Disputa por votos

Lei eleitoral não traz conceito fechado de propaganda antecipada

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19 de junho de 2014, 7h42

A propaganda eleitoral consiste na divulgação, por partidos, coligações ou candidatos, de ideias, opiniões, princípios, pensamentos, propostas ou teorias, visando captar a simpatia do eleitorado e obter-lhe o voto. A propaganda eleitoral distingue o candidato postulante dentre os demais, a partir do destaque das suas qualidades e aptidões, e desmerece seus adversários, ressaltando características, pensamentos e opiniões que os descredenciam para o exercício da função pública. Implica, muitas vezes, em um convite à reflexão e ao cotejo de características pessoais dos postulantes para a elaboração do voto, dentro da consciência de cada eleitor. Trata-se, assim, de exercício da liberdade de manifestação de pensamento, prevista no artigo 220 da Constituição Federal.

Os candidatos, partidos e coligações, na propaganda eleitoral, divulgam seus pensamentos e suas propostas, bem como o que farão concretamente caso vençam as eleições, como forma de sensibilizar o eleitorado. Em relação aos partidos e coligações, a propaganda divulga seus ideais visando a captação do voto para a legenda. Quanto aos candidatos, são enfatizadas suas vidas públicas pretéritas e suas qualidades, que os credenciam para o exercício dos cargos em disputa.

A propaganda eleitoral, portanto, pode ser positiva — elogiosa ou negativa — crítica e emanar de partido, coligação ou candidato, sendo o seu objetivo angariar votos. Trata-se de espécie de propaganda política, assim como a propaganda intrapartidária e a propaganda partidária.

As definições de propaganda eleitoral antecipada estão previstas nos artigos 36-A e 36-B da Lei 9.504/97. O primeiro traz uma definição negativa, dizendo as situações que não configuram propaganda antecipada, enquanto que o segundo dispositivo traz uma definição positiva, trazendo uma das hipóteses em que ela restará configurada. Nenhum dos dispositivos, entretanto, esgota o tema, devendo sua interpretação se dar em conjunto com o “caput” do artigo 36 da Lei 9.504/97, que permite a veiculação de propaganda eleitoral a partir do dia 6 de julho dos anos eleitorais.

Propaganda antecipada é aquela irregular quanto ao tempo da sua veiculação, porque difundida antes do dia 6 de julho dos anos de eleições. A legislação prevê, no tocante à propaganda eleitoral, seus termos inicial e final para sua realização. Quando a propaganda eleitoral é veiculada antes do termo inicial definido pela lei é considerada antecipada, sujeitando-se às sanções prescritas pelo artigo 36, parágrafo 3° da Lei 9.504/97.

Tanto o artigo 36-A quanto o artigo 36-B da Lei 9.504/97 trazem hipóteses exemplificativas, cabendo aos tribunais eleitorais, de forma casuística, estabelecer em quais situações restará configurada a propaganda eleitoral antecipada. A lei, com a introdução desses dispositivos, acompanhou a jurisprudência pacificada no TSE a respeito do tema. Outras questões não pacificadas continuarão merecendo interpretação pontual.

O objetivo primordial da legislação eleitoral e da Justiça Eleitoral é assegurar que a vontade do eleitor, livre de vícios e de influências perniciosas, seja colhida pelas urnas. A propaganda eleitoral tem papel fundamental na formação da consciência do eleitor e sua difusão ampla garante que todos, independentemente de condição social e econômica, tenham acesso ao poder. Cabe à legislação eleitoral e à Justiça Eleitoral garantir que o concurso eleitoral prime pela paridade de armas. Nesse sentido, ninguém pode largar antes na disputa do voto do eleitor. Todos devem começar a fazer a propaganda eleitoral simultaneamente, a fim de preservar a igualdade de condições entre os concorrentes.

