Pequenas Empresas

Temos mesmo um regime de tributação simplificado?

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20 de junho de 2014, 11h07

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores. 

Gosto sempre de comentar nas minhas diversas interações sobre empreendedorismo, o resultado da pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor do ano de 2012 sobre o empreendedorismo no Brasil porque essa versão contou com uma nova pergunta: qual seria o sonho do brasileiro, procurando comparar o desejo de ter um negócio com outros desejos, como por exemplo, comprar uma casa ou ter uma carreira em uma organização. Os resultados revelam que o sonho de ter um negócio superou os demais, sendo o desejo de 43,5% da população adulta brasileira. Destaque para a região Norte onde esse percentual é o maior e representa 54,3%.

E essa mesma pesquisa avaliou as condições que afetam o empreendedorismo no Brasil segundo a percepção dos especialistas. O maior limitante na opinião de 77% dos especialistas são as políticas governamentais sendo que na região nordeste 91,7% dos especialistas consultados elegeu esse fator como um dos maiores limitantes ao avanço do empreendedorismo.

Numa avaliação de 0 a 5 sobre as condições que afetam o empreendedorismo (5 sendo o limite positivo e 0 o limite negativo), “Políticas governamentais: burocracia e impostos” recebeu a nota mais baixa: 1,6% na média Brasil e a menor (de 1,4%) na Região Norte.

Isso porque o Brasil conta desde a década de 90 com um regime supostamente diferenciado para as pequenas e médias empresas, com amparo no texto constitucional (artigo 170, inciso IX). Custo a acreditar que possamos denominar de “Simples” um regime tributário cuja lei que o institui tem perto de cem artigos e dezenas de instruções para regulamentá-la.

Isso sem mencionar os incontáveis processos administrativos que tramitam no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), decorrentes de problemas de interpretação e aplicação das normas. Os empreendedores brasileiros, que mal dão conta de gerir as dificuldades inerentes aos negócios, precisam dedicar inúmeras horas na tentativa de entender o que precisam efetivamente recolher aos cofres públicos. Melhor seria assumir que o desejo real dessa política pública não seja simplificar, mas criar mecanismos para gerir a eterna desconfiança instalada em nossa sociedade.

Com a intenção de supostamente melhorar o ambiente de negócios ao pequeno e médio empreendedor, tramitam no Congresso Nacional os projetos de lei PLP 237/2012 e PLP 221/2012. Eles se propõem a aprimorar o Estatuto da Microempresa (a chamada Lei Complementar 123/06) com o principal objetivo de universalizar as atividades que podem se enquadrar no regime de tributação simplificada. O projeto vem sendo chamado de um “texto de consenso entre Câmara, Senado e Confaz”, mas confesso que ainda não entendi onde está o verdadeiro consenso.

É louvável e necessária a inclusão de novas categorias no Simples, dentre elas as atividades de medicina, inclusive laboratorial e enfermagem, odontologia, armadores, engenharia, consultorias e outras em um extenso rol. Muitas dessas atividades estão relacionadas a duas vertentes econômicas que podem de fato mudar os rumos do Brasil: inovação (Ciência e Tecnologia) e Infraestrutura.

O equívoco desse projeto parece estar na tributação progressiva dos serviços, baseada no valor do faturamento anual que sujeitarão as empresas desses setores às alíquotas que variam de 16,93% a 22,45%, conforme consta do Anexo VI introduzido na Lei Complementar 123 pelo texto do Substitutivo Global do PLP 221/12, enquanto as micro e pequenas empresas que atuam no comércio pagam de 4% a 12% de impostos.

Suspeito existir mais uma vez profunda miopia ao não se conseguir compreender o empreendedorismo como alavanca fundamental para a inovação e o desenvolvimento tecnológico do nosso país e também para as bases de apoio à infraestrutura. Ora, são exatamente nas atividades com grande necessidade de mão de obra altamente qualificada que surgem inovação e as grandes invenções e criações, sejam de produtos ou processos, motores do desenvolvimento de qualquer sociedade no século XXI.

Querer impor a essas atividades uma tributação maior que aquela incidente sobre as atividades comerciais e industriais é insistir no modelo que constrói a economia do século XIX e nos afasta dos grandes competidores globais, produtores de ciência e tecnologia e de bases de apoio para a infraestrutura.

Para que o empreendedorismo, especialmente aquele orientado à inovação tecnológica, ajude o Brasil a atingir elevados padrões que lhe permitam participar com sucesso da competição global, é imperativo que no começo de sua jornada o empreendedor conte com as políticas públicas, especialmente carga tributária, que lhe sejam mais favoráveis.

Precisamos parar de incentivar, gerar bilhões de renúncia fiscal e apostar em setores saturados, que não se mostram mais competitivos, unicamente demandantes de commodities e de mão de obra desqualificada e facilmente substituível por automação (importada, diga-se de passagem). Ao invés disso, devemos incentivar a inovação de bases tecnológicas, as empresas startups, as centenas de empresas incubadas em universidades brasileiras que nascem e morrem sem qualquer incentivo, afundadas em burocracia e desincentivos. Exemplos não faltam pelo mundo a fora de boas políticas indutoras.

Escreverei em breve um novo artigo para mostrar a comparação feita com outros países que incentivam tanto os empreendedores com forte potencial para gerar inovação quanto os diversos tipos de investidores que aportam anualmente milhões de dólares em investimento de risco. Por aqui continuamos por ora a ignorar o empreendedorismo que verdadeiramente pode mudar o rumo da nossa história e seguimos com a crença de que o pequeno empreendedor a merecer regime diferenciado é apenas o nosso amigo e dono da mercearia da rua.

Autores

  • é advogada especialista em direito tributário, foi diretora de assuntos jurídicos da Natura, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Vendas Diretas (ABEVD) e diretora da Associação Brasileira das Empresas de Higiene, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). Atualmente é sócia de Derraik & Menezes Advogados, consultora técnica do Comitê de Auditoria da Natura, presidente do Conselho Fiscal do Instituto Natura, membro do Conselho de Administração do Instituto Semeia e Conselheira do Núcleo de Estudos Fiscais da GV Direito.

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