Centenário em branco

Editora condenada por não publicar obra no centenário de jurista recorre ao STJ

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8 de junho de 2014, 9h30

A editora Topbooks, condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a indenizar os herdeiros do jurista Affonso Arinos de Mello Franco por não ter publicado obra no ano de seu centenário, em 2005, protocolou recurso especial nesta sexta-feira (6/6). A editora requer ao Superior Tribunal de Justiça que os autos retornem à fase probatória, na primeira instância. Assim, afirma, poderá provar que os filhos do jurista haviam concordado, verbalmente, com a publicação de outros títulos em substituição à obra Memórias, como estabelecido em contrato.
 
Segundo a advogada Alessandra Sabino, sócia do escritório Tostes e Associados Advogados, que defende a editora, embora tenha deixado de cumprir integralmente o contrato, a Topbooks demonstrou boa-fé ao investir esforços para obter patrocínio — que seria a única maneira de viabilizar a edição de luxo planejada, argumenta ela, observando que a editora não tem o perfil de publicar best-sellers, dependendo de parcerias para publicações que demandam maior investimento.
 
"Quando a editora percebeu que não ia ter condições de publicar essa edição especial, apesar de todo investimento feito na contratação de profissionais, ela procurou os filhos de Arinos e propôs a publicação das edições de duas obras do autor. Depois, ainda na vigência do contrato, o filho de Arinos pediu para publicar sua obra Mirante, o que foi feito", conta a advogada. Segundo ela, o TJ-RJ não permitiu que fosse produzida a prova oral dessa alegação.
 
No último dia 22 de maio, a 22ª Câmara Cível rejeitou os Embargos de Declaração opostos pela editora e confirmou a decisão que mandou indenizar, por danos materiais e morais, os filhos de Arinos. 
 
De acordo com a decisão, a editora terá de indenizar os herdeiros em R$ 20 mil, por danos morais, além repará-los por danos materiais, pagando o equivalente a 10% do preço da capa de cada um dos 1.910 exemplares da obraMemórias, a ser apurado em fase de liquidação de sentença, incluindo juros de 1% ao mês a partir da citação. 
 
Jurista respeitado, Affonso Arinos era também historiador, professor e ensaísta, tendo ocupado, por mais de 30 anos, uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Teve atuação marcante na política, primeiro como senador, e depois como ministro das Relações Exteriores do governo Jânio Quadros. Foi o criador da lei contra a discriminação racial, que passou a ser associada ao seu nome. Ao morrer, em 1990, exercia seu segundo mandato no Senado, pelo antigo PFL. 
 
Expectativa frustrada
 
Ao ajuizar a ação, em 2010, os filhos de Affonso Arinos pediram a condenação da editora por inadimplemento contratual. Em sua sentença, o juiz Leonardo de Castro Gomes, da 17ª Vara Cível do Rio, reconheceu o direito à indenização. Segundo ele, a obra tinha nítido cunho pessoal, uma vez que foi encomendada por ocasião do centenário do jurista, e o dano moral, portanto, decorreu “da angústia pela expectativa frustrada sofrida pelos autores de homenagearem a memória de seu falecido genitor”.
 
Ao apelar da sentença, a editora argumentou que o cumprimento do contrato de forma integral geraria “grande desequilíbrio” entre as partes, ao arcar com todos os custos da produção e publicação da obra, “que não era inédita ou de um autor que alcançasse significativa vendagem no mercado editorial”. Alega, ainda, que os danos materiais “são hipotéticos, uma vez que o ganho decorreria da vendagem”.
 
Em reconvenção — ação movida pelo réu contra o autor no ato de sua defesa —, a empresa pediu indenização por danos materiais. Afirmou ter sofrido prejuízos ao executar serviços de edição gráfica, preparação e produção da obra Memórias no valor histórico de R$ 27.703,90, além da reedição, em 2005, de duas obras de Afonso Arinos — a 3ª edição da obra Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil e a 2ª edição da obra Evolução da Crise Brasileira. Inclui na lista, ainda, a edição do livro Mirante, no valor total de R$ 72.703,90. Acrescenta que, com essas edições, a editora tornou-se a única a publicar “qualquer obra de Afonso Arinos no ano de seu centenário”.
 
