Justiça Tributária

Advogados podem ter um Simples complicado

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

9 de junho de 2014, 16h05

Os que exercem determinadas profissões, – advocacia, corretagem de imóveis, psicologia dentre outras – poderão optar pela tributação do Simples, conforme recente decisão da Câmara dos Deputados, que altera  a LC 123. O projeto de LC 221/12, depois de ampla discussão pelos deputados, seguiu para o Senado. Certamente será aprovado. Muito embora tenha beneficiado um bom número de contribuintes pessoas jurídicas, parece-nos que o projeto necessita de alguns ajustes e modificações, para que se viabilize a verdadeira Justiça Tributária.

A proteção às micro e pequenas empresas é de interesse do desenvolvimento nacional e, mais que isso, um mandamento constitucional até hoje não inteiramente cumprido. O artigo 170 inciso IX da CF diz que a ordem econômica deve valorizar o   trabalho e a livre iniciativa, assegurando-nos existência digna. Deve, ainda, promover a justiça social. Para tanto, manda que sejam favorecidas as empresas de pequeno porte.

 Ao proteger e incentivar as micro e pequenas empresas não está o Congresso fazendo qualquer favor. Apenas cumpre mandamento constitucional, colocando em prática as normas contidas no preâmbulo da CF, que não cansamos de repetir aqui. Essas normas registram que o Brasil destina-se a instituir um Estado Democrático de Direito, assegurando a todos os direitos sociais, a liberdade, a segurança, a igualdade e a justiça, além de outras garantias que a CF nos concede.

 

Esse projeto amplia a aplicação do Simples, para que possam incluir-se nesse sistema algumas atividades até aqui impedidas de optar por essa forma de tributação. Dificilmente uma lei que beneficie a sociedade ou parte dela é aprovada neste país, sem que seja necessária uma pressão sobre os legisladores. Boa parte deles tem memória muito curta. Lembram que são nossos representantes apenas em véspera de eleições.

Para a inclusão da advocacia dentre as profissões no projeto foi necessário um expressivo trabalho da OAB. Tal esforço teve início em 2011,  na gestão de Luis Flávio Borges D’Urso à frente da OAB-SP, sendo logo acompanhado por outras seccionais e também pelo Conselho Federal.  Por isso mesmo, o contentamento do atual presidente da seccional paulista, o Dr. Marcos da Costa, com a decisão da Câmara é justificado, eis que a inclusão da Advocacia no regime de tributação do Simples Nacional traz o princípio da isonomia para esse segmento da atividade de prestação de serviços, ao estender tais benefícios  à classe.

O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, acompanhou a votação no plenário da Câmara, afirmando que a medida irá incentivar os advogados, especialmente os que se iniciam na profissão, reduzindo seus custos tributários. O sucesso da luta, portanto, deve ser atribuído à advocacia, que agiu em união, como sempre deve ocorrer em prol da entidade e também da sociedade.

Mas se o projeto foi justo, não foi perfeito. O valor de R$ 180.000,00 por ano, por exemplo, parece-nos irreal em se tratando de um escritório de Advocacia, ainda que pequeno. Tal valor representa um faturamento mensal de R$ 15.000,00, insuficiente para cobrir os gastos de uma pequena banca.

Hoje, em qualquer lugar do país, um modesto imóvel com pelo menos duas salas e um banheiro, custa mais que R$ 2 mil e mais R$ 1,5 mil relativos a IPI, condomínio, estacionamento, etc. Se contratar uma secretária e um estagiário, lá se vão pelo menos R$ 3 mil, incluindo-se os encargos sociais. Além disso tudo, deve o pequeno escritório cobrir outros custos, como impressos, materiais de consumo, contas de luz e telefone, aquisição de jornais e revistas necessários à pequena equipe , limpeza, etc. Com tais desembolsos certamente gastará cerca de R$ 2 mil.

Deverá, outrossim, ter recursos suficientes para, a cada dois ou no máximo três anos, trocar os computadores e outros utensílios de informática. Essas coisas são feitas para durar pouco. Deve a banca fazer uma reserva para tanto, aplicando mais R$ 1mil por mês. Se nesse orçamento a hipotética e modesta banca incluir os livros, ferramentas indispensáveis para o correto culto a Themis, deverá dispor de pelo menos uns R$ 500, isso se os adquirir com os generosos descontos que a CAASP consegue nas editoras e nos repassa.

Portanto, necessita o pequeno escritório com uma equipe de dois advogados, uma secretária e um estagiário, nada menos que dez mil reais.

Se a receita é de quinze mil, resta aos dois advogados a mísera quantia de cinco mil reais, isto é, dois mil e quinhentos para cada um. Com tal retirada, cada um dos sócios poderia interromper seus estudos na auto-escola, pois qualquer motorista de taxi, ônibus ou caminhão ganha mais que isso, sem ter que suportar clientes insuportáveis.

Portanto, talvez a opção pelo Simples não seja tão simples assim. Torna-se necessário avaliar com muita calma e com a ajuda de um contador, o que é melhor: o simples ou o lucro presumida.

Ante o exposto, se não for possível agora, brevemente a tabela do Simples deve se revista. O projeto não é perfeito, mas pode se tornar um pouco mais justo.

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  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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