A previsão de data para o início da propaganda eleitoral também configura forma de limitar os gastos de campanha, porque quanto maior for o período de propaganda maior será a necessidade de recursos financeiros para financiá-la, o que somente privilegiará os postulantes e os partidos financeiramente mais abastados, em detrimento dos menos privilegiados e do próprio regime democrático, que pressupõe a possibilidade de acesso de todos ao poder.

Quem realiza propaganda eleitoral antecipada, além de estar sujeito ao pagamento de multa, pode vir a cometer abuso do poder econômico, porque estará realizando despesas de campanha antes da expedição do CNPJ de campanha, antes da abertura de conta corrente específica e antes da época permitida para a arrecadação de recursos, ou mesmo abuso dos meios de comunicação social[1]. Dependendo, portanto, do vulto das despesas realizadas para a veiculação da propaganda antecipada, poderá restar também configurado o abuso, passível de cassação do registro ou do diploma do infrator.

Qualquer forma de propaganda eleitoral, mesmo que autorizada pela legislação, quando feita antes do dia 6 de julho do ano da eleição será considerada irregular. Apenas a partir dessa data é que, do ponto de vista cronológico, passa a propaganda eleitoral a ser lícita.

Nos termos do artigo 36, parágrafo 3° da Lei 9.504/97, com a nova redação conferida pela Lei 12.034/09, a propaganda eleitoral antecipada será punida com pena de multa de R$ 5 mil a R$ 25 mil reais, ou equivalente ao custo da propaganda, se este for maior. Em relação à propaganda eleitoral antecipada veiculada pelo rádio e pela televisão, por exemplo, poderá ser cobrado o custo da propaganda, que geralmente será maior do que o valor de R$ 25 mil reais.

A maior dificuldade consiste em identificar a propaganda eleitoral antecipada. Isso porque os políticos buscam, a todo instante, manter-se em evidência, como forma de assegurar suas eleições futuras. Político que não é lembrado não é votado.

Proselitismo político x Propaganda eleitoral antecipada
Não é qualquer forma de divulgação do nome que configura propaganda eleitoral. Isso porque faz parte da atividade política o proselitismo. O difícil justamente é saber quando o proselitismo político transmuda-se na propaganda eleitoral antecipada, ou seja, quando a divulgação do nome assume caráter ilícito.

Não há como evitar que os políticos se relacionem com o seu eleitorado. Esse contato direto é essencial à democracia, porquanto permite que os eleitores sejam informados das atividades de seus representantes e as fiscalizem.

Adesivos e letreiros em escritórios políticos são permitidos pela Resolução TSE 21.039̸2002, decorrente da resposta à consulta 704, desde que contenham: “apenas o nome e o cargo do parlamentar”. Possibilitou também a distribuição e a utilização de adesivos em veículos com esses mesmos dizeres. Tais condutas caracterizam promoção pessoal impunível, sendo permitida a distribuição de adesivos contendo o nome e o cargo do parlamentar, desde que ausente a menção à plataforma política. A distribuição de quantidade expressiva de adesivos pode caracterizar o abuso do poder econômico e ensejar punição sob essa forma.

É comum a divulgação de adesivos contendo o nome e o endereço eletrônico do político. Desde que o sítio não contenha a veiculação de propaganda eleitoral antecipada, a conduta é lícita.

A fim de conferir limites ao proselitismo político, a jurisprudência dos Tribunais Eleitorais do país passou a considerar como propaganda eleitoral não só aquela que contém o pedido de voto direto, como também aquelas outras formas que, mesmo sem contê-lo, fazem alusão ao pleito e a características do futuro candidato, que o distinguem em relação aos demais.

No Acórdão 20.570, da lavra do Tribunal Regional do Paraná restou consignado que:

A propaganda eleitoral ilícita há que ser aquela em que o pré-candidato atua como se candidato fosse, visando influir diretamente na vontade dos eleitores, mediante ações que traduzem um propósito de fixar sua imagem e suas linhas de ação política, em situação apta, em tese, a provocar um desequilíbrio no procedimento eleitoral relativamente a outros candidatos, que somente após as convenções poderão adotar esse tipo de propaganda.

