Fundos abutres

Argentina perde ação bilionária nos EUA e pode ter outra moratória

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17 de junho de 2014, 10h53

Em decisão de uma linha, a Suprema Corte dos EUA criou uma “tragédia inimaginável” para a economia da Argentina, como interpretou, nesta segunda-feira (16/6), a presidente Cristina Kirchner. Um “risco sério e iminente”, segundo os advogados, de a Argentina ter de declarar uma outra moratória de sua dívida externa (default).

Pela manhã, às 9h45, a corte anunciou a decisão de não julgar um recurso da Argentina contra a decisão de um tribunal inferior, que manda o país pagar US$ 1,33 bilhão a credores americanos, que detêm títulos chamados de “fundos abutres”. Com isso, fica valendo a decisão do tribunal inferior, contra a qual a Argentina lutou em todas as instâncias.

Outros credores, chamados de “holdouts” (credores que não entram em um acordo, na esperança de obter condições mais favoráveis de pagamento) poderão seguir o mesmo caminho e ir ao mesmo tribunal americano cobrar a dívida da Argentina. Isso elevaria o valor devido para cerca de US$ 15 bilhões. Além disso, os credores que aceitaram receber a dívida com desconto da Argentina (92% do total de credores) podem se sentir prejudicados e reclamar tratamento igual.

Cerca de meia hora mais tarde, a Suprema Corte emitiu uma decisão de 16 páginas, pela qual autorizou os detentores dos títulos a buscar na Justiça intimações aos bancos, para rastrear ativos da Argentina nos EUA e em qualquer lugar do mundo, para executar a dívida e confiscar bens do país.

A decisão foi tomada por sete votos a um — a ministra Ruth Ginsburg foi o voto dissidente. A ministra Sonia Soutomayor se recusou a votar nos dois casos. E o relator do voto pela maioria foi o ministro Antonin Scalia.

Os credores beneficiados são a NML Capital, afiliada da Elliott Management, o fundo hedge do bilionário Paul Singer, e a Aurelius Capital Management. A Argentina chama esses credores de “abutres”. Segundo a Argentina, eles adquiriram títulos no valor de US$ 48,7 milhões e transformaram a dívida em quase US$ 1,5 bilhão, com juros que já superaram 1,6 mil%.

Em sua defesa, a Argentina argumentou que o tribunal inferior interpretou mal a lei federal americana que estabelece a imunidade da soberania estrangeira e que certas propriedades de países estrangeiros nos EUA não podem ser confiscadas para pagamento de dívida.

Scalia argumentou, em nome da maioria, que a lei realmente existe, mas a Argentina abdicou de seus direitos à imunidade, nas jurisdições dos tribunais americanos, quando assinou os contratos de venda dos títulos.

A Argentina questionou o direito dos credores de obter intimações aos bancos para caçar bens do país em todo o mundo. Scalia escreveu que “as intimações são apropriadas e não ofendem as proteções que o Congresso garantiu à Argentina ou a qualquer país, através da lei da imunidade da soberania estrangeira.

Em seu voto dissidente, a ministra Ruth Ginsburg escreveu que as intimações são inapropriadas, a não ser que os credores possam, primeiramente, mostrar que há algum bem que possa ser confiscado.

“Um tribunal nos Estado Unidos não tem justificativa para se permitir a suposição de que, fora de nosso país, o céu é o limite para confiscar uma propriedade de um país soberano, a fim de executar uma sentença judicial contra esse país soberano”, ela escreveu.

Scalia respondeu que não há razão para requerer a credores que comprovem, com antecedência, que têm direito de confiscar propriedade descoberta através de uma intimação. “A razão dessas intimações é a de que a NML não sabe ainda que propriedades a Argentina tem e onde estão essas propriedades e, muito menos, se elas são executáveis de acordo com a legislação jurisdicional relevante”, afirmou.

Entre 2001 e 2002, a Argentina declarou uma moratória unilateral de sua dívida externa, que era próxima de US$ 100 bilhões. Em 2005 e 2010, promoveu uma reestruturação da dívida, em que 92% dos credores aceitaram receber de 25 a 29 centavos por dólar devido.

Os demais nunca aceitaram o acordo e alguns deles moveram ações no estado de Nova York. A NML Capital moveu 11 ações contra a Argentina em um tribunal de Manhattan, em Nova York, e ganhou todas, segundo o jornal The New York Times.

Agora, o processo descartado pela Suprema Corte volta ao tribunal de Nova York, para que o juiz Thomas Griesa — “um magistrado que só decide contra os interesses argentinos”, segundo os jornais da Argentina — estabeleça quando e como a Argentina deve pagar a dívida total aos credores, se não quiser que seus bens sejam confiscados nos países que concordarem em ajudar os credores americanos.

A Argentina ainda não terminou de pagar os 92% dos credores que aceitaram receber pagamentos com descontos. Depois da decisão da Suprema Corte, Cristina Kirchner declarou, em um vídeo gravado, que vai cumprir as obrigações do país para com esses credores. Informou que instruiu o Ministério da Economia e o Banco Central a fazer o pagamento de US$ 900 milhões, no fim do mês, a eles.

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