A alegação do réu em sua defesa pessoal, no sentido de sofrer ‘perseguição’ por parte do anterior delegado de Polícia e por parte de advogados concorrentes, [é] imperioso dizer, é por demais estéril, uma vez que, se problema não houvesse quanto à sua conduta profissional, não haveria motivo para a existência de tantos inquéritos policiais e processos criminais similares em andamento contra a sua pessoa na comarca’’, escreveu na sentença.

Assim, Vanzin julgou procedente a denúncia, nos moldes apresentados pelo MP. O advogado acabou condenando à pena de um ano e dois meses de detenção, em regime aberto; e ao pagamento de 40 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de 10 salários-mínimos.

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