Esses posicionamentos vêm sendo adotados até os dias atuais. Se de um lado o político é livre para fazer proselitismo, esse não pode desbordar para a propaganda eleitoral antecipada. Sempre que houver menção a circunstâncias eleitorais, como ao ano e à data da eleição, ao cargo almejado, aos méritos do postulante, bem como à ação política a ser desenvolvida se eleito, estaremos diante da propaganda eleitoral antecipada.

A propaganda eleitoral antecipada é aquela que divulga o postulante como se candidato fosse:

Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, e a ação política que se pretende desenvolver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício de função pública.[2]

Mensagens que indicam o postulante como o mais apto para o exercício do cargo em disputa sugestionam o eleitor diretamente. Comumente vêm de forma disfarçada, mas não se confundem com a propaganda subliminar, que é perceptível apenas ao subconsciente do eleitor. Para atingir seu objetivo, a propaganda eleitoral antecipada deve ser clara e perceptível ao consciente do eleitor.

A propaganda eleitoral configura espécie de propaganda política e decorre do exercício da liberdade de manifestação de pensamento. Seu objetivo é obter o voto do eleitor para o candidato, para o partido ou para a coligação.

A propaganda eleitoral deve ser veiculada em certo tempo, compreendido entre o dia 6 de julho dos anos eleitorais e a véspera da eleição. Quando veiculada antes desse período, ainda que venha a acontecer nas formas autorizadas pela lei, é punível enquanto propaganda eleitoral antecipada, com pena de multa de cinco a vinte e cinco mil reais, ou equivalente ao custo da propaganda, se maior. Havendo mais de um responsável pela veiculação da propaganda, todos merecerão punição individual, não comportando aplicação o instituto da solidariedade.

Embora a propaganda eleitoral só seja efetivamente permitida a partir de 6 de julho dos anos eleitorais, os políticos são livres para fazer política, ou seja, para manter contato com o eleitorado, pessoal ou por meio das redes sociais, bem como para fazer aparições públicas e conceder entrevistas aos meios de comunicação social.

Os políticos podem manter escritórios políticos e divulgar nas suas sedes ou por meio de quaisquer materiais, incluindo adesivos e cartões, seus nomes e os cargos que exercem.

Considera-se propaganda eleitoral antecipada aquela que pede o voto do eleitor diretamente, bem como também aquelas manifestações que visam indicar ser o político o mais capacitado ao exercício do cargo público em disputa. Comumente a propaganda eleitoral antecipada é difundida de forma disfarçada, que não se confunde com o caráter subliminar, que pressupõe forma de comunicação que atinge apenas o subconsciente do eleitor.

A propaganda eleitoral antecipada, a fim de alcançar seu objetivo, deve atingir o consciente do eleitor. É disfarçada para tentar evitar a punição, mas contem elementos eleitorais que permitem perceber o cargo em disputa, as qualidades do postulante e o que ele fará se for eleito. Traduz, indubitavelmente, o objetivo de captar o voto do eleitor, dizendo que o postulante é o mais capacitado e também desmerecendo seus adversários. A propaganda eleitoral antecipada punível ocorre tanto sob a forma positiva quanto sob a forma negativa, ou seja, aquela que visa induzir os seus destinatários a não votar em determinada pessoa ou partido.

A lei eleitoral não traz conceito fechado de propaganda antecipada. Define apenas o período de tempo em que não é permitida a veiculação de propaganda eleitoral, assim como determinadas situações que não configuram a propaganda antecipada e outra que configura.

Não existe formula mágica para o reconhecimento das propagandas eleitorais antecipadas, até porque a criatividade dos políticos permite ampla variação de comportamento. Isso significa que as interpretações devem ser caso a caso, de acordo com as circunstâncias e particularidades.