Risco do negócio
 
O advogado Carlos Henrique Fróes, sócio do escritório Fróes Advogados, que defende os herdeiros de Arinos, ressalta que, segundo a sentença, não havia qualquer cláusula que vinculasse ou condicionasse a edição e a publicação da obra à obtenção de patrocínios de empresas privadas.
 
“A editora poderia contratar patrocínios para viabilizar a edição das obras. Mas mesmo que não o fizesse, ela já havia assumido o risco do negócio. O prejuízo para os filhos foi muito grande”, afirma o advogado.
 
Ao rejeitar a alegação de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa (em função do fato de não ter sido permitida a produção de prova testemunhal),  o desembargador Marcelo Buhatem, relator do acórdão, afirmou ser “fato incontroverso” que o contrato de cessão de direitos autorais, tendo como objetivo a publicação da obra Memórias até dezembro de 2005, foi descumprido. Destacou que a ré não apresentou “qualquer documento que substituísse o objeto da obrigação principal”.
 
Vantagem prevista
 
Segundo o relator, não há no contrato nada que afirme que a obra só seria publicada mediante a obtenção de parceria. De acordo com o documento, assinala, a editora se compromete a lançar a obra, “podendo” obter parcerias.
 
Em seu voto, o desembargador rebate também o argumento da editora de que a sentença se equivocou ao considerar como certa a venda de qualquer exemplar da obra na primeira reedição. Lembra, citando a decisão de 1º Grau, que a estimativa mínima de venda foi feita pelas próprias partes, ao prever uma impressão inicial de 2 mil cópias.
 
“O contrato de Cessão de Direitos Autorais e de edição objeto desta demanda previu expressamente vantagem financeira para as partes. Logo, não cabe agora à Apelante arguir que não tinha condições de arcar com seu cumprimento nem que não seriam vendidas tais cópias”, afirma.
Exclusividade e contradição
 
Para Buhatem, não cabe alegar que o contrato foi assinado sem intuito lucrativo, e que a única finalidade seria homenagear Affonso Arinos. “Ora, se assim fosse, seria um contrato sem cláusulas de percepção de vantagens, diferente do que ocorre no referido contrato”. 
 
Além disso, aponta a “contradição” da editora ao afirmar, na Apelação, que não tinha intuito lucrativo, mas que “era a maior interessada na publicação da obra, pois o quanto antes fosse lançada no mercado, em menor tempo a Apelante reaveria seus investimentos feitos para a sua produção”. 
 
O desembargador refuta, ainda, a alegação de que não houve dano moral, tendo em vista que Affonso Arinos recebeu “justa homenagem” no ano de seu centenário, por meio das reedições de duas obras anteriores. 
 
Perda de uma chance
 
De acordo com Buhatem, o dano moral “é um dano de natureza íntima” e a publicação de dois outros livros que não foram objeto do contrato, além da cessão de fotos para uma exposição, não podem representar a “homenagem devida esperada pelos Apelados”. 
 
Para a defesa da editora, no entanto, o acórdão foi contraditório nesse ponto, pois a Súmula 75, do próprio TJ, diz que a violação de contrato não gera dano moral.
 
Em relação à condenação por danos materiais, o relator apontou que o contrato estipulou que os herdeiros de Arinos teriam direito a 10% do preço de capa dos exemplares vendidos. “Não há que se falar em dano hipotético. Trata-se da teoria da perda de uma chance bem aplicada na sentença”, conclui, ao transcrever decisões análogas julgadas pelo TJ-RJ. 
 
Clique aqui para ler o acórdão que rejeitou os Embargos de Declaração
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