Texto em debate

Escritórios apontam mudanças necessárias no novo Código de Ética da OAB

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4 de junho de 2014, 6h31

O texto proposto como novo Código de Ética e Disciplina da Advocacia passa, nesta quarta-feira (4/6), por um de seus primeiros testes. A minuta, elaborada pela Comissão Especial para Estudo da Atualização do Código de Ética e Disciplina da OAB, cujo relator é o conselheiro federal Paulo Roberto de Gouvêa Medina, será debatida na Associação dos Advogados de São Paulo. O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), entidade que representa escritórios de advocacia, levará suas sugestões de alterações. O tema tem sido levado a debate também pelas seccionais, em audiências públicas.

O atual Código de Ética da OAB está em vigor desde 1995. Seu projeto foi elaborado com base em consultas a todas as seccionais de OAB do país e, principalmente, no Código de Ética do antigo Instituto dos Advogados do Brasil, de 1930, assinado por Ruy Sodré.

Em março, a OAB abriu consulta pública para colher sugestões para o novo texto. O prazo encerrou-se no último sábado (31/5). As propostas serão discutidas principalmente durante a XXII Conferência Nacional dos Advogados, que acontece em outubro, no Rio de Janeiro. E o novo código será votado entre novembro e dezembro.

Em reunião no dia 27 de maio, o Cesa submeteu aos seus associados as principais mudanças que um grupo de estudos identificou como necessárias. 

Um dos itens criticados foi o artigo 32, que proíbe o advogado que exerce cargo em órgãos representativos da classe de “firmar contrato de prestação de serviços ou fornecimento de produtos com a entidade nem adquirir bens de qualquer natureza postos à venda”. Segundo os presentes ao debate no Cesa, a limitação pode ter boa intenção, mas impedirá o advogado até mesmo de comprar livros em sua entidade de classe. Mas de acordo com Carlos José da Silva Santos, vice-presidente do Cesa, o Tribunal de Ética e Disciplina da seccional paulista da OAB, do qual é presidente, já sugeriu alterar o texto, restringindo a proibição para aquisições que integrem o ativo fixo.

O sigilo profissional foi um dos destaques da discussão. O artigo 37 do projeto de novo código dispõe que o “segredo profissional cederá em face de circunstâncias imperiosas que levem o advogado a revelá-lo em sua defesa, sobretudo quando forçado a tal por atitude hostil do próprio cliente”. A advogada Márcia Matrone, porém, sugeriu que fosse acrescentada ao artigo menção sobre o segredo ser inviolável.

Ricardo Peake Braga, sócio do escritório Navarro Advogados, lembrou que o sigilo não é absoluto, e citou o exemplo fictício de um cliente que admita que irá cometer um homicídio em breve. “Na Alemanha, o advogado tem o dever de notificar quando desempenha trabalho consultivo”, exemplificou. Já a advogada Beatriz Kestener afirmou que, embora o sigilo não seja absoluto, é crucial para a profissão. “O advogado vende confiança”, disse.

Ainda sobre sigilo, os presentes também se opuseram ao que diz o artigo 38 da proposta. O texto prevê que, “na hipótese em que terceiro seja acusado da prática de crime cuja autoria lhe haja sido confessada pelo cliente, o advogado deverá renunciar ao mandato, ficando livre, em seguida, da preservação do segredo profissional, para agir segundo os ditames de sua consciência”. Segundo a advogada Raquel Elita Alves Preto, essa disposição significaria o fim da advocacia criminal. “O artigo 38 é uma institucionalização da delação pelo advogado”, concordou a profissional Márcia Matrone.

Publicidade sóbria
As regras propostas para a publicidade nos escritórios também geraram polêmica. O relatório do conselheiro da OAB Paulo Medina, em oito artigos, proíbe fotografias em anúncios e usa o adjetivo “sóbrio” — sem maiores definições — para parametrizar os limites da prática. Encarregado do estudo dessa parte pelo Cesa, o advogado Stanley Frasão preferiu uma redação genérica e propôs que os termos se restrinjam a três dispositivos: um que afirme que publicação institucional do escritório não é propaganda e tem caráter informativo; outro que diga que a divulgação deve ser moderada e não indique captação de clientela ou mercantilização do serviço de advocacia; e um último que proíba fotografias em anúncios, bem como símbolos incompatíveis com a atividade. “É prudente que se evite que o Código de Ética defina detalhes, o que deve ser feito por meio de provimento da OAB”, explicou.

Tratando de honorários advocatícios, Beatriz Kestener propôs que o novo Código volte a ter dispositivo que defina que os honorários de sucumbência pertencem aos advogados. Ela também sugeriu que os honorários possam ser levantados pelas sociedades de advogados, e não apenas por advogados pessoas físicas.

Nesse ponto, a advogada Raquel Preto lembrou que, devido à obrigação de fazer levantamentos de valores pagos aos escritórios em suas próprias contas correntes, os advogados sofrem pessoalmente consequências como cobranças tributárias e fiscalizações trabalhistas e previdenciárias, que consideram como seus rendimentos as receitas que, na verdade, são dos escritórios que representam. 

Beatriz propôs ainda que os artigos 52 e 53, que tratam de conflitos de advogados sobre o pagamento de honorários, sejam tirados do capítulo do código que trata de honorários e passem para a seção que aborda o relacionamento profissional.

O uso de mecanismos típicos de empresas na cobrança de honorários pelos advogados foi outro ponto de polêmica. Beatriz Kestener afirmou que o advogado pode emitir faturas, mas não duplicatas ou letras de câmbio. Pode também receber cheques e notas promissórias, mas não pode emiti-las. Ao deparar com uma inadimplência, o profissional tem o direito de protestar o cheque, mas essa atitude redunda em renúncia ao cliente. Quanto a recebimentos por cartão de crédito, ela sugeriu a permissão, desde que a operadora do cartão não seja informada da razão do valor.

Abordando capítulo sobre o relacionamento com clientes, Mariana Oliveira alertou para o artigo 8º do novo texto, que obriga o advogado a avisar ao cliente sobre os riscos de sua pretensão de ajuizar uma causa. Segundo ela, a expressão “denunciar ao cliente”, prevista na minuta, deve ser substituída por “informar ao cliente”. Ela também sugeriu a inclusão de um parágrafo no artigo 19. O dispositivo diz que os advogados de uma mesma banca não podem representar clientes de interesses opostos. A sugestão de inclusão diz que o impedimento de um advogado não se estenderá aos demais.

Falando de advocacia pro-bono, Flávia Oliveira destacou ser a primeira vez que o assunto será tratado em uma regulamentação. A proposta prevê, em seu artigo 30, que, “no exercício da advocacia pro-bono, como nomeado, conveniado ou dativo, o advogado empregará todo o zelo e dedicação necessários, de forma que a parte por ele assistida se sinta amparada e confie no seu patroncínio”. “O texto qualifica a advocacia pro-bono como dever de cidadania e como uma faculdade do advogado”, elogiou Flávia.

O debate na Aasp sobre as novas regras acontece às 18h desta quarta-feira, na sede da Aasp, na Rua Álvares Penteado, 151, no Centro de São Paulo. A entrada é gratuita. 

[Notícia alterada em 5 de junho para correção de informação.]

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