Materiais institucionais de partidos podem ser comercializados, desde que não contenham números e nomes de candidatos. O número da legenda partidária, em princípio, configura número de candidato e não pode ser difundido, sob pena de traduzir propaganda antecipada.

A prestação de contas dos feitos administrativos, assim como a propaganda institucional, continuam permitidas, mesmo nos anos eleitorais, desde que respeitada a impessoalidade e que a ênfase seja dada aos feitos e fatos da administração pública e não aos seus protagonistas. Os atos parlamentares e sua divulgação pelos meios institucionais igualmente são permitidos, conquanto não haja pedido de apoio ou pedido de voto, para continuar os trabalhos legislativos em defesa da população. Debates legislativos podem ser divulgados pelos veículos de comunicação parlamentares, inclusive durante o período eleitoral, mas não podem conter pedido de voto ou propostas de campanha ou de continuidade do trabalho realizado.

Mensagens episódicas e transitórias, como aquelas comemorativas de datas, não configuram propaganda antecipada, ainda que veiculadas por meio de outdoor. Não podem conter elementos eleitorais e nem abusar na forma de divulgação, como em relação à quantidade, cores partidárias e imagens daqueles que serão notoriamente candidatos.

Os partidos podem organizar encontros e seminários fechados de preparação para as eleições. A fim de que tais eventos não configurem verdadeiros comícios “indoor”, a participação deve ser restrita a simpatizantes e a membros de partido previamente convidados. Eventos abertos ao público em geral podem configurar propaganda antecipada punível.

A divulgação das prévias partidárias bem como a realização da propaganda intrapartidária estão restritas ao âmbito partidário. A divulgação ampla dos resultados das prévias, assim como a difusão da propaganda intrapartidária para as pessoas em geral, configura propaganda antecipada.

A punição do beneficiário da propaganda eleitoral antecipada exige a prévia demonstração do seu prévio conhecimento, que pode ser inferido das circunstâncias do caso concreto. Ausente a prova do prévio conhecimento, o candidato beneficiário será notificado para retirar a propaganda irregular. Se o fizer no prazo de quarenta e oito horas, não será punido. Do contrário, será responsabilizado, ainda que, em princípio, não tenha sido o autor da divulgação irregular.

O poder de polícia, consistente na proibição da continuidade da veiculação das propagandas eleitorais antecipadas, será exercido por qualquer juiz eleitoral. As irregularidades constatadas deverão ser encaminhadas às Procuradorias Eleitorais que, se o caso, proporão as representações cabíveis para desencadear as punições legais.


[1] Nesse sentido: “O uso indevido dos meios de comunicação caracteriza-se, na espécie, pela veiculação de nove edições do Jornal Correio do Vale, no período de março a julho de 2010, nos formatos impresso e eletrônico, com propaganda eleitoral negativa e graves ofensas pessoais a Sebastião Pereira Nascimento e Carlos Eduardo Vilela, candidatos aos cargos de deputados estadual e federal nas Eleições 2010, em benefício do recorrido – único editor da publicação e candidato a deputado estadual no referido pleito. Na espécie, a potencialidade lesiva da conduta evidencia-se pelas graves e reiteradas ofensas veiculadas no Jornal Correio do Vale contra os autores da AIJE, pelo crescente número de exemplares distribuídos gratuitamente à medida que o período eleitoral se aproximava e pelo extenso período de divulgação da publicação (5 meses).” TSE, Recurso Ordinário n° 938324, Relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi, j. 31.05.2011, DJE de 01.08.2011, p. 231̸232.

[2] TSE, Ag. 7739, Relator Ministro Marcelo Ribeiro, j. 17.04.2008, DJ de 05.05.2008, p. 04. Esse entendimento restou consolidado a partir do julgamento do Respe 16183/MG, Rel. Min. Eduardo Alckmin.

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