Desenvolvimento econômico

Regulamentação da terceirização cria novo paradigma

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6 de junho de 2014, 7h02

A terceirização, um dos temas mais pertinentes na área trabalhista, voltará a ser discutido no Judiciário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a chamada repercussão geral sobre a contratação de mão de obra terceirizada no país. Agora, a Corte Superior decidirá se a terceirização é válida ou não a partir do julgamento de um caso envolvendo uma empresa de celulose. A repercussão geral impede que ações semelhantes que correm em instâncias inferiores da Justiça sejam julgadas até que o STF se posicione sobre o assunto.

Este é o primeiro passo rumo a um desenvolvimento econômico há muitos anos ansiado pela comunidade jurídica. A terceirização é uma realidade mundial, capaz inclusive de gerar muitos empregos, desde que seus mecanismos e limitações sejam apresentados em regras claras. As septuagenárias normas trabalhistas vigentes foram importantes em determinado momento, mas hoje se mostram insuficientes dada a multiplicidade de relações sociais e econômicas do mundo moderno.

Atualmente, não existe lei no Brasil que regule o trabalho terceirizado no setor privado. A jurisprudência, então, passou a tentar definir conceitos e normas. A atual diversidade de entendimentos a respeito do assunto acaba por gerar instabilidade econômica e insegurança jurídica. Segundo o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, José Roberto Freire Pimenta, 30% a 40% dos processos que chegam à corte trabalhista são relativos a empresas terceirizadas.

Há dez anos em discussão na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.330 prevê a regulamentação do fenômeno da terceirização e acaba de uma vez por todas com as discussões abstratas em torno dos termos “atividade-meio” e “atividade-fim”, criadas pelo Poder Judiciário. Como era de se esperar, diversas entidades já se manifestaram, a favor e contra a regulamentação.

O próprio artigo 170 da Constituição Federal diz que a ordem econômica é baseada na livre iniciativa. Ou seja, as empresas têm liberdade para gerir seus negócios da forma como acharem conveniente para o progresso da empresa, desde que isso não vá contra a dignidade da pessoa humana nem contra os direitos previstos na Carta Magna brasileira.

Os combatentes do Projeto anunciam que terceirizar é “precarizar” e que, se aprovada, a nova lei estará na contramão dos interesses da coletividade, privilegiando o lucro das empresas em detrimento dos anseios do trabalhador. Os que o apoiam, fundamentam que com regras claras, haverá maior segurança jurídica, o crescimento dos postos de trabalho, garantia de direitos com base em lei federal e a economia tende a crescer.

Do ponto de vista jurídico, ao contrário dos que pregam os opositores à regulamentação, a criação de normas que regularizam determinado fato social visa justamente colocar limites, direitos e obrigações a todas as partes envolvidas, sendo que seria contraditório acreditar que a regulamentação é nociva e desnecessária.

Segundo as teorias mais modernas, o Direito se forma pela criação de normas que regulamentem determinado fato social à luz dos valores da sociedade. Ou seja, se o fenômeno da terceirização é fato social amplamente consagrado, cabe ao povo brasileiro, representado pelo Poder Legislativo, a criação de normas que tragam segurança jurídica ao trabalhador e visem o desenvolvimento econômico da nação.

Dessa forma, é preciso deixar de lado com urgência os conceitos de “atividade meio” e “atividade fim”, segundo o qual caberia ao juiz do trabalho, mediante suas convicções pessoais em cada caso concreto, limitar a possibilidade de prestação de serviços especializados a determinadas situações que, segundo a sua ótica particular, estariam fora das atividades inerentes ao objetivo social do tomador de serviços.

Tal entendimento, consagrado pela jurisprudência trabalhista, tem causado grande insegurança no meio jurídico, afinal de contas não se sabe exatamente quando a atividade é “inerente” ou “acessória”, e tais conceitos são gravemente vagos e imprecisos. Além disso, essa aparente limitação na liberdade de contratar se mostra aparentemente inconstitucional, na medida que, segundo o Princípio da Legalidade e mediante o sistema de tripartição do poder adotado no Brasil, não cabe ao Judiciário criar obrigações não previstas em leis regularmente editadas pelo Poder Legislativo.

Diante disto, superadas algumas distorções iniciais e tendo em vista que a terceirização é mundialmente uma realidade como fato social, o importante neste momento é criar mecanismos legais que impeçam a proliferação de empresas fraudulentas ou que visem unicamente a distorção do fenômeno em si. Nesse sentido, o impedimento de empresas especializadas em múltiplas atividades não diretamente conexas entre si e a obrigatoriedade de prestação de caução ou retenção de parte do faturamento se revelam garantidores contra a proliferação de empresas de fachada ou inadimplemento de créditos trabalhistas.

Além disso, a tão esperada lei, ao prever que, caso o tomador de serviços seja negligente quanto ao zelo pela satisfação dos direitos dos prestadores de serviço, pode vir a ser subsidiariamente responsabilizado pela dívida resultante, demonstra que – ao contrário do que os mais radicais tentam pregar – a regulamentação não se trata de um “mero capricho” em favor do empresariado, mas sim uma efetiva mudança de paradigma, que tirará o Brasil da informalidade para colocá-lo em compasso com uma realidade que tende a impulsionar o crescimento do emprego regular.

Em sua obra O Mundo é Plano, o jornalista norte-americano Thomas Friedman cita o exemplo da empresa MphasiS que, situada na Índia, presta serviços de contabilidade remotamente a grandes empresas localizadas em território americano. Com o aprofundamento nas regras tarifárias dos Estados Unidos, a companhia criou um sistema informatizado de prestação de informações à Receita Federal e já no ano de 2005 milhares de formulários de imposto de renda de cidadãos americanos foi elaborada do outro lado do Oceano Atlântico. Como resultado da especialização da mão de obra, funcionários indianos têm sido referência em Tecnologia da Informação, o que tem alavancado até mesmo a exportação desse tipo de mão de obra.

Com a vastidão do território brasileiro e a diversidade produtiva, a regulamentação do fenômeno da terceirização tende a criar um novo paradigma. Que seja este o primeiro passo rumo a uma urgente e necessária reforma trabalhista, revelando que o Brasil está apto a trocar conceitos vagos e imprecisos por uma legislação clara e eficiente na conjugação dos interesses do trabalhador com o desenvolvimento econômico da nação.

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